Todos os anos, por esta altura, lá vem aquele lembrete simpático: “Consigne 1% do seu IRS – não custa nada!”. Literalmente. É mesmo isso: não custa, não se paga, não se perde. E ainda assim, em Portugal, a maioria das pessoas… não consigna.
Segundo dados da Autoridade Tributária, em 2023, menos de 30% dos contribuintes portugueses indicaram uma entidade para receber o seu 1% de IRS. O número tem vindo a crescer ligeiramente nos últimos anos, mas continua longe do seu potencial. Estamos a falar de milhões de euros que poderiam estar a ajudar quem precisa, e que simplesmente… ficam por aí, perdidos na burocracia do anonimato fiscal.
Um estudo da Universidade do Minho, de 2022, tentou perceber este fenómeno e concluiu que muitos contribuintes não sabem que podem consignar, acham que dá trabalho, ou não confiam nas instituições. Mas o mais curioso é outro dado: muitos admitem que até sabiam, mas “esqueceram-se”.
Esquecem-se. Não por má vontade — apenas porque a solidariedade, infelizmente, ainda não está embutida na rotina. É um clássico dilema de comportamento social. Não é que sejamos indiferentes. É que somos… distraídos, ocupados, e muitas vezes presos à ideia de que ajudar exige grande esforço — mesmo quando não exige.
O comportamento social é claro: quando algo não nos afeta diretamente, tendemos a desprioritizar. Chamam-lhe “distanciamento emocional”. E neste caso, tem um custo real. Quanto mais abstrata ou distante nos parece uma situação (como um idoso isolado do outro lado do país, ou uma família em dificuldades que nunca vimos), menos provável é que reajamos. Mesmo que o custo de ajudar seja… clicar numa caixa no IRS.
Outro fator? A “sobrecarga de escolha”. Quando abrimos o campo da consignação e vemos uma lista de dezenas de instituições, é fácil pensar “não sei qual escolher”, fechar a janela e seguir com o resto da declaração. Resultado? Ninguém recebe nada.
Mas e se pensássemos nos nossos vizinhos? A Cruz Vermelha Portuguesa está a tentar inverter esta lógica com uma pergunta simples: “Quantos vizinhos conhece pelo nome?” A campanha #APortaAoLado quer precisamente isso — quebrar essa tal distância psicológica e lembrar-nos que a pobreza, o isolamento, a solidão… não estão assim tão longe. Estão ao virar da esquina.
A instituição alerta para que em dois anos, os pedidos de ajuda cresceram 126%. E mais de 500 mil idosos vivem sozinhos em Portugal, um número que cresce 2% todos os anos. E estamos a falar de situações reais, aqui, no nosso bairro.
É uma sacudidela gentil à nossa bolha diária. E uma chamada à ação. Porque quando escolhemos consignar o nosso 1%, no caso da Cruz vermelha, estamos a ajudar a financiar programas concretos como o Cartão Dá CVP, que permite às famílias comprar comida com dignidade, sem filas nem cabazes. Ou o Programa Mais Feliz, que acompanha pessoas em risco de exclusão social de forma estruturada e continuada. Mas há uma panóplia sem fim de outras instituições que trabalham diferentes causas, com medidas que faz sentido conhecer.
A psicologia social diz-nos que a maioria das pessoas quer ajudar — só precisa de sentir que o seu gesto é útil e que vai realmente fazer a diferença. É por isso que falar sobre o 1% importa. Porque se cada um de nós trouxer esta conversa para o café, para o grupo de amigos, para o almoço de domingo, podemos mesmo virar a maré.
No fim de contas, ajudar não tem de doer. Pode ser simples, rápido… e até automático. Quando dizemos que “1% faz a diferença”, não é um cliché. É mesmo a matemática da solidariedade em ação.
E porque é que ainda não fazemos isto em massa? Talvez por falta de hábito. Ou por pensarmos que é complicado. Ou, simplesmente, porque nunca ninguém nos explicou o impacto real.
Mas aqui está a boa notícia: estamos em abril, e ainda vamos muito a tempo de mudar. A consignação do IRS é fácil, gratuita e pode ser feita em menos de um minuto. Basta indicar o NIF da Instituição que quer apoiar (no caso da Cruz Vermelha Portuguesa: 500 745 749).
E este ano, em vez de dizer “fica para o ano”, porque não clicar naquela caixinha e ajudar quem vive mesmo ao nosso lado?