Com o 5G no horizonte e depois de 1,6 mil milhões de euros investidos em Portugal nos últimos sete anos, a Vodafone enfrenta hoje o grande desafio da COVID-19. No mundo imprevisível que vivemos, certezas apenas uma, a do quão cruciais as Comunicações se mostram em cenários de vida e trabalho que julgávamos apenas possíveis na ficção.
A realidade veio ensinar-nos que nada é líquido e nada pode ser dado como adquirido. Ou talvez não. Como diz Mário Vaz, CEO da Vodafone Portugal, a crise trouxe ao de cima o que mais importa: o Outro, que somos todos.
A entrevista foi conduzida por Francisco X. Froes, no âmbito de um projeto académico desenvolvido em conjunto com Miguel Pina e Cunha (professor de liderança da NOVA SBE e diretor da revista Líder) e Arménio Rego (professor da Católica Porto Business School e diretor do LEAD.Lab) durante o período de confinamento em maio de 2020.
Recorda-se do momento em que pela primeira vez ouviu falar da crise pandémica que atravessamos?
Sim, foi em meados de fevereiro de 2020, quando as notícias do que estava a acontecer em Itália chegaram à Comunicação Social portuguesa. Nessa altura, e perante o que ouvimos, fiquei com o sentimento de que era algo que poderia ter ondas de impacto entre nós. Por essa altura começámos também a ter algum feedback interno, da Vodafone Itália, de que as coisas poderiam estar a agravar-se.
Perante o que ia acontecendo que medidas tomaram? Tinham já alguma preparação para uma situação desta amplitude?
As medidas que tomámos foram progressivas. Começámos pela proibição das viagens profissionais para regiões de maior risco, primeiro China e depois Itália. E estabelecemos a obrigatoriedade de quarentena para quem viajasse. Isto logo no início de fevereiro. Sabíamos, no entanto, que não tínhamos o direito de proibir, mas aconselhar. Mais tarde, começámos a bloquear idas a Espanha e depois todas as viagens para o exterior – isto cá, mesmo antes do Grupo Vodafone tomar essa decisão, convencidos de que por essa via conseguiríamos estancar a entrada do vírus. Mas tudo evoluiu muito rapidamente. Quanto a estarmos preparados, uma empresa como a nossa tem de ter um plano de contingência, e tem-no, mas focado em algo mais específico, que afete ou ameace uma infraestrutura, por exemplo, mas nada de forma a enfrentar uma crise com esta dimensão e este caráter inédito.
Depois de se tentar controlar a circulação e restringir grupos de risco, no início de março começámos a considerar a hipótese de reduzirmos substancialmente o número de colaboradores. Depois percebemos que tinha de ser a sua totalidade. Dia 13, sexta-feira, colocámos os nossos colaboradores em trabalho remoto.
Dada a natureza da crise e do elevado risco associado, antecipámo-nos ao colocar os nossos colaboradores em teletrabalho ainda antes de ter sido decretado o estado de emergência nacional. De qualquer forma, devemos reconhecer que havia muito desconhecimento do que estava a acontecer, mesmo com alguma informação já de Itália, onde as coisas estavam a acontecer com cerca de duas, três semanas de avanço. Mas havia muita informação contraditória, pelo que houve decisões tomadas por via da sensibilidade de alguns membros. Posso dizer que eu era um pouco mais otimista e achava que isto poderia ser controlado.
Por um lado, temia que decisões extremas levassem à instauração de pânico, e por outro havia quem me dissesse que se nos acontecesse aqui alguma coisa teríamos 1400 pessoas no edifício-sede em risco, mais as lojas abertas e as pessoas dos outros escritórios, o que seria um problema gigantesco. Portanto, o que se fez foi ir tomando decisões passo a passo, de degrau em degrau. Por exemplo, os comerciais “face to face” foram para casa e demos prioridade às reparações, a ter equipas a trabalhar em segurança, evitar ao máximo ir a casa das pessoas, entre outras iniciativas. A 16 de março, dia em que foi decretado o Estado de Emergência, focámo-nos numa segunda prioridade: depois das pessoas, a rede. A disponibilidade do serviço passou a ser crítica, sobretudo perante padrões de utilização muito diferentes e mais exigentes face aos padrões até aí normais. Só a título de exemplo, registámos um crescimento da internet fixa acima de 70%!
Existia já na empresa um Gabinete de Crise preparado para responder a situações como esta?
