O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza relembra-nos da indignidade a que são submetidos os pobres. O facto de muitos serem trabalhadores é ainda mais esclarecedor – e interpela professores de gestão, empresários e gestores. Competitividade, crescimento, desenvolvimento humano, erradicação da pobreza, e dignidade deveriam ser integradas na mesma equação. Os estudantes de hoje serão os gestores de amanhã. As “teorias” que lhes ensinamos nas escolas de negócios podem exercer algum efeito sobre a forma como esses futuros gestores virão a atuar. Parece-me fundamental, pois, que o ensino da gestão e da economia incorpore mais enfaticamente esta dimensão – a pobreza.
Recorro, nesta reflexão, ao Papa Francisco. Na exortação apostólica Evangelii Gaudium, escreveu: “a dignidade de cada pessoa humana e o bem-comum são questões que deveriam estruturar toda a política económica, mas às vezes parecem somente apêndices adicionados de fora para completar um discurso político sem perspetivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento integral. Quantas palavras se tornaram molestas para este sistema! Molesta que se fale de ética, molesta que se fale de solidariedade mundial, molesta que se fale de distribuição dos bens, molesta que se fale de defender os postos de trabalho, molesta que se fale da dignidade dos fracos, molesta que se fale de um Deus que exige um compromisso em prol da justiça”.
Críticos desta abordagem alegam que ela é perigosamente socialista ou comunista, puramente marxista, intelectualmente deficiente, anticapitalista, hipócrita e errónea na forma como interpreta as propostas mais liberais. Mas Francisco, além de ter declarado que não se sente ofendido com o ataque, tem afirmado que não é marxista. Eis a sua resposta à crítica: “A ideologia marxista está equivocada. Mas tenho conhecido muitos marxistas na minha vida que têm revelado ser bons como pessoas, pelo que não me sinto ofendido”. The Economist, uma revista conhecida pela sua orientação editorial liberal, embora tecendo críticas ao Papa, reconheceu:
“Francisco não pretende ser um filósofo académico, um cientista político, ou um economista; ele é mais uma figura intuitiva, e as suas intuições são frequentemente boas. Ele observa o que denomina de idolatria do dinheiro em alguns lugares e crianças famintas noutros. Está visceralmente angustiado com o desperdício de talento humano e energia entre os jovens. Conclui que os economistas poderão não estar a entender um ponto importante. Francisco pode não estar a oferecer as respostas corretas, ou a obter um diagnóstico correto, mas está a colocar as questões cercas. Tal como uma criança que observa a nudez do imperador”. Esta observação do Papa é consistente com o argumento do economista Paul Collier, para quem “o capitalismo está eticamente nu e será destruído se não mudar”.
O Papa recomenda uma “indumentária” que muitos especialistas, académicos, economistas e fazedores de opinião criticam. Estas críticas pressupõem que o pensamento de Franscisco é intelectualmente inconsistente porque ignora, ou distorce, os princípios da ciência económica. Mas creio que apontam ao alvo errado. A abordagem de Francisco é normativa e inspiracional.
Mais do que empenhado em descrever a realidade, o Papa está focado em melhorá-la segundo princípios essenciais de justiça e respeito pela dignidade da pessoa humana. Franscisco sublinha a essência da dignidade humana e sugere que as empresas e a economia devem estar no centro das políticas económicas e da gestão das organizações. A perspetiva normativa e inspiracional de Francisco não é incompatível com o florescimento das empresas. Jeffrey Pfeffer, professor na Universidade de Stanford, insuspeito de inclinações anticapitalistas, declarou que as empresas deveriam aprender com Francisco a importância de prestarem atenção ao bem-estar humano: “A mensagem do Papa relembra-nos de que somos responsáveis não apenas pelo ambiente físico, ainda que ele seja importante, mas também pelos seres humanos com os quais contactamos e cujas vidas nos são confiadas. E isso inclui as pessoas que trabalham nas empresas”.
A contestação a Francisco recorre, por vezes, à teoria económica. Mas, neste ponto, salta-me ao pensamento a diversidade de teorias e a inconsistência entre as mesmas. Contestar o propósito normativo e inspiracional de Francisco com base numa suposta unidade teórica e epistemológica da ciência económica parece-me pretensioso e pouco humilde. Já sabemos os resultados do socialismo (pretensamente) científico, pelo que conviria ser mais prudente acerca da cientificidade de teorias económicas por alguns consideradas irrebatíveis e incontestáveis. Em qualquer caso, podemos deixar à ciência o que é da ciência – e, ao mesmo tempo, desejar e esperar que as empresas contribuam para a construção de um mundo melhor.
Relembremos que entre os objetivos de desenvolvimento sustentável está, em lugar primordial, a erradicação da pobreza. Infelizmente, a ação é escassa e os resultados não são animadores. A proclamação do princípio mais parece um substituto da ação!