Vivemos tempos de exceção, de uma “tempestade perfeita”, entre a guerra na Europa, a pressão económica, uma crise sanitária que persiste e a fúria da natureza sempre sábia. Mas também vivemos dias extraordinários, em que a tecnologia se uniu ao Homem, a ciência e a medicina trouxeram esperança e as novas gerações levantam vozes e colocam o dedo nas feridas da discriminação e do estigma.
Neste início de 2023, colocámos o desafio a vários líderes: Que mundo queremos ter? Qual o caminho para um novo renascimento? Que lideranças precisamos? Como nos reerguemos do caos?
António Camara, Professor e investigador no CENSE (Center for Environmental and Sustainability Research) – FCT Nova e fundador da Aromni and TUGA Innovations, responde.
Uma consola do futuro
Os media do futuro podem ser imaginados como parte de uma “consola” tridimensional. Essa consola vai permitir que viajemos, utilizando a voz ou gestos, por temas. Poderemos explorar cada tema, por subtemas referenciados no espaço e no tempo.
Legenda: trabalho experimental desenvolvido pela Aromni para o Sport Lisboa e Benfica
A unidade atómica será a “peça”: um clipe de vídeo imersivo ou uma cena sintética em realidade virtual. Estas peças terão descrições verbais que alimentarão modelos de linguagem natural de grande dimensão, utilizados em inteligência artificial generativa. As peças sobre o Mundo Real serão colocadas como “post-its virtuais” no local a que reportam para consulta em realidade aumentada.
Os media do futuro serão, como no presente, gerados por órgãos de comunicação, instituições publicas e privadas e todos nós. Serão uma dimensão virtual aumentando o Mundo Real. Vão também incluir mundos virtuais ficcionados.
Poderemos argumentar que a relação entre o Mundo Real e os media do futuro é semelhante à que existe entre a mensagem e o mensageiro. O que pode fazer uma consola para combater as mudanças climáticas globais, acabar com a guerra entre países, ou desenvolver regiões?
A consola será uma janela que mostrará, a diferentes escalas, os prováveis impactos das mudanças globais e o que teremos de fazer para os minimizar. Não acabará certamente com as guerras, mas contribuirá para, realçando, o seu horror, que se procurem soluções.
2023 será especialmente relevante porque a visão que propus para os media do futuro será realizável conjugando as capacidades dos seres humanos com a ajuda das máquinas que as permitem aumentar.
Os media do futuro, em desenvolvimento pelas principais empresas de tecnologia mundiais, seguem a teoria da agregação. Têm vindo a eliminar a geografia, transformando o Mundo numa loja em que os operadores são as plataformas globais. A Europa apenas os regula. A minha proposta baseia-se na convicção de que as podemos competir e vencer.
Modo de vida “hiper local”
Para o fazer, temos de reinterpretar a teoria da agregação. Temos de trazer de volta o modo de vida “hiper local”. O objetivo é manter e desenvolver as atividades locais, respeitar a Natureza e preservar a Saúde. Pretende-se que os nossos bairros, cidades e regiões continuem humanas, e entende-se que o digital será necessário para o assegurar.
Para o conseguir temos de descer ao nível do bairro e referenciar as suas “peças” ao último detalhe. Essa referenciação permitirá a combinação constante entre a oferta e a procura assegurando uma eficiência económica incomparável, a circularidade, a conservação da Natureza e a preservação da saúde.
A criação de media locais de nova geração será o combustível para o sistema assegurando que os meios de publicidade não vão precisar de dados individuais. A ligação à Internet tradicional permitirá que as janelas globais se mantenham para os empreendedores locais, mas com um balanço invertido.
Os media locais do futuro serão também veículos para garantir uma vida humana baseada na ajuda mútua e com santuários para os menos afortunados. Eles assegurarão que o Mundo continuará a ser o nosso Bairro e não a nossa Loja, e que o nosso Bairro será próspero e solidário.
Esta transformação não será operada de cima para baixo. Ela irá ocorrer de baixo para cima. As lideranças locais e as populações (que as escolherem) farão a diferença.