Sim. Nós temos na organização um responsável pela continuidade do negócio, bem como um plano traçado e, do ponto de vista estratégico, ativámos de imediato um plano de prevenção específico. Obviamente acompanhámos mais de perto toda a evolução da situação, com reuniões diárias. Ou seja, acompanhar de perto as necessidades e problemas que iam surgindo com as pessoas, rede, o impacto no negócio, desde o financeiro ao comercial, recursos humanos, tecnologia na componente de IT, a grande pressão sobre tudo o que é VPN, quer no que diz respeito a cliente, quer a nível interno… Com a quase totalidade das pessoas à distância, esta monitorização era fundamental, pelo que foi criado um conjunto de reports diários e KPI de acompanhamento.
Qual é o vosso lema de empresa? Veio a mostrar-se importante para o enfrentar da situação?
Assinávamos: “O futuro é incrível. Ready?”. Mas, na verdade, esta Pandemia veio mostrar que é melhor olhar para o presente e provar que a tecnologia é nuclear. Já no início de abril, a Vodafone apresentou a sua nova estratégia de comunicação global de marca, focada na nova assinatura “Together We Can” para simbolizar a aliança entre tecnologia e humanidade. Acreditamos que conseguir construir um futuro melhor – We Connect for a Better Future é o nosso Purpose – se nos mobilizarmos e usarmos a tecnologia no sentido certo.
E neste contexto a comunicação mostrou-se crucial, presumo.
Sim, sem dúvida. Comunicação, acima de tudo. Utilizamos muito o vídeo. Nos primeiros dias era fundamentalmente a comunicação utilizada, até nos Recursos Humanos, com um conjunto de instruções transmitidas em permanência, de forma a mostrar às pessoas que estávamos atentos ao que estava a acontecer. Por regra, faço mensalmente uma comunicação aos colaboradores sobre o negócio. Recordo-me que na de fevereiro já adiantava a minha visão sobre o que é que poderia estar a aproximar-se… Depois de as pessoas estarem em casa iniciámos um processo de comunicação, mais uma vez através de vídeos, em que eu fiz o primeiro ponto de situação, sumariando as medidas que tínhamos tomado em termos de pessoas e em termos de negócio, e a garantir que o País continuava ligado em termos de rede. Depois, todos os dias tivemos um elemento do “board” a fazer o ponto de situação da sua área de negócio: consumo, empresarial, tecnologia, entre outras.. Comunicámos durante uns dez dias; depois definimos outras estratégias de comunicação e, mais tarde, voltámos a recuperar a normalidade com comunicações todos os meses e em situações pontuais em que tal se justificasse. Globalmente, mais ou menos de 15 em 15 dias, avançámos com uma “call survey” a perguntar a todos os colaboradores como é que se estavam a sentir, como é que estavam a viver um momento tão singular como este. Ou seja, queríamos demonstrar o nosso apoio, a preocupação com o andamento do trabalho, mostrar que continuávamos perto apesar da distância física. De outra forma, procurámos perceber quais eram as principais preocupações e sentimentos vividos. Os Colaboradores valorizaram muito a prioridade dada à sua segurança, sem layoffs ou outro tipo de medidas difíceis. Felizmente não tivemos de optar por esse tipo de caminhos, e a prioridade número um foi garantir a segurança e a proteção de todos, ao mesmo tempo que continuámos a assegurar a entrega de um serviço de excelência aos nossos Clientes.
A nível pessoal, quais foram as suas primeiras reações e sentimentos quando isto surgiu em catadupa?
Primeiro, experimentar um sentimento de alguma ansiedade. Uma ansiedade muito significativa, para ser sincero. O que não se quer! Mas inevitável face a um inimigo dito “invisível”, enorme potenciador de insegurança e incerteza. Face a uma situação destas, em que não existem realmente meios de defesa, é muito complicado reagir ou saber como reagir… Tudo eram dúvidas. Muito bem, havia que lavar as mãos, mas e se o outro tocou ali naquela maçaneta e se ficou lá o vírus, e por quanto tempo? Tudo era desconhecido, além das notícias contraditórias por todo o lado. Isso trouxe uma grande incógnita do ponto de vista pessoal e empresarial e um enorme grau de incerteza. Mas com o tempo a ansiedade vai diluindo, mal seria se assim não fosse! Começámos a pensar que haveria de chegar-se a uma solução, haveria de encontrar-se um remédio, mais tarde ou mais cedo iria aparecer uma vacina. É claro que enfrentar o inverno foi duro, a economia afundou, e durante muito tempo ninguém sabia o que é que iria acontecer. Todos os planos empresariais ficaram como que congelados. Contudo, do ponto de vista de gestão, a equação foi simples: primeiro, as pessoas, em segundo garantir que a rede funciona. Estas foram e são as prioridades. Quando todos estamos alinhados nestes propósitos a crise acaba por se gerir sem grandes perturbações. A questão é olhar para a frente. Agora, houve mudanças em termos de previsibilidade e de gestão do negócio a prazo, onde enfrentámos as maiores dificuldades.
