A conversa sobre a importância de começar a preparar hoje o amanhã em torno da Sustentabilidade aconteceu no palco da Leadership Summit Portugal, no Casino Estoril, no passado dia 25 de setembro.
Catarina Marques Rodrigues, Jornalista, conduz a entrevista a Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, entidade que gere o sistema de recolha, tratamento e reciclagem dos resíduos de embalagens em Portugal.
«O ato de reciclar é um ato individual, mas é também coletivo», destaca Ana Trigo Morais. Em 2022, 35 milhões de euros em embalagens foram enviadas para aterros. «Precisamos de fazer muito mais. Temos um mantra: não queremos nada nos aterros. As embalagens que vão para lá ocupam espaço e perdem valor», explica Anta Trigo de Morais, para quem o que nos falta é consciência. «Cada um tem de fazer o seu papel, e a responsabilidade é de todos. É uma mudança de mindset. As empresas também devem ter esse reconhecimento e adotar as boas práticas. Deixaremos uma pegada, deixaremos sempre uma marca. O que temos a fazer é tentar reduzir e minimizar ao máximo esse impacto», acrescenta.
A Sociedade Ponto Verde (SPV) é uma máquina que para andar tem de contar com a política europeia, depois com a política nacional e também com a administração pública. O Estado, em primeiro lugar, já reconhece a urgência deste problema ou ainda estamos com uma questão mais de fundo?
A SPV tem 27 anos de experiência e de atividade na gestão da reciclagem das embalagens, mas tenho de dizer que ainda temos muito que aprender, ainda temos muito que fazer.
Há cerca de 30, 40 anos houve esta noção de que a pegada ambiental do consumo humano estava a deixar estragos no ambiente que se queriam mitigar e evitar. E então nasceu este conceito que toda a gente conhece, do poluidor-pagador e, portanto, quem polui tem de ser responsável pelo seu impacto ambiental.
Criámos várias Sociedades Ponto Verde, porque, na verdade, nós conseguimos uma coisa que resultou bem: quem consome e usa embalagens, tem de garantir que no final da vida desse produto, ele vai ser reciclado e reaproveitado.
E, portanto, nessa altura não se dizia, mas já circularizávamos os recursos e já tornávamos matérias-primas secundárias em valor.
Como é isto aconteceu? Foi uma decisão coletiva da Europa. O grande desafio é que, hoje, além de ser muito mais relevante fazer reciclagem, temos de ter a noção que há aqui um princípio da escassez. Ou seja, temos escassez de recursos, de matérias-primas e temos de ser consumidores muito mais cuidadosos na forma como utilizamos os nossos recursos e as embalagens.
Desde a política europeia, à política nacional, à política municipal, à política da junta de freguesia, temos de reunir os atores mais importantes desta equação e desta forma de economia circular, que são os cidadãos.
Gosto mais de falar em cidadania ambiental do que em consumo sustentável. Eles têm os dois significados importantes e implicam os dois mudança de comportamento, mas na verdade o ato de reciclar não é só um ato individual, mas também um ato coletivo de quem está a cuidar de algo que é de todos.
Mas há metas a cumprir e essas são definidas pelo Estado e também pela política europeia. Diria que essas metas estão em linha com as alterações climáticas?
Gostava de lhe poder responder que sim, mas não posso, porque na verdade não estamos. Estamos fora do tempo, nós precisamos de fazer muito mais, acelerar muito mais.
A sociedade, a tecnologia, a inovação está muito madura, nós hoje temos muito conhecimento, precisamos de investimento, de modernizar todo o funcionamento destas cadeias de valor, mas a verdade é que estamos atrasados e as metas que temos, diria que são os mínimos, devemos ambicionar os máximos.
Nós não queremos só cumprir as metas de 65% de todas as embalagens que são colocadas à disposição do consumidor, que levam para casa e que depois gostávamos que levassem ao ecoponto. Nós, na SPV, temos um mantra: não queremos nenhuma embalagem no aterro.
Todas as embalagens são recicláveis, todos os materiais, uns com mais simplicidade, outros com mais complexidade, e lá está aqui a importância da inovação e da tecnologia que está a crescer rapidamente, mas nós não queremos nada nos aterros, porque nos aterros perdemos imenso valor ambiental, só vai ocupar espaço. E o País tem um problema de aterros muito grande para resolver. E nós podemos reciclar tudo.
O que é que nos falta? Falta-nos velocidade e consciência, termos a noção que a SPV, todos os nossos colegas da cadeia de valor, as juntas de freguesia, os municípios, os operadores de gestão de resíduos, a indústria que coloca embalagens, quem desenha as embalagens, quem as cria, temos de esforçar-nos muito mais por ter um compromisso e remarmos todos para o mesmo lado para podermos obter bons resultados.
Precisamos de facilitar mais a reciclagem em Portugal. Seja de embalagens que no fundo são os únicos fluxos de resíduos que cumprem as metas com exceção do vidro. Se cada uma das pessoas nesta sala, e se todos os portugueses colocassem mais duas garrafas nos vidrões por ano, cumpriríamos a meta da reciclagem.
Estamos quase lá, é um esforço coletivo, mas precisamos também de tornar o processo mais fácil, mais conveniente, mais próximo do cidadão. E, já que estamos num momento de tanta tecnologia, investir muito para facilitar a vida às pessoas e deixar de ver aquelas montanhas enormes de lixo que conhecemos e, sobretudo, não perder o valor ambiental e o valor económico enviando embalagens para a terra.
E quando diz que é preciso investir em conjunto, é preciso que o Estado faça o seu trabalho, mas também outros players na nossa vida, como, por exemplo, as empresas. A partir de janeiro de 2026, os ESG vão ser uma realidade em que as empresas vão ter realmente de medir o seu impacto ambiental. Estamos preparadas e preparados para ter acesso a mais dados com o que as empresas estão, ou não, a fazer? Estamos preparados para saber o que falta fazer para conseguirmos chegar lá?
Sou uma otimista. Mas também já cá ando há anos. E, portanto, o que me parece é que as empresas, na sua generalidade e na sua globalidade, têm noção de que vai haver uma nova dimensão da sua atividade de reporte e da transformação do seu negócio.
E, portanto, todos estão à espera que este impacto valha e que isso vá obrigar a fazer relatórios de uma maneira diferente, a avaliar por exemplo, os seus fornecedores com outros critérios que não avaliavam até agora, a lembrarem-se que têm de alinhar todas estas decisões com os ODS e com a melhor gestão dos seus recursos.
Agora, as empresas estão prontas e vão ter de acelerar rapidamente para que isso aconteça. E não há dúvida que a legislação e os deveres compliance são muito importantes para a empresa, porque não há nenhuma empresa que eu conheça que não goste de estar compliance, seja de que maneira for, e muito menos em termos de Sustentabilidade.
O ESG veio acelerar a necessidade de transformação das empresas terem de olhar para dentro, terem de mudar o seu modelo de negócio e não é só no pilar do ambiente, é também do social.
Já que estamos na Leadership Summit, dou uma nota mais pessoal relacionada com a liderança. Os grandes dão os exemplos e arrastam as cadeias de valor atrás. E, portanto, esta forma de organizar: todos juntos e todos numa direção é muito importante, quando estamos a falar dos temas da sustentabilidade, do consumo, do reporting, para depois também coletivamente podermos ter resultados e impactos.
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