No âmbito do projeto Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) para avaliar as condições de saúde e estilos de vida dos profissionais e de que forma as organizações são ecossistemas promotores da saúde e bem-estar, o Programa Nacional de Saúde Mental/DGS é o primeiro caso divulgado na nova rubrica da Líder: Healthy Workplaces.
Todas as semanas, uma organização, das mais de 40 que integram o projeto, partilha reflexões e práticas de ambientes de trabalho saudáveis em diferentes setores e atividades.
Revela-se fundamental um foco na promoção de locais de trabalho saudáveis como resposta ao impacto da pandemia na saúde mental dos profissionais. Esta semana contamos com a partilha e experiência do Professor Miguel Xavier, Diretor do Programa Nacional de Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde acerca das prioridades do PNSM neste âmbito.
«Existe atualmente um conhecimento sólido sobre a prevalência e impacto das perturbações psiquiátricas a nível individual, familiar e socioeconómico, com repercussões importantes na qualidade de vida das populações (sofrimento emocional, exclusão, isolamento, disrupção familiar, incapacidades, desemprego).
De acordo com o relatório “Global Burden of Disease” (1), as perturbações mentais são responsáveis por mais de 12% da carga global das doenças a nível mundial, número que cresce para 23% nos países desenvolvidos. Das 10 principais causas de incapacidade, cinco delas são perturbações psiquiátricas, sendo a depressão responsável por 13% da incapacidade, alcoolismo por 7,1%, esquizofrenia por 4%, doença bipolar por 3,3% e perturbações obsessivo-compulsivas por 2,8%. Na União Europeia, as estimativas apontam para que a carga das perturbações mentais possa mesmo atingir os 26,6% da carga global (2).
Em Portugal, de acordo com dados da DGS, em 2010 as perturbações mentais representavam 11,75% da carga global da doença, medida em DALYs, apenas precedidas pelas doenças cérebro/cardiovasculares, com um peso global de 13,74% (3).
Este conhecimento, conjugado com a investigação cada vez mais aprofundada acerca dos determinantes de saúde (ex: pobreza, iliteracia, desigualdade social, crises económicas e sociais, desastres naturais, etc.), mostra como é crucial que a saúde mental esteja integrada em todas as políticas e estratégias de saúde pública, dada a sua contribuição para o bem-estar das populações. Neste contexto, movendo-se para além dos aspetos relacionados com a prestação direta de cuidados, a saúde mental pública tem vindo a dar uma relevância crescente às áreas da promoção e da prevenção, num modelo que incorpora os conceitos de saúde mental positiva, bem-estar e recuperação.
A análise da literatura permite identificar sem dificuldade os tópicos mais frequentemente abordados nos documentos e recomendações desta área, que correspondem aos contextos onde existe um maior impacto potencial: programas de promoção da saúde mental ao longo do ciclo de vida, em casa, nas escolas e no trabalho, prevenção do suicídio e luta contra o estigma e discriminação.
Do ponto de vista dos princípios, a Declaração do Luxemburgo reconheceu de forma clara o papel do trabalho e do contexto laboral (eg, local de trabalho) na proteção e promoção da saúde, ao enfatizar que “…a promoção da saúde em local de trabalho é o resultado dos esforços combinados de empregadores, empregados e da sociedade na melhoria da saúde e do bem-estar das pessoas no trabalho, que podem ser alcançados através de uma conjunção de fatores, tais como a melhoria da organização e do ambiente de trabalho, a promoção da participação ativa e o estímulo ao desenvolvimento pessoal dos indivíduos.”
O relatório Mental Health at the Work Place, da Joint Action for Mental and Well-Being (coordenada pela NOVA Medical School, com colaboração do Programa Nacional de Saúde Mental/DGS) fez uma atualização detalhada das iniciativas levadas a cabo em vários países da União Europeia sobre esta matéria, reforçando mais uma vez a sua importância e a necessidade de implementação em larga escala de intervenções de promoção e prevenção na área do trabalho.