Que ações em “real time” teve de tomar?
A decisão de dizer às pessoas naquela quinta-feira “amanhã já não vêm para o escritório”. Foi uma decisão tomada a quente sem se saber exatamente quais as consequências! Já tinha feito um teste à capacidade da nossa VPN, pedindo às pessoas para ficarem uma manhã em casa… Mas a própria capacidade teórica que tínhamos disponível em princípio não iria suportar todas as pessoas , por isso podíamos ter uma disrupção de serviço complexa no dia seguinte. Escolher entre ter uma rotura de serviço ou ter aqui pessoas que podem ser contagiadas ou podem contagiar outras?! Vamos fazer o teste. Essa foi uma decisão difícil. As outras decisões, apesar de tudo, não foram decisões de elevado risco. Decidir, por exemplo, pôr as todas pessoas do Apoio ao Cliente a trabalhar a partir de casa, na realidade nunca se tinha experimentado em lado nenhum e na Vodafone fomos o primeiro País a fazê-lo e a assumir esse risco, mas, ainda assim, um risco controlado. Se corresse mal em casa não seria pior do que ter um “Call Center” infetado… Estes “trade-offs” não foram muito difíceis. Há muitas decisões tomadas na hora, até para mostrar um sentido de urgência e emergência, e para as Equipas sentirem o conforto da tomada de decisão. Pode até não ser a decisão que queriam ou esperavam, mas percebem que se trata de uma decisão urgente que se tomou, assumiu e que tem por intuito seguir-se para a frente. Nessas ocasiões, temos de mostrar que é tempo de tomar decisões, não se pode estar à espera da mecânica de todo um processo burocrático, de muita discussão e racionalização, porque há um sentido de emergência e muitas das decisões têm que demonstrar que estamos alinhados nesse sentido..
E relativamente aos clientes, qual a estratégia seguida?
Em primeiro lugar temos os clientes empresariais, que, numa fase inicial, ainda nos usaram muito como referência. Telefonavam-nos a saber o que iríamos fazer, como fazer, e foi uma fase em que tivemos de comunicar bastante, e ajudámo-los muito nos planos iniciais. Depois, na vertente prática das suas realidades empresariais concretas, eram os clientes que tinham que aportar as suas soluções para essa realidade. E é claro que a nossa ajuda foi fundamental; tivemos nos dez dias iniciais muitos pedidos de colaboração, no sentido de alargar capacidades, garantir soluções de conectividade móvel para colocar em casa colaboradores quando não havia outra alternativa, entre outras iniciativas. Quanto aos clientes particulares, a primeira preocupação foi setorial, pelo que os três operadores juntaram-se para apresentar ao Governo um plano para minimizar os impactos da pandemia e temos um gabinete que funciona com o Governo nesta área. As grandes preocupações com as pessoas foram naturalmente para a necessidade de lhes providenciar mais dados nas comunicações móveis, para não terem uma limitação. Embora, na verdade, a grande exigência de redes tenha sido no segmento fixo, porque na componente móvel a situação solucionava-se melhor a partir de casa. O nosso objetivo foi ajudar todos os clientes, sejam aqueles que foram para segunda habitação, seja os que passaram a trabalhar em casa, seja aqueles que se confrontaram com dificuldades de pagamento.
Sob o ponto de vista estratégico, o que acha que mudou e ainda vai mudar?
Apesar de ser um otimista estou bastante cético, porque acho que vamos passar por uma crise muito profunda e a sua duração é que é a grande incógnita. Todos irão ser afetados de uma forma ou de outra, e a Vodafone como empresa também, e sem dúvida o País. A nossa economia cresceu bastante em função do turismo, em particular naquilo que é a microeconomia, com muitos empresários em nome individual, muitas microempresas que viviam exclusivamente do Turismo, e a recuperação nesta área vai ser muito, muito longa… As próprias ajudas que serão disponibilizadas e a capacidade concreta de cada um, de cada empresa recuperar será diferente. Os nossos principais mercados de exportação também estão bastante afetados, a começar por Espanha. O Reino Unido também não está melhor, talvez com a Alemanha se consiga fazer qualquer coisa. Em termos de economia global estou algo cético. Por outro lado, e numa vertente positiva, este é o momento em que ficou mais claro que nunca a relevância atual das comunicações e a importância da aceleração digital.
