Liderar não diz apenas respeito a quem lidera, ultrapassando estilos individuais ou formas de estar. Todo a experiência da liderança se revela, na verdade, um acontecimento coletivo, muitas vezes contraditório e sempre desafiante.
É nessa senda que Miguel Pina e Cunha, Diretor da Revista Líder e Vice-Diretor para a Inovação e Impacto na NOVA SBE, subiu ao palco da Leadership Summit Cabo Verde, para levar a audiência numa «viagem pela liderança».
A sua talk, ‘Liderança: O Processo e os seus Paradoxos’, trouxe uma visão menos romantizada da liderança, centrada nas tensões, ambivalências e complexidades do ato de liderar.
A liderança não é um estado, é um processo carregado de paradoxos
Miguel Pina e Cunha começou por marcar a distinção entre «liderança nas organizações e liderança das organizações», sendo esta última a que engloba liderança estratégica. «A liderança estratégica é aquela que é realizada no topo e tem impacto no resto do sistema, o que significa que define o contexto em que os restantes líderes vão trabalhar», explica.
A liderança é uma jornada com múltiplas fases, desafios e paradoxos, pelo que o académico desenhou um «triângulo das competências» – que mais tarde evolui para um quadrado – para explicar as quatro macro-competências fundamentais da liderança. Para dominar estas macro-competências, é necessário apostar em formação e aprendizagem contínua.
O início da jornada: a competência técnica
Na base da liderança está o domínio técnico. A capacidade de fazer bem o trabalho para o qual se foi contratado é, segundo Miguel Pina e Cunha, o ponto de partida. Médicos, professores, atletas, todos precisam de saber executar bem a sua função.
Mas esta competência, apesar de essencial, não é suficiente. «A competência técnica não define a qualidade de alguém enquanto líder, mas, no princípio, esta é a mais importante», sublinha. No contexto atual, o domínio técnico deve continuar a evoluir: a literacia digital e a inteligência artificial são exemplos de novas competências que se tornam obrigatórias.
Seguem-se as conhecidas soft skills, essenciais a qualquer líder, que englobam a capacidade de dar e receber feedback e comunicar de forma eficaz. «Esta passagem da competência técnica à competência social confronta-nos com o primeiro paradoxo que é o facto de, por vezes, as organizações assumirem que, pelo facto de uma pessoa ser tecnicamente competente, ela será competente a gerir outras pessoas», explica.
E reforça com um exemplo direto: «Posso ser um extraordinário médico, mas isso não faz de mim um grande candidato a ser diretor hospitalar». Segundo o investigador, esta armadilha traduz-se frequentemente em promoções que resultam na perda de um excelente técnico e na aquisição de um mau gestor. É, como refere, uma «expectativa demasiado otimista».
Liderança estratégica: o topo muda as regras
A terceira etapa na evolução da liderança é a mais desafiante: a liderança da organização como um todo. Aqui, surgem novas exigências, uma vez que não basta gerir equipas ou processos; é preciso formular visão e estratégia. «Neste momento eu preciso, além de gerir a minha equipa, de gerir aquilo que entendo que é a visão de organização, a sua forma de estar no mercado, o modo como a estratégia vai evoluir», esclarece.
Neste patamar, Miguel Pina e Cunha identifica um novo paradoxo: o equilíbrio entre zoom in e zoom out. Um líder de topo tem de conseguir ver a floresta e as árvores – pensar estrategicamente sem perder contacto com a realidade da organização. «Eu tenho de compreender a organização como um todo, no seu contexto, mas não posso descurar aquilo que se passa dentro da organização, os pormenores», refere.
Liderar a si próprio
A última dimensão da liderança é, paradoxalmente, a mais difícil: a liderança pessoal. Requer autoconhecimento, humildade e a capacidade de evitar as armadilhas do ego e do isolamento. «Muitas vezes, rodeamo-nos de pessoas que não nos dizem aquilo que devíamos ouvir, mas aquilo que acham que nós queremos ouvir», diz. Aconselha todos os líderes a enturmarem-se nas organizações, manter uma visão realista da empresa e ter consciência dos vieses que o poder pode trazer.
Para ilustrar este ponto, o professor partilha a experiência do psicólogo Dacher Keltner, da Universidade da Califórnia. Numa simulação com três pessoas e cinco bolachas, o avaliador – investido de uma pequena quota de poder – acabava quase sempre por ser um dos que ficava com a bolacha extra. «Quem é este monstro das bolachas? É o avaliador. E quem é o avaliador? É qualquer um de nós, numa situação de poder», remata.
Para esta jornada, é essencial manter aberto o canal de aprendizagem, na garantia de que as armadilhas sucedem-se e nunca param de surgir. «Falar de liderança é o trabalho mais fácil. O mais difícil é fazê-la – e isso deixo aos profissionais», conclui.
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