A Flecha que se arremessa nesta conversa quer ajudar as organizações a posicionarem-se de forma mais inclusiva. Foi projetada com todo o cuidado por Laura Falésia e André Tecedeiro, quando se aperceberam que algumas empresas não estavam a saber acompanhar os temas da Diversidade, Equidade e Inclusão.
O André é consultor e formador em linguagem inclusiva e diversidade de género e orador em dezenas de conferências, partilhando a sua experiência como homem trans pela visibilidade e direitos das pessoas LGBTQIAP+. A Laura é doutoranda em Gestão dos Recursos Humanos e investiga o sentido de pertença das pessoas LGBTQIAP+ nas organizações.
Juntos criaram o projeto de consultoria Flecha. O modo como trabalham questões sobre identidade, diversidade e linguagem fazem deles ativistas. Querem mudar mentalidades, acordar consciências e sobretudo fazer com que as organizações sejam empáticas. No fundo, querem garantir que todas as vozes são ouvidas e instituir um maior sentido de pertença por parte dos colaboradores, dos clientes e toda a rede de contactos.
A Flecha ajuda organizações a lidar com desafios relacionados com igualdade de género e questões LGBTQIA+. Como é que os líderes conseguem evitar a perpetuação de estereótipos?
Percebemos que as empresas portuguesas estão atrasadas no que respeita à diversidade, equidade e inclusão. Isto prejudica a relação com as suas pessoas, mas também com clientes.
É impossível evitar completamente estereótipos, porque eles são um atalho cognitivo para interpretar o Mundo. Só com consciência disto podemos sair do pensamento automático. Às vezes é necessário que alguém nos chame a atenção para conseguirmos sair do nosso padrão mental. Depois, começaremos a ver cada indivíduo como único e podemos empatizar com a sua experiência pessoal. Por isso é que a educação e formação contínuas são tão importantes.
Começaram por lançar um curso sobre Linguagem Inclusiva e Identidades. A salvação pode estar na reinvenção da linguagem?
A salvação é mais pela empatia, pelo desenvolvimento da capacidade de escuta e reconhecimento de outras experiências. A linguagem que usamos deve respeitar a pessoa com quem comunicamos, mas muitas vezes não temos consciência de que alguns termos que usamos no dia-a-dia perpetuam estereótipos ou agridem.
Normalizámos algumas expressões, e já não conseguimos ver que têm outros significados.
Nas nossas formações, apresentamos estudos que mostram que a forma como nos expressamos pode influenciar a sensação de pertença a um determinado lugar, que pode ser a organização, mas também a família ou o círculo de amizades.
O que é que nos está a escapar a todos?
Que vivemos em bolhas de pessoas parecidas connosco e que isso nos enviesa a nossa compreensão do Mundo. Que a “norma” é ser homem, branco, heterossexual, não ter deficiência e identificar-se com o género que foi atribuído à nascença. Que as pessoas que não se enquadram naquilo que consideramos a “norma” são muito mais do que julgamos. Que pessoas diferentes de nós também são trabalhadoras, clientes e fornecedoras.
E quais os erros crassos das organizações em Portugal?
Não perceber que a diversidade (de pensamento, de cultura, de experiência) é um ativo estratégico e achar que a organização já é inclusiva e não tem nada a aprender.
Muitas vezes, nos questionários pré-formação, notamos discrepâncias na perceção das políticas de inclusão da organização.
A experiência diz-nos que, nestes casos, quem sente o ambiente de trabalho como menos inclusivo são as pessoas que estão mais alerta ou que sofrem a discriminação na pele. Para as outras, tudo corre às mil maravilhas e a empresa é muito inclusiva. Por isso, a primeira sessão de formação, é um “banho de consciência”.
A diversidade de pessoas provavelmente já existe na organização. Mas reconhecê-la e desenvolver políticas internas para promover a inclusão é o próximo passo nas organizações em Portugal.
Como deveriam ser os líderes do futuro?
Neste Mundo em rápida mudança, é fundamental a adaptabilidade, a inovação, o mindset de aprendizagem contínua, a inteligência emocional, a empatia, o foco na sustentabilidade (tanto ambiental como social), a comunicação clara e a tomada de decisões com base em dados.
