As crianças portuguesas entre os 6 e os 14 anos mantêm uma relação profunda com a tecnologia. Cresceram num mundo onde o digital não é novidade, mas paisagem natural. Ainda assim, a forma como navegam nesse universo não é uniforme. O estudo ‘Alphaverso – Descodificando a Geração do Futuro’, conduzido pelo Grupo IPG Mediabrands, traça o retrato de uma geração com interesses diversos, perfis distintos e uma ligação complexa ao mundo digital.
O relatório, que se debruça sobre a geração Alpha — nascida depois de 2010 — desmonta preconceitos fáceis: as crianças não vivem exclusivamente coladas aos ecrãs, nem perderam a capacidade de se interessar por outras atividades. Sim, usam o smartphone, veem YouTube e mergulham no TikTok. Mas também criam, exploram, conectam-se com paixões e comunidades.
O estudo identifica quatro grandes perfis comportamentais:
- Thrill Seekers: caçadores de adrenalina e superação, com preferência por videojogos e conteúdos visuais intensos.
- Theme Enthusiasts: guiados por temas ou paixões específicas, que exploram a fundo através da tecnologia e redes de afinidade.
- Creative: pequenos criadores em potência, que usam o digital como palco para a expressão individual e até já produzem os seus próprios conteúdos.
- Socializers: valorizam as relações e usam o digital como extensão da sua comunidade — tanto para manter como para construir laços.
Apesar das nuances, há denominadores comuns: a tecnologia é omnipresente nas suas rotinas. A televisão e o smartphone lideram em desejo e uso, com os telemóveis a entrarem nas suas mãos — muitas vezes emprestados por familiares — por volta dos 8 anos. A autonomia plena surge, em média, aos 10.
Em termos de plataformas, o YouTube, TikTok e WhatsApp estão no topo das preferências. Quase metade das crianças (49%) escolhe sozinha o que vê no YouTube e 83% usam redes sociais de forma autónoma. Já nos videojogos, os pais continuam a manter as rédeas: só 14% jogam sem supervisão.
Nem só de ecrãs vive a geração Alpha
Apesar da ubiquidade digital, a televisão continua a ser rainha no dia-a-dia infantil. É o meio mais citado pelos pais como estando presente nas rotinas dos filhos. Porquê? Porque é acessível, previsível e, aos olhos dos adultos, mais fácil de controlar. Durante a semana, 84% das crianças assistem televisão; ao fim de semana, esse número mantém-se estável, enquanto o uso da Internet e dos jogos eletrónicos aumenta.
Quando brincam sozinhas, o digital tende a dominar. Os meninos, a partir dos 9 anos, são os que mais recorrem a consolas e ecrãs. As meninas, a partir dos 11, destacam-se pelo consumo autónomo de vídeos, filmes e redes sociais. O estudo sublinha ainda um fenómeno interessante: as próprias crianças estão a impulsionar o uso de tecnologia em casa, mostrando novidades aos adultos, influenciando hábitos, contagiando com o seu entusiasmo.
E se os filhos abraçam o digital, os pais oscilam entre dois pólos: o fascínio e o receio. O controlo parental assume múltiplas formas — desde a limitação de tempo de ecrã até aplicações de rastreamento. Apesar de estilos parentais distintos (entre o permissivo e o vigilante), há um ponto de convergência: a maioria dos pais recorre a ferramentas de controlo de acesso e, em menor grau, de localização.
Rui Almeida, Diretor de Insights do Grupo IPG Mediabrands, sublinha o equilíbrio necessário:
«As crianças encaram a tecnologia não só como entretenimento, mas como uma ferramenta de inspiração, socialização e descoberta. Compreender os seus padrões e motivações é essencial para marcas e educadores. Há que comunicar com elas de forma relevante, mas sempre consciente das preocupações dos pais e da diversidade real de interesses que esta geração manifesta.»
No final, o estudo lança um repto: se queremos compreender a geração Alpha, temos de a olhar para lá do ecrã. A tecnologia é só a superfície — o que está por baixo são mentes plásticas, sim, mas atentas, inventivas, profundamente humanas.