A situação geopolítica global tem dado em que pensar e está a obrigar os líderes a olhar para novos horizontes. Em épocas conturbadas, é importante olhar para dentro, e a força pode esconder-se em fronteiras mais próximas do que imaginamos. Nestes tempos, «só a inteligência, o bom senso, muita diplomacia e cultura nos poderão servir».
Quem o diz é o Almirante Henrique Gouveia e Melo, que levou à Leadership Summit Cabo Verde a sua visão de liderança internacional, sob o mote de uma «liderança atlântica». O ex-Chefe do Estado-Maior da Armada participou de forma remota na cimeira, que aconteceu na Cidade da Praia, no dia 23 de Maio.
O Almirante relembrou a Conferência de Ialta, no fim da II Guerra Mundial, liderada por Roosevelt, Churchill e Estaline, que definiram os contornos do sistema que ainda hoje vigora, estruturado em princípios de soberania, equilíbrio e multilateralismo. Mas esse modelo está em risco.
Se uma nova conferência da mesma natureza fosse hoje convocada, quem se sentaria à mesa? «O Sr. Trump, o Sr. Putin e o Sr. Xi Jinping», responde Gouveia e Melo. «Certamente que a nova ordem mundial seria muito diferente da anterior», acrescenta.
O Atlântico não perdeu centralidade
O que o Almirante classifica como uma «nova ordem mundial baseada no poder», onde as fronteiras como as conhecíamos estão a mudar. «Todas as considerações que podemos fazer sobre a zona económica exclusiva, sobre a eventual plataforma continental ou outras que derivam de relações e direito internacionais podem estar em causa», diz.
Os países atlânticos, como Portugal e Cabo Verde, embora pequenos em população e território terrestre, são grandes em espaço marítimo. Com as mudanças geopolíticas, as Zonas Económicas Exclusivas e direitos sobre plataformas continentais poderão ser postos em causa, surgindo até a ideia de de um «desinteresse económico pelo Atlântico».
Gouveia e Melo descarta essa hipótese, pelas massas de população que se estão a fincar em redor do Atlântico, em especial no continente africano, que se mantém como uma das futuras potencias mundiais, pela quantidade de jovens e população em crescimento. «Todos se esquecem que África é o único continente que não vai entrar em inverno geográfico», acrescenta.
O poder de «ser atlantista»
O Almirante destacou, como tal, uma economia azul, assente em tecnologia marinha, dados, energia offshore, turismo e cultura, que representa uma enorme oportunidade. Cabo Verde tem «uma vantagem extraordinária na conectividade que os cabos submarinos farão entre continentes». A energia também se revela um dos pontos fortes do arquipélago, para além do turismo e cultura.
«Ser atlantista é operar no centro de um hub de conexões futuras de importância crucial para metade da população mundial», diz. Por isso, surge a proposta de uma aliança estratégica: «os Açores, a Madeira, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe» – unidos a Portugal continental – podem formar uma «Macaronésia que fala português». Um núcleo de conexão no centro do Atlântico, pronto para liderar a nova economia azul.
E deixa o aviso: «Eu também gostava que aqui em Portugal, quando dizem que somos europeus, tivéssemos a sagacidade para dizer ‘Europeus não, nós somos atlantistas’».
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