A gestão da “coisa pública” requer capacidade para alcançar compromissos. Essa competência emerge de dois desafios. Primeiro: são múltiplos os legítimos interesses presentes numa sociedade livre e plural. Segundo: mesmo quando prosseguem um mesmo objetivo, diferentes atores políticos perfilham políticas muito diferenciadas. Políticos com alma autocrática têm dificuldade em respeitar essa complexidade. Propõem soluções perentórias e simples para problemas complexos. Arrogam-se o papel de arautos da “seriedade” enquanto criticam os “outros” políticos que pugnam por compromissos e estão dispostos a mudar de posição quando necessário.
É verdade que alguns políticos atuam de modo gelatinoso e como cataventos oportunistas. Mas importa reconhecer que bons e bem-intencionados políticos, dotados de caráter, dialogam com adversários, respeitam os interesses minoritários, fazem cedências e pugnam por compromissos. Essa flexibilidade não os torna menos honestos. Numa democracia saudável, a ação dos líderes políticos está regulada pela Constituição e a separação de poderes. Políticos com desejos “fazedores” podem ver os seus intuitos, mesmo os mais virtuosos, limitados por esse quadro regulador. Daí pode decorrer a lentidão na tomada de decisão, e algumas medidas com potencial benéfico podem ter de ser abandonadas ou alteradas. Mas esses são os custos de viver numa democracia constitucional liberal – que cuida do interesse geral, incluindo o das minorias.
Estas particularidades são bastante menos vincadas na liderança da vida empresarial. Nesta, o sucesso, os resultados financeiros e a prossecução dos interesses dos acionistas tendem a prevalecer sobre objetivos sociais. Decisões arriscadas e audaciosas podem gerar estrondoso sucesso – mas também grandes fracassos. Em geral, não é o interesse geral que está em jogo. Naturalmente, nas empresas saudáveis, os líderes também veem o seu poder limitado por um sistema de freios e contrapesos destinado a evitar abusos de poder e decisões perigosas. Além disso, cada vez mais se enfatiza a necessidade de cuidar dos interesses de vários stakeholders. Mas, em última instância, é o interesse acionista que prevalece nas decisões dos gestores. Que o diga Emnanuel Faber – “dispensado” do seu papel de CEO da Danone por, alegadamente, ser demasiado inclinado para a vertente social em detrimento dos interesses dos acionistas.
A compreensão destas diferenças é fundamental para não abraçarmos acriticamente a ideia de que bons líderes de negócios serão, automaticamente, bons líderes políticos. Ainda que ambos os mundos requeiram tenacidade, ambição, visão, autoconfiança, competências de comunicação e capacidade de lidar com o stresse, a gestão pública apela a competências particulares. De um líder político requer-se ambição – para servir o país, não para prosseguir o sucesso pessoal. Exige-se-lhe o respeito pelo quadro institucional e a humildade para compreender que não basta dar ordens para que os “súbditos” obedeçam.
Os líderes desses dois mundos podem aprender mutuamente. Mas a ideia de que o sucesso no mundo empresarial é passaporte para liderar eficazmente a vida política é perigosa. O sucesso trazido da vida empresarial pode tornar o líder arrogante – incapaz de respeitar os freios e contrapesos constitucionais, e inepto na gestão dos equilíbrios de poder e na busca de compromissos que requerem humildade, adaptabilidade e paciência. Há outro perigo: o apregoado sucesso esconde, por vezes, uma realidade mais sombria. Trump insufla as suas credenciais políticas com um alegado sucesso empresarial (que, nele, é sempre superlativo).
Mas do seu currículo constam seis bancarrotas. O seu “amigo” Elon Musk, rotulado como o epítome do sucesso empresarial, já esteve na “penúria” e prestes a vender a Tesla, para salvá-la. As suas empresas têm beneficiado amplamente de apoio público. Ricardo Salgado, que já foi DDT e se atribuía uma presumida sabedoria para aconselhar políticos em prol do interesse geral, deu no que se sabe. Portanto, em vez de simplesmente recorrer a pergaminhos empresariais para atribuir potenciais competências políticas, conviria prestar atenção à realidade.
Não tenho dúvidas de que um bom gestor empresarial pode vir a ser um bom líder político (e vice-versa). Mas o facto de alguém ter sido um bom gestor não garante que esteja capacitado para ser um bom líder político. Termino com uma alusão a Abraham Lincoln, um dos meus líderes “inspiradores”. Considerado por muitos historiadores (e pelo “voto” popular) como o melhor presidente de sempre dos EUA, o 16º Presidente havia sido um advogado mediano. Comprou um armazém que acabou por falir.
O que o tornou excecional, como presidente, foi uma combinação de tenacidade, autoconfiança, generosidade, empatia, humildade, curiosidade e integridade. Não se rodeou de sicofantas bajuladores, antes convidou para o governo os seus rivais políticos. Para que líderes com esse caráter possam fazer o seu caminho na vida política, é necessário que todos nós, liderados e cidadãos, os escolhamos – em vez de simplesmente nos deslumbrarmos com soluções milagrosas propostas por lideranças híper-narcisistas, desprovidas de empatia e maquiavélicas.