No dia 12 janeiro, o Conselho de Ministros aprovou o questionário de verificação prévia, com 36 perguntas, a preencher por convidados para ministros ou secretários de Estado.
E agora, como sabemos que essas são as pessoas certas para trabalhar na causa pública?
Qual o significado de confiança política, mérito, competências e características de personalidade quando se trata da escolha de um líder?
Responder a 36 perguntas, antes de ser recrutado, permite assegurar aquilo que se pretende?
A Líder colocou este desafio a diversas personalidades e Mário Ceitil, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APG (Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas), responde.
A pessoa certa para o lugar certo: “the great choice” ou uma miragem pós – moderna?
Em resposta à questão, ou questões, colocadas pela Revista Líder, começaria por afirmar que, na minha perspetiva, numa sociedade cujas características têm vindo a ser definidas pelo já famoso acrónimo de “FANI”, na versão portuguesa (Frágil, Ansiosa, Não Linear e Incompreensível), será muito difícil, se não impossível, tomarmos decisões importantes e de grande relevância estratégica em que consigamos ter a certeza de serem “100% certas”.
E se isto é difícil mesmo em situações em que temos estudos apurados e em grande quantidade para nos protegermos da ambiguidade da dúvida, mais difícil ainda se torna quando a questão que se coloca á a de encontrar a “pessoa certa, para o lugar certo”.
Conhecemos esta frase de outras épocas, em que certos modelos organizacionais, inspirados nos paradigmas racionalistas (ex. Taylorismo), pretendiam reduzir os fenómenos sociais e organizacionais a equações simples que, no fundo, só eram simples porque ignoravam, mesmo intencionalmente, um conjunto muito diversificado de variáveis que, a serem consideradas, conduziriam inevitavelmente a uma perversão dessa alegada simplicidade.
Nessa altura, ou de acordo com esses modelos, era desejável, e considerado possível, definir um perfil de pessoa, a partir das suas capacidades, qualificações e algumas características pessoais que se supunha serem inalteráveis, e “encaixar” esse perfil num outro, também definido de forma supostamente rigorosa e “científica”, a que se dava (e se dá ainda) a designação de “perfil funcional”. Acreditava-se, então, que os dois perfis, se fossem “cientificamente” definidos, produziriam um “match” quase perfeito que, de acordo com as ideias da época, poderiam mesmo superar a difícil prova da longevidade.
Passados muitos anos, e apesar de hoje criticarmos os modelos inspirados nesses paradigmas, ainda existem muitas práticas organizacionais e sociais que insistem nessa miragem de que será possível encontrar esse “graal” da racionalidade, se , alegadamente, fizermos tudo “certinho” ou, como também se diz “como manda a lei”.
Ora, relativamente à questão colocada por esta Revista, no contexto da escolha de pessoas para desempenharem cargos políticos, e como esses cargos são, por inerência, extremamente complexos e os seus ocupantes enfrentam um jogo de variáveis de enorme diversidade e imprevisibilidade, o que acontece é que as condições de exercício desses cargos são sempre difusas e voláteis, porque a realidade política, sobretudo em sociedades democráticas, abertas e em contextos de grande incerteza, está constantemente a mudar, pelo que os seus protagonistas, sobretudo os de maior responsabilidade, se veem permanente confrontados com novos e inesperados desafios que, por serem inesperados, não estavam à partida, como é óbvio, rigorosamente definidos nos “perfis funcionais”.
Dito isto, e respondendo diretamente a uma das perguntas formuladas pela Líder, julgo que só poderemos, em definitivo, saber se os responsáveis que trabalham na “causa pública são de facto as “pessoas certas” … depois de eles terem demonstrado que o são. Mas isto não acontece só nos domínios da administração pública, já que o mesmo se passa na generalidade das empresas, em que os altos responsáveis só são considerados, ou não, gestores de sucesso, após terem realizado atos que os permitam qualificar.
Este é, aliás, um dos apanágios, e um dos grandes desafios que qualquer líder enfrenta: é que, simplesmente, ninguém é líder apenas porque quer, mas porque a sua liderança é reconhecida por outros.
Apesar desta aleatoriedade, há, no entanto, algo que podemos de facto fazer, no sentido de aumentar a validade preditiva nos processos de escolha de um líder, seja ele responsável público ou empresarial.
Desde logo , partirmos de uma ideia simples, na sua formulação, mas complexa na sua substância: Para funções ou cargos que sejam, por definição, de grande efeito multiplicador, porque os atos praticados no seu exercício afetam muito, muita gente, mas que ao mesmo tempo sejam exercidos em terreno movediço e potencialmente desestruturado e desestruturante, a primeira e mais importante característica que se exige de um líder á que seja, ele próprio, uma pessoa bem estruturada e com uma grande firmeza de carácter para não se deixar enredar em situações dúbias ou tornar-se vulnerável a influências que o podem conduzir a práticas menos éticas.
A integridade pessoal é, hoje, considerado o elemento mais poderoso do ascendente de um líder; e um líder, num serviço público, onde é responsável por decisões que afetam muitos milhares, ou até, milhões de pessoas, tem de, sobretudo e acima de tudo, exercer a sua liderança pelo valor do exemplo.
Inúmeros modelos académicos de liderança são hoje unânimes em considerar que o CARÁTER e a COMPETÊNCIA, constituem as bases de uma boa liderança. Mas em funções de enorme visibilidade e responsabilidade pública, o Caráter prevalece.
Por isso, e respondendo à última pergunta, assinalarei que, embora um questionário de 36 perguntas nunca consiga ser suficiente para garantir a confiabilidade de uma pessoa para desempenhar um cargo político, ele pode, pelo menos, servir como um sinal, sobretudo para aqueles que, obnubilados pela ambição, se esqueçam de uma coisa que, embora seja uma máxima muito antiga, continua a prevalecer enquanto sustentáculo da substância mais profunda do que é ser líder: é que, para ser um grande líder, é preciso ser um grande ser humano.