Não é novidade que a Administração Trump vai trazer mudanças estruturais para os EUA, afetando toda a economia mundial. A passada quarta-feira foi denominada pelo próprio presidente como o ‘Liberation Day’, por marcar o início de uma declaração de independência económica da nação. Uma nova série de tarifas generalizadas sobre as importações marcam uma escalada histórica nas políticas protecionistas norte-americanas, com potenciais repercussões tanto no mercado interno como nas relações comerciais internacionais.
Invocando poderes de emergência nacional, Trump impôs tarifas de 10% sobre todas as importações e elevou ainda mais as taxas sobre bens provenientes de cerca de 60 países ou blocos comerciais com elevados défices comerciais com os EUA. Entre os mais afetados estão a China, que enfrentará tarifas de 34%, e a União Europeia, sujeita a 20%.
Para muitos analistas, esta aposta visa corrigir práticas comerciais consideradas desleais, mas poderá também provocar aumentos nos preços para o consumidor norte-americano e desacelerar o crescimento económico. A medida representa a maior intensificação de tarifas nos EUA desde a Lei Smoot-Hawley de 1930, que historicamente agravou a Grande Depressão.
George Brown, Economista da Schroders, deixa-nos uma análise sobre o que esperar nos próximos tempos na economia mundial, após o início desta ‘guerra comercial’.
Panorama geral
As tarifas recíprocas altamente antecipadas do Presidente Trump foram mais punitivas do que o esperado. Com base nos nossos cálculos, as ações da administração até à data irão aumentar a taxa efetiva das tarifas dos EUA em mais 17,6 pontos percentuais, para 25,3%.
Antes de ter em conta qualquer retaliação, concluímos que isto poderá fazer subir a inflação dos EUA em cerca de 2% e afetar o crescimento em 0,9%. Vários países indicaram que irão retaliar com contramedidas, pelo que se mantém o risco de tarifas ainda mais elevadas.
Para a Reserva Federal, o impacto estagflacionário (conceito que diz respeito, simultaneamente, a estagnação económica, elevado desemprego, e alta inflação) das tarifas coloca-a entre a espada e a parede. A curto prazo, pensamos que o caminho de menor resistência será a inércia, dada a incerteza acrescida quanto ao impacto económico das tarifas.
Para outros bancos centrais, a combinação de contramedidas e apoio fiscal por parte dos seus governos também irá complicar o seu trabalho. Mas, de um modo geral, esperamos que o Banco de Inglaterra e o BCE assegurem a proteção contra os riscos através de novas reduções das taxas, ao passo que o Banco do Japão não poderá provavelmente continuar a aumentar as taxas de juro este ano.
O que significa este regime tarifário para o Reino Unido?
Embora Downing Street esperasse ser poupado aos direitos aduaneiros de Trump, o Governo ficará, no entanto, aliviado por ter saído relativamente ileso das propostas.
Se a administração americana tivesse incluído o IVA nas suas tarifas recíprocas, a taxa a que o Reino Unido teria de fazer face seria o dobro dos 10% anunciados. Assim, as consequências económicas diretas são relativamente limitadas para o Reino Unido, em especial porque o Primeiro-Ministro parece estar a manter-se firme ao não prometer contramedidas – como fizeram vários dos países mais afetados.
Sendo uma economia pequena e aberta, o Reino Unido não é imune às forças globais e, por isso, será inevitavelmente afetado por um aumento generalizado do protecionismo. Os fabricantes britânicos serão os mais afetados devido às perturbações nas cadeias de abastecimento, sobretudo se houver um excesso de oferta nos setores em que as economias asiáticas mais afetadas dominam, como a tecnologia e o vestuário. Mas o risco crescente de recessão nos EUA também seria motivo de preocupação, dado que cerca de 2,5% do PIB do Reino Unido está incorporado na procura final dos EUA.
Esta situação criará uma dor de cabeça para a Chanceler, uma vez que coloca novamente em risco a sua margem de manobra de 9,9 mil milhões de libras recentemente restaurada, o que poderá implicar novos cortes nas despesas e talvez mesmo aumentos de impostos.
