Ao todo são 50 episódios improváveis da história da Filosofia, compilados no mais recente livro de David Erlich, que sempre procurou habitar o Mundo com disponibilidade humorística. E isso vê-se, até na escolha do nome do livro: A Bebedeira de Kant.
No fundo, David Erlich diz, sem rodeios, ter unido, na escrita deste livro, o Professor de Filosofia ao miúdo tonto que nunca deixou de ser. Mas não se deixem enganar, este é um Professor com amor pelo que ensina e com amor por aqueles a quem ensina. Mestre em Filosofia e mestre em Ensino de Filosofia, com referência no quadro de mérito da NOVA FCSH, em que cursa atualmente o doutoramento em Filosofia, na especialidade de História da Filosofia. E um verdadeiro devoto do estoicismo e do epicurismo.
O resultado?
Um compêndio de histórias, desde a cocaína de Freud, à urina de Pitágoras, às fake news sobre Epicuro ou até mesmo à flatulência de Montaigne, cuja leitura ensina que a Filosofia é um labirinto no qual vale a pena entrar. Ficou curioso? O autor garante ainda fazer-nos pensar e sorrir.
O livro A Bebedeira de Kant, da editora Planeta, tem como objetivo fazer pensar a sorrir. Tudo o que escreveu está filosoficamente comprovado?
É uma pergunta intelectualmente provocante. Teríamos de discutir o que que queremos dizer quando usamos a palavra “comprovar”. O que significa que algo está “comprovado”? Ora, a parte do livro que me parece que mais suscitar esta problemática da prova são os próprios episódios. E aí posso descansar o leitor. Todos os episódios são ou verdadeiros ou fortemente verosímeis (é difícil garantir que Diógenes o Cínico encontrou mesmo Alexandre o Grande, por exemplo, a mais de dois mil anos de distância).
É uma ideia bonita a de sermos companheiros de viagem nesta bela aventura que é pensar, ou como diz, isto é mais “um convite para um aprofundado exercício de coscuvilhice”. E gostava de perceber como surgiu a ideia deste livro?
Ora, a ideia para este livro afirmou-se assim, como ideia pícara, numa conversa com a editora Planeta. Era um dos vários livros que tinha na mente, como sonho. Sempre me pareceu fascinante conhecer a filosofia não como uma série de ideias abstratas, mas como vivência dessas ideias no Mundo. E sempre procurei habitar o Mundo com disponibilidade humorística. Quando a Planeta me ligou, o sonho tornou-se realidade.
Começa cada capítulo com uma história precisamente com sentido de humor. Como foram desencantados estes episódios improváveis da história da Filosofia?
As fontes são diversas… desde histórias da filosofia, seja atual, seja a de um historiador romano que faz a síntese da filosofia grega, a obras dos próprios autores e, ainda, monografias sobre os mesmos, passando pelas biografias.
Quais as histórias que não podemos mesmo perder?
Tenho dificuldade em escolher uma, mas a escolha é possível. Diria que o livro permite vários roteiros de leitura, pois aborda várias áreas da filosofia: metafísica, epistemologia, ética, filosofia política, filosofia da religião, entre outras…
Ficaram muitas por contar? Pode dar-nos alguns exemplos?
Terão ficado muitas que não conheço, certamente, e várias que conheço. Uma história maravilhosa é do pensador holandês Grócio, pai do direito internacional. Condenado a prisão perpétua por motivos políticos, está preso no Castelo de Loevestein. Foi-lhe autorizado que continuasse a estudar e a escrever. A esposa leva-lhe regularmente uma arca cheia de livros, que vão trocando. Ao início, a arca é inspecionada, mas o controlo vai-se aligeirando.
Certo dia, não são os livros de Grócio aquilo que a caixa transporta, mas o próprio Grócio, numa das mais célebres fugas da história da filosofia.
Em que sentido é que estas estranhas formas de vida nos fazem compreender o Mundo em que vivemos e a forma como pensamos?
Estas formas de vida são uma ponte para o pensamento destes autores e o seu pensamento, por sua vez, ajuda-nos nessa tarefa compreensiva. Nesse sentido, por exemplo A República de Platão não é um livro antigo. Determinados problemas humanos são estruturais; a conjuntura muda apenas o modo como a estrutura problemática se revela.
O que diria que são os ensinamentos principais do livro?
Diria… que é um livro cuja leitura ensina que a filosofia é um labirinto no qual vale a pena entrar.
Agora de um modo mais geral, para si, o que é essencial na Filosofia?
Atenção à subtileza da linguagem na sua relação com o problemático.
Quais são as perguntas que continuam a ecoar em si? E as verdades?
A pergunta pela verdade e a verdade de perguntar.
Quais são as correntes que nos podem ajudar a viver de uma forma mais equilibrada e feliz estes tempos?
O estoicismo e o epicurismo. Também o ceticismo helenístico, por exemplo.
Quem são as suas referências no mundo da Filosofia?
Uma grande referência é o filósofo argentino Santiago Kovadloff, de quem tenho o privilégio de ser amigo.
Por último, tem alguma instrução para a melhor forma de ler o seu livro?
Vem aí o verão. Este livro é amigo da praia. De idas à praia com disponibilidade para pensar e sorrir.