Na ciberguerra a propriedade mais contestada é a informação. E quem a controlar tem o poder e a influência sobre processos de decisão. “A informação é hoje o recurso geopolítico mais contestado do mundo” e faz desferir ataques a cada segundo, numa guerra sem armamento pesado, nem mortos ou feridos. Felipe Pathé Duarte, investigador e Professor na Nova School of Law, abordou o tema das novas formas de guerra, sem território, e lançou o altera para as questões de cibersegurança e literacia digital na talk “A Geopolítica do ciberespaço – Big Data, Small Wars!”, durante o encontro Leading Tech, do projeto Leadership Summit Portugal, na sede da PHC Software.
“O ciberataque é a forma mais proeminente de envolvimento internacional”, refere o consultor nas áreas de geopolítica e análise de risco, onde todo o momento é oportuno para se fazer uma guerra silenciosa, num campo de batalha sem fronteiras físicas, nem dimensão militar ou capacidade de retaliação. E se a geopolítica implica a relação entre soberania e geografia, quando abordamos o mundo digital, desterritorializado, os desafios para os países e organizações é muito mais vasto e complexo.
Devemos hoje ver “o ciberespaço como uma nova forma de território que por sua vez põe em causa e desafia os limites da soberania”, caracterizado por uma descentralização que favorece pequenos atores. No site Cyber Threat Map é mostrada em tempo real a transformação “perigosa” dos paradigmas clássicos da geopolítica, sem distinção entre “guerra e de paz”, numa “hibridização” entre legal e ilegal, público e privado, virtual e físico. Contudo, apesar da dimensão “etérea” e intangível, tal não significa que não exista “rivalidade de poder e jogo de influência”. Com a desterritorialização, este “apagar de fronteira da privacidade”, a confluência de Estado e Sociedade cria maior tensão, alterando o sistema internacional.
A força da ameaça digital vem assim da sua capacidade de potenciar o próprio ataque, com uma relação custo/ benefício muito elevada, sem rosto, nem a possibilidade de dissuasão, o que vulnerabiliza pessoas, dados e a segurança das organizações.
Hoje assiste-se a uma “democratização das ameaças” à segurança, quando qualquer um pode entrar no sistema de uma organização e ter acesso aos dados. Felipe Pathé Duarte afirma que “temos de ver os dados como o petróleo do século 21 e o seu controlo como o exercício pleno de soberania”, agravado pela evidência de que a “segurança está progressivamente a escapar do controlo do Estado”.
Tal como afirma Ulrich Beck, autor da Teoria da Sociedade de Risco, à medida que a tecnologia melhorou a nossa qualidade de vida, tornou-nos mais vulneráveis. Tanto pela falta de controlo, como pela perceção que temos da realidade que é alterada a cada minuto a partir do “scrolling” que fazemos no telemóvel. Para além disso, a população com menos literacia, e dos países menos democráticos, é aquela que está mais online. E esses países do sul global, que a geopolítica refere como o conjunto de países em desenvolvimento, caraterizam-se por Estados “fracos, corruptos e tendencialmente autoritários”. Ao juntarmos a esta tendência a noção de que o ciberespaço é uma plataforma de propagação de informação, isso mostra um terreno vasto para manipulação de informação, contra informação, corrupção e a influência do Estado na vida privada aconteça.
Se a nossa relação com o mundo “está cada vez mais dependente da tecnologia e a possibilidade de transformação dessa realidade é significativa”, esta é, para Felipe Pathé Duarte, a vertente mais “perigosa e séria do que são as batalhas do ciber espaço”.
O escândalo do Cambridge Analytica, que envolveu a recolha ilícita de dados pessoais de cerca de 87 milhões de usuários para influenciar a opinião de eleitores em vários países, foi um “abre olhos” quanto à fragilidade dos limites da privacidade para além da capacidade de padronizar o nosso comportamento e canaliza-lo para a escolha, com consequências políticas significativas. Esta plataforma de informação é mais perigosa do que o ciber ataque, pois não há forma de contrabalançar, entrando no campo das fake news e dos deep fakes.
E sobre o futuro, existem três grandes tendências a considerar:
Explosão da big data: o mundo das redes sociais , conectividade móvel, cloud e troca de informação permanente, que não pode ser totalmente controlado pelos Estados, por colocar em causa direitos básicos e fundamentais.
Big State: associada à big data há uma redefinição dos domínios do próprio Estado e da soberania. A junção entre “internet economy” e “state security” é uma “ligação que pode ser perversa e que pode trazer a longo prazo problemas na nossa liberdade”.
Small Wars: toda esta temática é complexa e reúne as condições para uma small war, no sentido em que não identifica uma guerra entre Estados. Os casos de vírus criados para bloquear a atuação dos países, são formas de atuação dos Estados mas não são identificadas como tal, o que permite que as small wars existam em permanência, alterando o plano geopolítico.
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