Entrados na silly season (há quem a denomine “época do pepino”), ocorreu-me mudar de assunto. Há dias, enquanto o (novo) barbeiro me cortava o cabelo, pedi-lhe para me aparar as sobrancelhas, como sempre faço naquela barbearia. Perguntou-me se eu queria usar a técnica da linha, que eu desconhecia. Acedi – e, em menos de dois minutos, o serviço estava prestado. Na hora das contas, foi-me cobrado o dobro do que era habitual. O barbeiro ganhou, mas perdeu. Não voltarei. Quem tudo quer tudo perde! Aforismos como este (“Devagar se vai ao longe”; “Quem troca caminhos por atalhos, mete-se em trabalhos”; “Deus escreve direito por linhas tortas”) são emblemáticos de como a melhor e mais rápida forma de atingir um objetivo pode ser a forma oblíqua, não a direta ou linear. O jornalista Joel Stein deu conta, na revista Time, da sua experiência oblíqua a propósito da cantora islandesa Björk: tão focado em entrevistá-la, Stein viajou até à Islândia – embora ela vivesse apenas a três quarteirões de distância da sua casa em Manhattan!
O “efeito obliquidade” foi explorado pelo economista John Kay, num livro intitulado precisamente Obliquity e cujo resumo pode ser encontrado no seu website. Kay explicou a fonte de inspiração do título do seu livro num artigo publicado no Financial Times sobre como fazer dinheiro sem tentar fazê-lo! O efeito obliquidade aplica-se a múltiplas facetas da vida. Por exemplo, pessoas obcecadas com a sua própria felicidade podem ser menos felizes do que pessoas que realmente se preocupam com o bem-estar dos outros. As segundas cultivam mais capital social, fazem amizades mais genuínas e desenvolvem relacionamentos de maior qualidade. São estes relacionamentos que as tornam mais felizes. Diferentemente, as pessoas que se preocupam fundamentalmente com a sua própria felicidade podem instrumentalizar, mesmo que inconscientemente, as outras. Esta atitude pode afetar os relacionamentos sociais e, consequentemente, a felicidade. É por essa razão que a idealização da felicidade e o abandono de alguém porque “não me faz feliz” podem ser um tiro no pé. Em suma: as pessoas mais felizes não são as mais focadas na prossecução da sua própria felicidade.
Algo similar ocorre com as empresas que “vivem para o lucro”. Naturalmente, apenas as organizações lucrativas podem sobreviver. Mas daí não decorre que as que sobrevivem sejam as mais orientadas para fazer lucros. Bill George, ex-CEO da Medtronic e agora professor na Harvard Business School, escreveu: “o segredo mais bem guardado dos negócios é que as organizações orientadas por uma missão criam mais valor para os acionistas do que as empresas orientadas para o ganho financeiro”. A Boeing, após reconverter-se em empresa mais focada nos lucros do que na segurança dos passageiros, acabou por ficar arredada dos almejados lucros. Poderia mesmo ter entrado em bancarrota depois da irresponsável forma como fabricou o Boeing 737 Max e que conduziu a acidentes fatais para centenas de pessoas. A Wells Fargo, outrora muito bem-sucedida instituição financeira norte-americana, padeceu do mesmo pecado: tão focada em objetivos máximos, foi maximamente multada e viu a sua reputação ensombrada. Moral da história: a forma mais eficaz de obter o máximo dos empregados (e outros stakeholders) não é espremê-los até ao tutano.
O efeito obliquidade pode ocorrer noutros contextos onde menos se espera. Uma boa forma de encorajar as clínicas de fertilidade mais eficazes (i.e., com maior percentagem de gravidezes bem-sucedidas) consiste em publicar um ranking que classifique todas as clínicas. A razão é óbvia: as pessoas podem escolher as melhores clínicas, e estas obtêm mais recursos que lhes permitem reinvestir em procedimentos bem-sucedidos. Todavia, a realidade é mais complexa do que este pensamento linear faz supor. Para se manterem no topo ou subirem no ranking, algumas clínicas começam a rejeitar casos difíceis e problemáticos. Os desafios que enfrentam passam a ser menores. Erram menos, mas também aprendem menos. Em contraste, as clínicas menos bem posicionadas no ranking recebem casos que outras clínicas rejeitam, pelo que aprendem mais e, a prazo, podem tornar-se mais bem-sucedidas.
Quando tomados decisões, individuais ou coletivas, convém evitar caminhos óbvios, simples – e errados. A realidade é complexa. Também é ambígua, mutável e imprevisível. Acresce que a maior parte dos objetivos que indivíduos e coletivos prosseguem requer a participação de outras pessoas e entidades. Somos seres socais por natureza, não seres atomísticos. E só voltamos ao barbeiro quando sentimos que ele está realmente empenhado no nosso bem-estar!