O bom funcionamento das sociedades depende da existência de confiança, esse fermento do capital social que liga uma comunidade nacional. Os dados de inquéritos como o Eurobarómetro sempre mostraram a escassez deste lubrificante social no nosso país. O modo de funcionamento da sociedade portuguesa nas décadas mais recentes não augura melhorias neste domínio. Tudo serve para nos desentendermos – e nem sequer chegámos a acordo para estarmos em desacordo. Consideremos algumas evidências recentes.
Na política, a religião woke trouxe o traço de intolerância maniqueísta que caracteriza os iluminados, convencidos da sua própria superioridade moral. Vemo-los todos os dias nas televisões, de megafone na mão a apregoar a Palavra. Quem não gosta da sua bíblia ideológica deve ser tratado como um reacionário e corrido à pancada se necessário. Neste campo, como noutros, Espanha parece ir um passo à nossa frente.
No desporto, nomeadamente no futebol, uma assembleia geral, a do FC Porto, transforma-se numa arruaça entre defensores das mesmas cores – embora uma fação defenda possivelmente mais que as cores, como de resto aconteceu no Sporting. Alguns adeptos do Benfica, entretanto, comportam-se como vândalos num jogo em Espanha. O desporto passou a ser um campo de batalha, em vez de um entretém de fim de semana.
Na política, cada vez que se abre um caso de corrupção, logo surgem as alegações de que afinal de se trata de abusos da justiça contra inocentes. Aliás, as televisões nestes últimos dias têm sido um desfile de inocentes. Como é óbvio não sei quem é inocente e quem é culpado. Mas uma coisa sei: esta sucessão de casos sugere que estamos a percorrer um mau caminho: polarizado, zangado, desconfiado das instituições, lançando suspeição sobre elas.
Vamos adivinhar: quem ganha com este status quo?
* Título inspirado nesse clássico de Astérix