Na sequência dos resultados da Joint Action for Mental and Well-Being, a EU Health Policy Platform lançou um apelo aos países europeus para se focarem na questão da saúde mental no local de trabalho, através da conceção de melhores políticas e legislação de saúde e segurança laboral, centradas nos fatores de risco psicológico no local de trabalho, e não apenas nos problemas de risco físico.
Dentro do âmbito lato da saúde mental em contexto de trabalho, assume particular relevo o impacto que a vivência do trabalho tem na vida pessoal e familiar dos indivíduos trabalhadores, existindo já uma evidência consolidada sobre a importância desta dimensão no bem-estar pessoal.
Por outro lado, a questão das lideranças e da organização (hierarquias, dinâmica de processos) é uma das dimensões com um impacto mais determinante no ambiente laboral e consequentemente com o bem-estar dos trabalhadores em geral.
Dada a escassez de iniciativas deste âmbito em Portugal, o Programa Nacional lançou um concurso para projectos contemplando o desenho de um modelo de intervenção, com enfoque específico nas dimensões da promoção e prevenção em saúde mental, dirigidos em concreto a dois aspetos:
- Sensibilização para relação entre saúde mental e trabalho, procurando desenvolver as condições que incrementem a qualidade de vida no local de trabalho, designadamente ao manejo do burnout e à conciliação entre atividade laboral e vida familiar (destinado a pessoas com relação de emprego).
- Sensibilização dos dirigentes sobre o impacto dos aspetos organizativos do trabalho (hierarquia, modelo de organização, estilo de liderança) na saúde mental dos empregados, visando uma reconfiguração desses aspetos.
Na mesma filosofia de apoio a programas de promoção e prevenção ligados à temática do trabalho, o Programa Nacional de Saúde Mental/DGS patrocina uma iniciativa extremamente interessante a decorrer em Beja, designada por PROGERPSI (Programa de gestão integrada de riscos psicossociais nos profissionais). Este projeto, já reconhecido internacionalmente como um exemplo de boas práticas, é focado na qualidade de vida dos trabalhadores, nas suas condições de trabalho e no modo como isso pode melhorar a qualidade dos cuidados, focando a melhoria da resiliência dos trabalhadores e a melhoria das suas condições de trabalho.
É este tipo de iniciativas a que o Programa Nacional de Saúde Mental/DGS continuará a promover, esperando que os resultados dos projetos em curso possam ser disseminados às várias regiões do território nacional, uma vez que os problemas a que eles procuram dar resposta não estão de modo algum restringidos aos grandes centros urbanos.
É uma tarefa crucial para os próximos tempos, reforçada pela situação de crise em que nos encontramos a viver, e cujo impacto em termos de saúde mental (no trabalho) não é demais reforçar.»
Por Miguel Xavier, Diretor do Programa Nacional de Saúde Mental/DGS
Referências
- Murray, C., Lopez, A., World Health Organization, World Bank & Harvard School of Public Health (1996). The Global burden of disease: a comprehensive assessment of mortality and disability from diseases, injuries, and risk factors in 1990 and projected to 2020: summary / edited by Christopher J. L. Murray, Alan D. Lopez. World Health Organization.
- Wittchen, H. U., Jacobi, F., Rehm, J., Gustavsson, A., Svensson, M., Jönsson, B., Olesen, J., Allgulander, C., Alonso, J., Faravelli, C., Fratiglioni, L., Jennum, P., Lieb, R., Maercker, A., van Os, J., Preisig, M., Salvador-Carulla, L., Simon, R., & Steinhausen, H. C. (2011). The size and burden of mental disorders and other disorders of the brain in Europe 2010. European neuropsychopharmacology: the journal of the European College of Neuropsychopharmacology, 21(9), 655–679.
- Carvalho, A., Mateus, P., Xavier, M. (2014). Saúde Mental em Números. Portugal. Direção-Geral da Saúde. ISSN: 2183-0665