Mesmo assim, uma procura mais fraca deverá criar mais espaço para o Banco de Inglaterra flexibilizar a política. Esperamos que o Comité de Política Monetária faça um seguro adicional – sob a forma de novos cortes nos próximos meses – para se proteger contra os riscos de abrandamento da economia.
Panorama geral das tarifas: como foram calculadas e quem é afetado
Os direitos aduaneiros foram concebidos através de uma abordagem não convencional baseada no défice comercial dos EUA com os seus parceiros comerciais. Trump afirma que esta é a ‘verdadeira’ tarifa cobrada sobre as exportações dos EUA por cada país.
Gráfico 1: Os direitos aduaneiros baseiam-se nos défices comerciais e não nas taxas
Para os países cuja tarifa é calculada como sendo superior a 10%, os EUA imporão uma tarifa recíproca igual a metade dessa tarifa. A título de exemplo, a administração estima que Pequim aplica um direito aduaneiro de 67% às exportações dos EUA, pelo que terá de pagar um direito aduaneiro adicional de 34% para além dos 20% impostos desde a tomada de posse de Trump. Para todos os outros países, exceto o Canadá e o México, a administração imporá uma tarifa de base de 10%.
Gráfico 2: Os países serão confrontados com direitos aduaneiros mais elevados do que os que impõem aos EUA
Impacto potencial dos direitos aduaneiros nos EUA e noutros países
Estima-se que as medidas tomadas até à data pela administração elevem a taxa efetiva dos direitos aduaneiros dos EUA em mais 17,6 pontos percentuais, para 25,3%. Antes de se ter em conta qualquer retaliação, consideramos que esta situação faria subir os preços dos EUA em cerca de 2% e afetaria o crescimento em 0,9%.
Em comparação, uma simples retaliação equivalente teria acrescentado apenas mais 1,3 pontos percentuais à taxa pautal efetiva e teria um impacto económico marginal.
Gráfico 3: Os direitos aduaneiros de Trump constituirão um forte choque estagflacionista para a economia dos EUA
Fora dos EUA, o impacto económico das tarifas recíprocas varia consideravelmente. O Canadá e o México estarão a respirar de alívio, uma vez que mais de 2,5% do seu PIB está incorporado na procura final de produtos manufaturados dos EUA.
No outro extremo da escala, as economias asiáticas foram, de um modo geral, duramente afetadas. Tanto a China como o Vietname deverão registar perdas superiores a 0,5% do PIB. Já a UE e o Japão estão provavelmente algures no meio, uma vez que enfrentam um impacto de cerca de 0,2% do PIB.
Gráfico 4: As economias asiáticas serão as mais afetadas pelos direitos aduaneiros recíprocos
A perspetiva de direitos aduaneiros de retaliação
Os resultados dependem da forma como os países decidirem reagir. Embora a Casa Branca tenha indicado que os direitos aduaneiros recíprocos poderiam ser negociados, vários países indicaram que iriam retaliar com contramedidas. Assim, o risco parece inclinar-se para a imposição de direitos mais elevados.
A título de exemplo ilustrativo, se a administração impusesse a totalidade dos direitos recíprocos, a taxa efetiva dos direitos aduaneiros dos EUA aumentaria para 35,6%.
Gráfico 5: Os direitos aduaneiros recíprocos seriam mais 10% mais elevados se fossem plenamente aplicados
Consequências para as taxas de juro
O impacto estagflacionista das tarifas (crescimento em baixa, preços em alta) coloca a Reserva Federal entre a espada e a parede. A curto prazo, pensamos que o caminho de menor resistência será a inércia, dada a elevada incerteza sobre qual será o impacto económico das tarifas.
Mais a jusante, o risco crescente de uma recessão significa que o comité poderá efetuar mais do que os quatro cortes atualmente previstos no “gráfico de pontos” até ao final de 2026.
Para outros bancos centrais, a combinação de contramedidas e de apoio orçamental por parte dos seus governos também irá complicar o seu trabalho. Mas, de um modo geral, esperamos que o Banco de Inglaterra e o BCE façam um seguro contra os riscos de queda, reduzindo ainda mais as taxas, ao passo que o Banco do Japão não poderá provavelmente aumentar mais as taxas de juro este ano.