O papel da tecnologia na relação entre marcas e consumidores
Desenvolver boas relações de longo prazo é uma estratégia vencedora para algumas marcas, o que gera muita competição pela atenção e envolvimento dos consumidores. De um modo geral, estudos indicam que a tecnologia tem cada vez mais beneficiado da proximidade entre marcas e consumidores, em dois principais tipos de relação: um mais tradicional (exchange) e outro mais próximo (communal), onde os consumidores sentem que as marcas são mesmo parte da vida deles, inclusive da própria identidade.
Contudo, desenvolver relacionamentos mais próximos (communal) com os consumidores é muitas vezes difícil num contexto mais tecnológico, pois exige muito investimento por parte das marcas, leva tempo, e não se sabe quais dessas ações realmente resultam.
A investigação que temos desenvolvido no Marketing Analytics Lab com consumidores de Portugal, Reino Unido e Estados Unidos, aponta para algumas táticas que as marcas podem usar para aumentar a relação próxima com o consumidor a partir da tecnologia. Contudo, vale a pena ressalvar que nem todas as ações resultam, e temos de ter cuidado com algumas linhas vermelhas que podem suscitar questões aos consumidores.
- O uso da inteligência artificial e os medos dos consumidores. Temos observado o benefício da IA no dia-a-dia dos consumidores: desde escolher rapidamente um filme na Netflix, até um chatbot para tirar dúvidas na app do banco. No entanto, essas interações vêm com um custo elevado na perceção dos consumidores, ou seja, a perda de autonomia e de privacidade. Além disso, alguns consumidores portugueses (e europeus) revelaram-nos terem medo dos usos da IA por parte das empresas, e em alguns casos extremos, temem a substituição completa dos funcionários. Por outro lado, verificamos que essa tecnologia pode ser utilizada para melhorar a saúde, fomentar o exercício físico, e em alguns diagnósticos simples, até reduzir tempo de espera no atendimento. Porém, nem tudo são flores, dado que muitos consumidores reportam uma grande perda de autonomia e receio de invasão de privacidade.
- Cocriação e Crowdsourcing: será que os consumidores devem criar os produtos da marca? Numa outra vertente, as marcas estão a usar cada vez mais a tecnologia para aproximar os consumidores no desenvolvimento dos seus produtos e serviços. Por um lado, podem usar a cocriação (em relações mais próximas) ou o crowdsourcing, em que milhares de consumidores competem por uma nova ideia, como aconteceu no anúncio da Doritos na final da Superbowl. No limite, poder-se-ia pensar que um produto desenvolvido pelos consumidores era o ideal, pois traria uma maior conexão entre consumidores e marcas. Contudo, a nossa investigação indica que nem sempre é o caso. Isso porque, quando os consumidores desenvolvem fortes laços com a marca, eles percebem que somente a marca tem maior habilidade para desenvolver os produtos, o que é especialmente notório no segmento de luxo.
- Emojis e Social Media: qual o limite para a intimidade entre marcas e consumidores? Cada vez mais, usamos a tecnologia nas nossas relações interpessoais, como por exemplo o uso de emojis (?) nas redes sociais. Obviamente, algumas marcas já perceberam essa tendência e estão a tentar “surfar” esta onda tecnológica, como o hotel Aloft em Nova Iorque (“Text it. Get it”): posso ter sff 1? e 1 ☕ no quarto 301? Este tipo de estratégia parece ser benéfica para as empresas, contudo os nossos estudos, incluindo redes de dados de hotéis em Portugal, mostram que o uso de emojis por parte das empresas pode correr mal, principalmente quando as coisas correm mesmo mal durante o serviço. Isso porque os consumidores esperam mais profissionalismo na hora da empresa tratar uma falha de serviço, e os emojis remetem justamente para o contrário: a uma falta de profissionalismo. Portanto, recomenda-se um cuidado no uso dessa estratégia, para a marca não ser traída pelo risco de demasiada intimidade com os consumidores. Essa prática parece correr melhor para empresas menores, como as lojas de bairro, onde os consumidores buscam uma identificação mais próxima com as marcas.
- As marcas e a saúde dos consumidores: o papel da congruência e das metas. Um dos fatores que pode ser inusitado, mas que temos percebido ao longo dos tempos, é que as marcas podem mesmo contribuir para a saúde dos consumidores através da tecnologia (apps de saúde, meditação, running). Fizemos uma experiência com diferentes apps de marcas em Portugal: uma ligada ao desporto e outra ligada ao fast food. Durante o tempo da experiência, apesar da marca de fast food estar a tentar fazer algo benevolente para os consumidores, sugerindo a prática de exercício físico, as nossas conclusões sugerem que essa tática não resulta. Através de uma app desenvolvida para esse efeito, percebemos que os consumidores só fazem mais exercício quando a marca tem valores congruentes com a atividade, o que só resulta para a marca relacionada com o desporto, e gera resultados pouco representativos para marcas de fast food.
Pela nossa observação, em diversos países, incluindo Portugal, os consumidores estão cada vez mais atentos às suas relações com as marcas, e não aceitam qualquer comunicação que não seja autêntica, próxima, mas também respeitando os limites de cada consumidor (privacidade, saúde, produtos de excelência).
Qual será o próximo passo nesta relação? O futuro certamente nos dirá, mas deverá passar por uma forte componente de interação tecnológica e de proximidade, e a somar a isso, os desafios de se humanizar a tecnologia, mas sem ultrapassar algo que podemos chamar as linhas vermelhas do relacionamento entre marcas e consumidores: a autonomia e a privacidade.
Este artigo foi publicado na edição de verão da revista Líder. Subscreva a Líder AQUI