A garra do povo ucraniano não é novidade, e mais do que nunca tornou-se um ponto de honra, entre uma guerra que há quase dois anos assola a Europa. Maryna Saprykina é hoje um «um farol de esperança e um testemunho do espírito indomável das empresas ucranianas».
A consultora marcou presença no Oslo Business Forum, no final de setembro, com a talk «Ukrainian Grit: Empowering Global Business with Extreme Resilience». A resiliência serve-lhe não só para sobreviver, mas também para prosperar, como tem feito nos últimos 15 anos a promover negócios socialmente responsáveis num cenário repleto de incertezas.
Em conversa com a Líder, Maryna Saprykina partilha a sua história de sobrevivência e determinação e explica o que está a ser feito pelos negócios, empresas, e sobretudo pelas mulheres ucranianas, autênticos soldados de força, coragem e paz.
Como define a resiliência e a capacidade humana para manter a esperança no seu País?
A resiliência é uma resposta rápida a um choque externo e é sobre encontrar a força para sobreviver, crescer e prosperar. Penso que é o que os negócios e as empresas ucranianas estão agora a fazer, de uma forma incrível, mas também é uma característica do povo ucraniano.
Na sua talk fala de formação, como uma metáfora de resiliência. Acha que Zelensky tem essas características da resiliência, como rapidez, objetivos, valores, entre outras?
Após a invasão da Rússia eu não fui resiliente. Chorei praticamente todos os dias, durante duas semanas, porque foi mesmo uma grande incerteza e não acreditava que no mundo de hoje tais coisas pudessem acontecer. Zelensky quando falava à nação todos os dias, ajudou-me a encontrar força, o que para mim foi muito importante. Naquela altura, eu já tinha saído da Ucrânia, e comecei a perceber como os media abordavam o assunto e falavam da queda de Kiev. O que me fez chorar ainda mais. As suas palavras, os discursos, foram muito importantes, para mim e para os meus amigos.
Sobre o trabalho que estou a fazer com líderes de negócios, a resiliência é também sobre eles. Poderiam ter ido para qualquer outro lugar, mas decidiram ficar na Ucrânia. Para Zelenszky não havia essa opção, ele teria de ficar. Mas os empresários ucranianos poderiam ter saído, mas ficaram a ajudar o país, as pessoas, os seus colaboradores e as suas famílias, e isso para mim é uma ato de resiliência fantástico.
Os números são impressionantes, pois os negócios crescem e isso é incrível num contexto de guerra, com cada vez mais empresas a surgir.
Precisamente, para mim é também a resiliência de as empresas que agora estão a crescer, e isso deve ser visto como um case study. Há muitas lições que tentei relacionar com o mundo em que vivemos, tão incerto. Mas, também para os empresários ucranianos, era difícil fazer com que os outros países percebessem onde estamos e como vivemos.
Também fala do papel das mulheres na Ucrânia e o grande movimento que está a acontecer no país.
Sim, essa é a nossa realidade. Muitos homens estão na linha da frente, daí muitas mulheres têm de garantir o sustento da família. Cerca de 15% do exército ucraniano é composto por mulheres, de resto, a maioria das mulheres está refugiada, com a família ou a tomar conta dos filhos, e precisa de viver de alguma coisa. Quando comecei a pensar no programa Women Entrepreneurship, foi dirigido para as mulheres que estão fora do país, porque é difícil sair e viver sozinha, sem uma rede de contactos. Recebe-se um subsídio, mas é para coisas muito básicas. Pensei em como ajudá-las a ter mais rendimentos e estou contente e orgulhosa com o que temos feito.
Fez este programa a partir da Ucrânia?
Sim, eu voltei ao meu país, e foi muito importante fazer o programa a partir de lá. Depois veio o Inverno, que foi o pior da minha vida, com a escuridão total, e nessa altura percebi que não seria capaz de desenvolver o programa a partir de fora.
Que necessidades têm as mulheres ucranianas?
Sobretudo conhecimento, desenvolvimento de capacidades e apoio psicológico. O apoio psicológico é uma das áreas com maior adesão, pois um dos medos é precisamente começar o negócio. Estamos a tentar criar uma comunidade, o que significa que no final de ter completado o programa, a pessoa fica connosco e criamos outros projetos. Outra coisa que as mulheres ucranianas precisam é fundos e financiamento. Elas perderam a maioria da sua rede de clientes, especialmente nos primeiros meses após a invasão. Há vários fundos de financiamento disponíveis e assinámos um memorando com o Ministro da Economia ucraniana, para desenvolver o empreendedorismo em que o Governo garante o dinheiro. E assim, o apoio financeiro e o conhecimento andam lado a lado, como acho deve ser. De outra forma, não será eficaz.
Quantas mulheres estão envolvidas no programa?
Já demos formação a mais de 500 mulheres, e temos mais de 300 na nossa comunidade. No nosso programa off-line, que está agora a começar, temos cerca de 200.
E em Portugal?
Temos mentores que são de Portugal. O nosso programa está em ucraniano, mas termos parcerias com Escolas de Gestão, e daí usamos o inglês.
Fala das questões psicológicas que estão a surgir. Não é só sobreviver fisicamente como psicologicamente. Que desafios identifica?
É muito difícil viver na incerteza e, por exemplo, ter de planear para daqui a um ano. Quando há dois dias, a Marina e o Hotel de Odessa ficaram em ruínas, como é que se consegue planear nesta situação? São questão que adensam o stress, para além dos ataques russos que agora acontecem durante a noite. Não conseguimos dormir, quando temos de ir trabalhar no dia seguinte às 9 da manhã. As pessoas vivem com uma carga muito elevada de stress, e, para mais, não dormem. Quase todos têm família a viver em territórios ocupados, ou no exército. Para além disso, sofremos de síndrome de stress pós-traumático o que é critico, pois deve ser tratado, mas a guerra ainda não acabou, nem hoje se sabe o número exato de pessoas que sofrem.
Sobre o futuro e as relações entre ucranianos e russos, neste momento os cidadãos ucranianos são resilientes, mas acha que isso poderá tornar-se, mais tarde, numa necessidade de vingança?
A única coisa que precisamos é que a Rússia saia dos nossos territórios. O que eles fazem no seu território é com eles, por isso, só queremos reaver o que é nosso. Isto é crucial, porque se não o fizermos a Rússia vai voltar. A história já o mostrou no passado. É muito importante para o futuro da Ucrânia, e das próximas gerações. Não acho que haja vingança, mas talvez repatriamento. A Rússia deve pagar por todos os danos que causou ao país e infraestruturas. É o minino que devem fazer. Infelizmente, a Rússia não pode devolver as vidas perdidas. Esta vai ser a nossa tragédia por muitos anos. Mas, não quero saber da Rússia, é verdade que são nossos vizinhos e é bom ter boa vizinhança. Acho que a Rússia é um Estado falhado.