Líderes do futuro devem ser capazes de criar e liderar equipas diversas e garantir que todas as vozes são ouvidas e valorizadas.
O que falta aos líderes?
Capacidade de autocrítica. Consciência da necessidade de continuar a aprender. Perceber que os exemplos (bons e maus) vêm de cima. Perceber que estamos num mundo VUCA e que a adaptação tem que ser rápida.
Compreender que as preocupações relacionadas com diversidade e inclusão são mais que uma “tendência” social ou um cumprimento de obrigações legais. São uma vantagem competitiva, que pode impulsionar a inovação, melhorar a tomada de decisões e permitir a entrada em novos mercados. Empresas que têm boas políticas de diversidade e inclusão são mais propensas a atrair talentos, entender melhor os seus clientes e apresentar melhores resultados financeiros. Alguns e algumas líderes não fizeram ainda esta ligação.
Em que medida é importante termos líderes diversos?
Quando a liderança reflete a diversidade da força de trabalho ou do mercado em que atua, os stakeholders sentem-se mais representados e incluídos. Isto pode promover um maior sentido de pertença e lealdade.
Além disso, promover diversidade na liderança é um passo importante para corrigir desigualdades históricas e promover a equidade. Uma liderança ética deve ser socialmente justa e empoderar grupos sub-representados.
Para onde nos está a chamar a Humanidade?
Para uma tomada de consciência. O aceleramento está a tornar-nos compulsivos. É urgente parar e pensar.
Devemos abrandar?
Sim, por favor. A tecnologia é muito positiva se for uma ferramenta ao serviço do ser humano, mas neste momento obriga-nos a trabalhar ainda mais para a acompanharmos. A obrigação de responder a um email seja qual for a hora, o telefone que toca na praia com um assunto de trabalho… Há quem julgue trabalhar 8h/dia, mas na verdade trabalha 24h.
É possível trabalhar menos tempo, mas o mais difícil é fazer desaparecer o sentimento de culpa por não estar a trabalhar. A compulsão para a produtividade é doentia e manifesta-se, de facto, em doenças físicas e mentais. Quando as lideranças autorizam e estimulam um estilo de vida mais equilibrado – por exemplo, semanas de 4 dias, horários reduzidos, teletrabalho, apoio psicológico ou outros benefícios para pessoas trabalhadoras e famílias – o abrandamento é possível e é benéfico para todas as partes interessadas.
Qual o valor do silêncio?
O valor do silêncio aumenta quando aumenta o ruído. Há uma correlação muito clara entre a poluição sonora e as doenças cardiovasculares e outras.
Pessoas com estilos de vida mais privilegiados poderão estar menos conscientes destes problemas. Se a pessoa vive numa casa com vidros duplos, se se desloca de carro e o escritório tem sempre a temperatura ideal, é fácil esquecer-se das pessoas que acordam às 4 da manhã para se deslocarem em transportes cheios. Ou da ciclista que, escolhendo um meio de transporte sustentável, está sujeita a ouvir buzinadelas e a inalar fumos de tubos de escape. As desigualdades socioeconómicas também se refletem nestes temas. Apesar das alterações climáticas afetarem todas as pessoas, as pessoas com menos recursos são as primeiras a sofrer as suas consequências.
O que está a natureza a querer ensinar-nos, quando os desastres naturais são cada vez mais frequentes?
A natureza não nos quer ensinar nada, mas nós devemos querer aprender com ela. A primeira coisa a aprender é que somos animais e que fazemos parte desta rede. Não existimos fora deste ecossistema.
Deixem uma mensagem à Humanidade.
É fácil esquecer que a Humanidade não é um conceito homogéneo. Aquilo que diríamos ao sul global não é o mesmo que diríamos ao norte global. O sul global luta por justiça, igualdade e desenvolvimento e essas lutas são essenciais para o equilíbrio humano.
Preferimos dizer à pessoa que agora nos está a ler que as suas convicções éticas e ações podem causar impacto num grupo maior. Quando o compromisso individual é para com a sustentabilidade e justiça social, é possível contagiar a comunidade.
Esta entrevista faz parte da rubrica “Líderes em Destaque”, publicada na edição de outono da revista Líder com o tema Humanity is Calling – Be Silent, Decide with Truth.
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Imagem destaque: Mariana Lopes