Que alterações irá esse novo contexto suscitar na Hard part e na Soft part da Vodafone?
Com esta aceleração aquilo que julgámos que iria fazer-se em cinco anos vai acontecer em menos tempo. Mas é algo que já estava em curso dentro da Vodafone. Ou seja, já assumíramos antes a transição para um mundo mais digital, que acelerou com esta situação. O que muda nas organizações está relacionado com o potencial do trabalho à distância. O exemplo maior é o caso dos Call Centers, em que uma das grandes limitações existentes e simultaneamente um dos custos substanciais era ter as pessoas alocadas a um espaço confinado. Hoje, prova-se que é possível prestar esses serviços enquanto freelancer e a trabalhar a partir de casa. Portanto, há nesta nova realidade, agora assumida, realmente um potencial. Quanto ao e-commerce, o digital, nas telecomunicações, tinha bastante expressão na relação de cliente, mas na vertente comercial era relativamente reduzida. Ora, isso também vai mudar. Não será tão radical como está a ser hoje, mas vai acelerar, claramente, e isso traz transformações ao modelo de negócio. Conversões previsíveis e que se sabia que iriam acontecer, só não se sabia que ocorreriam tão cedo!
Que surpresas e descobertas trouxe toda esta nova realidade?
Uma descoberta é que nós conseguimos ser eficientes nas reuniões à distância, e que realmente grande parte da nossa ineficiência das reuniões parte do facto de estarmos juntos… fisicamente! O que pode parecer paradoxal. Mas o estar-se juntos, fisicamente, leva a algumas perdas de tempo, é o bebe-se agora um cafezinho, conversa-se sobre outras coisas antes e depois, é levantar-se para isto e para aquilo… Enfim, e a verdade é que se consegue ser muito mais organizado e produtivo até nas próprias intervenções, porque todos têm de estar calados enquanto quem intervém fala. Digamos que é um método muito mais eficaz. Neste contexto, nós conseguimos ser mais organizados e acabamos por conseguir produzir mais nessas reuniões virtuais do que nas físicas. Isto é óbvio que tem a ver com uma questão cultural. Mas é uma descoberta que realmente conseguimos ser eficientes a funcionar assim. O que tem um contraponto, naturalmente. Sente-se a falta dessas pequenas “pausas” no final do dia. Uma pessoa à frente dos écrans acaba por se cansar mais. No resto, é possível funcionar com eficiência à distância, embora seja fundamental manter a interação nas Equipas. É preciso manter reuniões de Equipa, manter esse espírito, e julgo que é por isso necessário criar um escritório onde as pessoas tenham que lá ir pelo menos uma vez por semana, para que sintam os valores da empresa e se sintam integrados nos seus objetivos.
O que é que aprendeu com tudo isto?
Em primeiro, que nunca podemos dizer que já vimos tudo nem dar nada por certo… E, realmente, eu nunca achei que isto fosse possível, isto é, o extremo de se fechar um País, de parar o País e irmos todos para casa. Era algo impensável. Claro que houve gente que continuou a trabalhar e a movimentar-se, mas realmente enfrentámos uma realidade que parecia ser apenas possível no domínio da ficção, e o choque foi muito grande. É claro que também trouxe aspetos positivos, como fazer com que o mundo inteiro se comportasse como um só e todos contribuíssem e trabalhassem para chegar a uma solução global. Portanto, houve um reescalonar de prioridades e uma união muito grande entre as pessoas. Mas tudo isto gera também um enorme desgaste, psicológico, mental, para não falar do plano económico. No plano do relacionamento social, julgo que a sociedade enfrenta também um grande desafio. Porque este modo de estar e viver acaba por não ser normal, o ser humano precisa de se relacionar, de tocar os outros, de interagir fisicamente, é essencial.
O que é que passa aos seus filhos?
Esta confiança em que, apesar de tudo, a vida continua e alguma solução haverá de encontrar-se, isto sabendo de antemão que todas as gerações tiveram ou viveram momentos dramáticos. Talvez mais específicos nuns casos, e nesta crise com a diferença de ser transversal, global, de uma amplitude por que ninguém ainda tinha passado e com consequências ainda por determinar. O que há a fazer é aprender com o vivido, e neste caso há que retirar lições, a começar pela certeza de que só pelo coletivo e em união podemos sair disto. E creio que aprendemos todos a dar mais valor às coisas certas, à saúde principalmente, mas também ao ajudarmo-nos uns aos outros, ao sermos solidários.
Uma palavra que resuma a COVID-19?
Bastante assustador na primeira fase, agora é desafiante. De assustador a desafiante.