Por entre os pampas que se estendem como lençóis de saudade e os bairros incandescentes de Buenos Aires, onde o coração dança fora do peito, a Argentina baila consigo mesma. É tango de faca e beijo, de grito e de silêncio. É pátria que sonha ser universal, mas tropeça no próprio compasso — reinventa-se, cai, levanta, desafina e encanta. Um país de mil passos cruzados, que ora se exalta, ora se entristece, sempre com a alma à flor da pele.
Em 2025, a Argentina ocupa o 42.º lugar no Global Soft Power Index da Brand Finance, uma queda de quatro posições face ao ano anterior. A descida reflete fragilidades em pilares como Governação, Educação, Ciência e Futuro Sustentável. Ainda assim, resiste com garra no campo da Familiaridade — onde figura entre os 20 primeiros —, sinal de que o mundo continua a reconhecê-la, a ouvi-la, a senti-la.
Já no Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit, o país ocupa o 54.º lugar, com uma pontuação de 6,51. Classificada como uma ‘democracia com falhas’, a Argentina permanece num limbo entre promessas e desilusões — como se esperasse, sempre à meia-luz, a próxima melodia que a salve.
Este é o sétimo artigo da rubrica da Líder, ‘O estado de uma nação em sete minutos’. Todas as quintas-feiras, traremos um retrato de um país, explorando sucintamente quatro dimensões: cultural, política, económica e social.
Cultura
A Argentina é um recheio cultural que pulsa em contratempo. Buenos Aires, com o seu Teatro Colón e cafés onde ainda se discute o mundo entre livros gastos e vozes ardentes, é tanto catedral da memória como laboratório do porvir. O tango, nascido nas margens portuárias e nos becos da classe trabalhadora, transformou-se em linguagem universal de paixão, exílio e resistência.
Na literatura, a Argentina é útero e trincheira — deu ao mundo Borges, mestre dos labirintos e dos espelhos, e também Cortázar, Piglia, Schweblin, Enríquez: autores que ergueram bibliotecas feitas de crítica, sonho e desassossego. A sua escrita é húmus de inquietação, política subtil, fantasia com feridas abertas.
A gastronomia é também uma afirmação — o asado, as empanadas, o mate partilhado como um ritual de irmandade e pertença. É cozinha do povo, fogo lento de identidade. No futebol, Maradona e Messi tornaram-se mais do que ídolos: são metáforas vivas de um país feito de talento e tumulto, onde a glória é sempre conquistada com os dentes cerrados e o coração ao alto.
Política
Desde a sua eleição em novembro de 2023, Javier Milei, líder da coligação La Libertad Avanza (LLA), tem promovido uma agenda de reformas radicais na Argentina. Apesar de não deter a maioria no Congresso — com 38 dos 257 deputados e 7 dos 72 senadores—Milei tem avançado com medidas significativas, muitas vezes com o apoio de partidos de centro-direita.
Em julho de 2024, o Congresso aprovou a ‘Ley Bases’, um pacote legislativo que concede ao presidente poderes especiais para legislar por decreto em áreas económicas, administrativas, financeiras e energéticas por um ano. A lei também permite a privatização de empresas estatais e introduz reformas fiscais e laborais.
Manifestações contra essa lei resultaram em confrontos com a polícia, detenções arbitrárias e acusações de uso excessivo da força. Organizações de direitos humanos denunciaram a repressão como uma ameaça às liberdades civis.
Além disso, o governo tem adotado medidas que afetam a liberdade de imprensa, como o fechamento da agência de notícias estatal Télam, justificado por Milei como uma tentativa de eliminar a propaganda estatal. A decisão foi criticada por sindicatos de jornalistas e organizações internacionais como um ataque à liberdade de expressão.
A oposição, liderada pela coligação peronista União pela Pátria (UP), mantém-se como a maior força no Congresso, com 99 deputados e 33 senadores. No entanto, enfrenta desafios internos e uma crescente polarização política, exacerbada pelas políticas e retórica confrontacional de Milei.
Economia
A economia argentina, sob a liderança do presidente Javier Milei, apresenta um cenário de contrastes marcantes. Enquanto indicadores macroeconómicos mostram sinais de recuperação, muitos argentinos continuam a enfrentar dificuldades significativas no seu quotidiano.
Após uma contração de 1,7% em 2024, atribuída a uma severa seca e a desequilíbrios económicos acumulados, a economia argentina começou a mostrar sinais de recuperação no segundo semestre do ano. Em janeiro de 2025, o Produto Interno Bruto (PIB) atingiu níveis próximos aos de março de 2023, superando o declínio registado desde o final desse ano. As projeções para 2025 indicam um crescimento entre 3,5% e 5,5%, impulsionado pelo consumo privado e pelo investimento.
A inflação, que atingiu quase 300% em abril de 2024, registou uma descida acentuada, situando-se em 66,9% em dezembro do mesmo ano. Esta redução é atribuída às políticas de austeridade implementadas pelo governo, incluindo cortes nos gastos públicos e a eliminação de controlos cambiais. Apesar desta melhoria, a inflação permanece elevada, afetando o poder de compra dos cidadãos.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC), a taxa de pobreza na Argentina caiu de 52,9% no primeiro semestre de 2024 para 38,1% no segundo semestre. Esta melhoria é atribuída à estabilização da inflação e a uma recuperação parcial dos salários. No entanto, a pobreza extrema ainda afeta cerca de 2,5 milhões de pessoas, e quase 52% das crianças com menos de 14 anos vivem em situação de pobreza .
As reformas económicas implementadas pelo governo, embora tenham contribuído para a estabilização macroeconómica, tiveram um impacto significativo na população. Os cortes nos gastos públicos afetaram salários do setor público, pensões e programas sociais, levando a protestos e descontentamento. Além disso, a informalidade no mercado de trabalho aumentou, deixando muitos trabalhadores sem benefícios e mais vulneráveis à pobreza.
Sociedade
A taxa de fertilidade tem apresentado uma tendência de queda nas últimas décadas. Em 2022, situou-se em 1,88 filhos por mulher, abaixo da taxa de reposição populacional de 2,1. Este declínio, aliado a uma esperança média de vida de 77,5 anos em 2024 — sendo 79,88 anos para mulheres e 74,81 anos para homens, contribui para o envelhecimento da população argentina.
Apesar de enfrentar desafios económicos, a Argentina continua a atrair migrantes de países vizinhos, como Bolívia, Paraguai e Peru, enriquecendo sua diversidade cultural. Em 2023, o saldo migratório foi de 3.718 pessoas, uma ligeira queda em relação ao ano anterior.
O movimento feminista argentino é um dos mais ativos da América Latina. Em março de 2025, dezenas de milhares de mulheres e membros da comunidade LGBTQ+ protestaram em Buenos Aires contra políticas do governo de Javier Milei, incluindo o fechamento do Ministério da Mulher e cortes em programas sociais.
Essas manifestações refletem a resistência da sociedade civil frente a retrocessos em direitos conquistados, como a legalização do aborto em 2020.
Conclusão
A Argentina respira como dança: com pausas, voltas e tropeços que também são passos. Há luz nos números, mas sombra nas ruas — e é no meio deste chiaroscuro que a nação continua a reinventar-se. Sempre dramática, sempre viva.
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