Uma simples banana colada na parede com fita adesiva transformou-se num dos ícones mais debatidos no mundo da arte contemporânea. A obra «Comedian», criada pelo italiano Maurizio Cattelan, foi vendida recentemente por uns surpreendentes 5,9 milhões de euros num leilão da Sotheby’s. O comprador? Justin Sun, um empresário chinês do setor das criptomoedas, que prometeu consumi-la. Assim o fez.
Apesar de ingerir o alimento, o empresário levou para casa o rolo de fita adesiva e um certificado de autenticidade. Assim como os NFTs, o que está em jogo é a ideia por trás da obra, e não o objeto em si.
Embora quem compre seja motivo de interesse, quem produz a obra desperta mais curiosidade. Cattelan, famoso pelo seu humor áspero e provocativo, apresentou «Comedian» pela primeira vez na feira Art Basel Miami Beach, em 2019.
A peça, composta por uma banana comum e fita adesiva, já havia sido vendida por valores entre 105 mil e 143 mil euros. Numa entrevista ao The Art Newspaper, em 2021, o artista italiano explicou que a obra passa uma mensagem subtil sobre o valor atribuído à arte em mercados de alta velocidade e consumismo desenfreado.
De Warhol a bananas de 6 milhões
A banana já tinha sido um símbolo poderoso na arte antes da irreverência de Cattelan. Andy Warhol, lenda da pop art, imortalizou a fruta, em 1967, na capa do álbum de estreia da banda de rock The Velvet Underground & Nico. Além do americano, o artista alemão Thomas Baumgärtel cristalizou-a como emblema das instituições artísticas, pintando-a em mais de 4.000 fachadas.
O legado da banana na arte vai além do consumo, tocando em temas como sexualidade, exotismo e até política. Na Polónia comunista, Natalia LL provocou debates com vídeos de modelos comendo bananas de forma sensual, enquanto o fruto era um luxo raro, devido à pobreza que assolava o país.
Com a crise climática a ameaçar as plantações, talvez a extravagância de uma banana milionária se torne, um dia, mais real do que artística. Afinal, na arte e na vida, por vezes, uma banana pode ser muito mais do que uma fruta. Leia em baixo cinco obras de arte que causaram polémica e eternizaram o debate sobre o que pode, ou não, ser arte.
Fountain (1917) de Marcel Duchamp
Marcel Duchamp desafiou as noções tradicionais sobre arte com a obra ‘Fountain’ (1917). Ao apresentar um urinol vulgar, colocado de forma invertida, Duchamp questionou a definição de arte e as fronteiras da criatividade. A peça foi rejeitada pela Society of Independent Artists, evidenciando o conflito entre a arte de vanguarda e a aceitação mainstream. Ao utilizar objetos readymade como o urinol, o francês transformou itens do quotidiano em arte mordaz, gerando debates sobre a intenção artística e o valor dessa expressão.
‘Fountain’ permanece um marco na história da arte, influenciando práticas contemporâneas de expansão dos limites do que pode ou não ser considerado arte. Nesse sentido, redefine o papel do artista e a sua dimensão. A ousada declaração de Duchamp com essa obra continua a desafiar tanto espectadores quanto críticos, consolidando-a como uma peça central na remodelação do panorama da arte moderna.
Zone de Sensibilité Picturale Immatérielle (1959) de Yves Klein
A obra ‘Zone de Sensibilité Picturale Immatérielle’ (1959), de Yves Klein desafiou a arte tradicional ao vender “espaços imateriais” por ouro real. No fundo, trata-se de converter a arte numa ideia, ao invés de ser materializada. O comprador recebia um certificado de autenticidade, e em algumas performances, o ouro era lançado no rio, simbolizando a efemeridade da arte.
Com transações recentes estimadas em milhões de dólares, a obra continua a provocar debates sobre o valor de mercado e a relação entre a experiência do espectador e a arte conceitual. Klein foi pioneiro ao redefinir o valor da arte no mercado, enfatizando o conceito sobre a materialidade.
Mountain and Sea (1962) de Agnes Martin
‘Mountain and Sea’ (1962) de Agnes Martin foi polémica pelo seu estilo minimalista e abstrato. Os padrões artísticos da época foram desafiados, pelo foco na simplicidade e senso de tranquilidade, em detrimento de formas visuais reconhecíveis.
A obra foi criticada por ser considerada excessivamente simples. Com o tempo passou a ser reconhecida pela sua profundidade emocional e espiritual, representando uma nova forma de pensar a arte. A pintora canadiana foi pioneira ao usar o minimalismo para criar uma experiência contemplativa, sem priorizar formas, gerando controvérsia sobre a técnica e a expressão artística.
Rabbit (1986) de Jeff Koons
A escultura Rabbit, de Jeff Koons, que foi vendida por cerca de 82 milhões de euros em 2019, é uma das obras de arte mais caras de um artista ainda vivo. É feita de aço inoxidável e projetada para se parecer com um coelho em formato de balão. A peça mistura arte pop com uma reflexão sobre o consumo e a cultura popular.
O preço recorde marca um momento significativo no mercado de arte, refletindo a crescente valorização de obras contemporâneas que desafiam as convenções tradicionais. O valor altíssimo gerou controvérsias, já que a peça foi criticada por alguns como um exemplo de “kitsch” ou arte comercial sem profundidade. Para muitos não passa de mais uma estratégia de marketing e comercial. No entanto, outros veem nela uma reflexão sobre o capitalismo, transformando itens do quotidiano em arte de alto valor.
Fresh Air (2011) de James Franco
James Franco não se fica pelo cinema, e em 2011 apresentou ‘Fresh Air’, um tipo de arte que integra o projeto The Museum of Non-Visible Art. Rompendo as expectativas tradicionais da arte, é, na verdade, uma peça completamente invisível. A ideia passar por transmitir que o valor da arte não reside em sua materialidade, mas na concepção e no conceito por trás dela.
Vendida por 9500 euros, a obra exemplifica o crescente movimento da arte conceitual, onde a experiência e o pensamento se tornam mais importantes do que o objeto físico em si. O comprador, ao adquirir, não recebe uma obra tangível, mas a ideia de que adquiriu um espaço de ‘ar fresco’. Esse tipo de obra provoca reflexões sobre o papel da percepção e da valorização na arte contemporânea.