Recentemente foi publicado o World Inequality Report 2022. Nele é possível ver algumas estatísticas que podem chocar. As pessoas que se encontram no top 10% da distribuição mundial de riqueza, detêm em conjunto 76% da riqueza e 52% do rendimento mundial, ao passo que a metade da população mundial mais pobre, detém apenas 2% da riqueza. No ano que passou, o rendimento médio dos 10% mais ricos foi cerca de 38 vezes superior ao rendimento médio dos 50% mais pobres. Em 1820 era de “apenas” 18 vezes.
Estes e muitos outros números parecem sugerir que desde as revoluções industriais e mais recentemente com a globalização, o aumento das desigualdades parece não parar, concentrando cada vez mais riqueza em cada vez menos pessoas, levando a sustentabilidade da coesão social ao limite. Os movimentos populistas têm-se multiplicado nos últimos 40 anos e existe a perceção no ar que nunca as sociedades estiveram tão polarizadas. Isto parece sugerir que o capitalismo desenfreado para qual a humanidade acordou, após milénios de servidão e feudalismo, é insustentável e conduzirá necessariamente à revolução, como Marx profetizou, e ao comunismo.
Mas da mesma maneira que há muitas maneiras de esfolar um gato (que me perdoe o PAN pelo ditado popular, é meramente metafórico), também há muitas maneiras de mostrar estes números. Em primeiro lugar, é bom lembrar que o período após 1820 terá sido, de longe, o mais bem-sucedido período da história da humanidade. Em 1820 apenas seis pessoas em cem não viviam em pobreza extrema. Hoje, apenas 10% da população mundial pode ser incluída nessa categoria. Passamos de 12 para 85 na percentagem da população que sabe ler e a mortalidade infantil até aos cinco anos é agora 10 vezes inferior. A esperança média de vida global passou de 29 para 71 anos. E mesmo os números anteriores também devem ser tidos em contexto. Se é verdade que o rendimento médio dos 10% mais ricos relativamente à mediana aumentou de 18 para 38 vezes, é também verdade que se encontra no nível mais baixo desde o fim do século XIX, numa tendência de descida desde 1980, precisamente desde o arranque da globalização. Não há dúvidas nenhumas que o capitalismo e a globalização têm sido as forças dominantes de processos que tiraram biliões de pessoas da pobreza, aumentaram a esperança de vida e trouxeram a democratização do conhecimento e até das sociedades – hoje, 56% da população mundial vive em democracia, contra apenas 1% em 1820.
Isto é importante porque o debate sobre capitalismo e desigualdades é muitas vezes enquadrado numa inevitabilidade histórica de tendência para a insustentabilidade social que levará à revolução. Mas é fundamental ser preciso sobre o que falamos e neste caso, contexto é tudo. Os aumentos de desigualdade que põe em questão a coesão social são um fenómeno relativamente recente e focados no contexto das sociedades ricas ocidentais. Assentes em avanços das tecnologias de comunicação, transporte e informação, a automação e o off-shoring fizeram com que as classes médias destes países perdessem terreno face ao topo da distribuição. Isto tem alimentado muito do populismo emergente nas sociedades ocidentais desde a década de 80 e teme-se que a recente crise pandémica venha acelerar ainda mais o processo.
Mas a resposta para estes novos desafios não pode estar assente na tentativa de inversão de tendências inabaláveis.
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Por Pedro Brinca, Professor Auxiliar da Nova School of Business and Economics