Um artigo recente, publicado na revista Forbes, apresentava um conceito muito relevante quando se pensa na Gestão dos Recursos Humanos da atualidade. Para fazer face aos desafios atuais, a ideia central seria a de criar um cargo de Diretor(a) para a Longevidade (em inglês Chief Longevity Officer (CLO)), que pudesse refletir, de forma dedicada, sobre todas as questões relacionadas com este tópico. Do mesmo modo, poderia ser interessante também contratar estes serviços a outras empresas, especificamente especializadas neste tipo de intervenção.
Neste momento, não poderia concordar mais com esta ideia e, já tenho vindo a defender, desde há muitos anos, que o foco na longevidade merece um destaque especial no seu tratamento, dadas as implicações abrangentes que tem para a nossa sociedade e para as vidas de cada um de nós. Penso que já todos sabemos que Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo e da Europa e que esta situação coloca desafios importantes para o desenvolvimento económico do nosso país. Neste sentido, tenho um apreço especial por uma frase incluída no relatório “Active Ageing: a policy framework in response to the longevity revolution” do International Longevity Centre (ICL). A frase é a seguinte: “A vida está a tornar-se muito mais uma maratona do que um sprint. Temos de nos preparar para o longo curso”.
A esperança média de vida aumentou muito ao longo dos anos. De acordo com dados da OCDE, enquanto uma pessoa portuguesa nascida em 1920 poderia esperar viver em média 36 anos, em 2021 esta mesma pessoa poderia esperar viver até aos 81 anos. Este é um ganho notável, resultado dos esforços realizados em sociedades cada vez mais desenvolvidas. No entanto, constitui também uma revolução e, deve ser tratada como tal. É preciso mudar.
Correr uma maratona implica uma mentalidade diferente e de planeamento a longo prazo. Infelizmente não sou maratonista, mas imagino que correr uma maratona implique saber chegar à meta, a que velocidade andar no percurso e quando abrandar. Parece também haver mais vantagens em correr maratonas do que sprints, já que um trabalho publicado noutro relatório do ICL indicava que os maratonistas vivem mais anos do que os corredores de sprint.
Um líder para a longevidade pode ter um lugar de um treinador, que promove uma visão de longo prazo e reflete sobre o envelhecimento saudável dos seus clientes e daqueles que trabalham consigo. Acredito que apenas assim será possível garantir o sucesso e a longevidade também de um outro ator fundamental: a da própria empresa.
Felizmente, neste momento, não estou sozinha na ideia de que a visão de longo prazo nas organizações é prioritária. Num trabalho científico inovador e recente, os gurus da gestão Ikujiru Nonaka e Hirotaka Takeushi refletem sobre a necessidade de humanizar as estratégias das empresas e orientá-las mais para o futuro.
No ambiente dinâmico que vivemos atualmente, caraterizado pela fragilidade (brittle), ansiedade (anxious), não-linearidade (non-linear) e incompreensibilidade (incomprehensible) (em inglês, o BANI world), as empresas apenas resistirão se adotarem estratégias diferentes, inspiradas e inspiradoras de novas ideias, indo ao encontro de uma ideia fundamental: a de criarem futuros melhores e maximizarem o bem comum. Estratégias reativas, que respondem apenas a necessidades atuais, ditadas pela análise de grandes volumes de dados (i.e., Big Data), sem criação de verdadeiro valor para as pessoas e para as sociedades, dificilmente resistirão no longo prazo. Surge assim o conceito de estratégias inside-out, onde as práticas organizacionais devem ser primeiramente guiadas pelas ideias e intuições dos seus líderes para o futuro. Estamos na época em que as organizações se querem sábias (wise companies), no sentido em que devem saber aplicar de forma refletida e integrada o seu conhecimento para criarem as melhores soluções sociais.
Esta sabedoria prática, no contexto em que vivemos, traz consequências interessantes. Em primeiro lugar, as empresas tenderão cada vez mais a compreender que vivemos num mundo diferente, onde as pessoas vivem muito mais tempo e onde são precisas novas ideias. Por exemplo, quando for mais velha gostava de ir às lojas e encontrar bangalas verde-alface e com um design moderno! A geração das pessoas mais velhas de hoje exige uma resposta diferente (por exemplo, adereços de apoio ao envelhecimento mais criativos e acessíveis).
Este pode parecer um detalhe, e mesmo uma caricatura, mas na realidade revela uma mudança grande na representação do envelhecimento e das pessoas mais velhas. Não são só as pessoas mais jovens que gostam de verde-alface e nem todas as pessoas mais velhas gostam de cinzento (que é a cor habitual deste tipo de adereços).
Uma organização sábia, orientada para a longevidade, tem também uma forma diferente de ver as pessoas que para ela trabalham. Uma vida de 100 anos não é o mesmo que uma vida de 60. Neste sentido, o que fazer com tantos anos de vida e que implicações tem esta realidade para as práticas organizacionais?
Em primeiro lugar, uma liderança orientada para a longevidade pode ter um papel importante a apoiar os trabalhadores no seu design de vida (life-design). O modelo de três estádios de vida – educação, emprego e reforma – está desatualizado. Cada vez mais a vida é composta por diferentes períodos, que se articulam. Por exemplo, a aprendizagem ao longo da vida é uma necessidade importante de atualização de conhecimentos, misturando períodos de trabalho com educação.
Do mesmo modo, é importante planear de forma cuidada a forma como conciliamos o trabalho e as responsabilidades familiares. Ainda, e não menos importante, é preciso pensar que, no mundo em que vivemos atualmente dificilmente as pessoas têm carreiras na mesma organização por toda a vida. Têm uma sequência de posições em diferentes empresas e, por vezes, até em diferentes setores de atividade. Alguém que ajude no design da vida e da carreira, por forma a manter um sentido de identidade e coerência no percurso, pode assumir um papel central.
Em segundo lugar, é preciso garantir que vivemos da melhor forma o acréscimo de anos de vida. E aí as organizações podem ter um papel fundamental, promovendo práticas de promoção da saúde. Um líder para longevidade também aqui poderá ter um papel, no sentido de promover o envelhecimento ativo e saudável o mais cedo possível. Basta pensar nas necessidades acrescidas ao nível da saúde mental e níveis de burnout dos trabalhadores, após a pandemia COVID 19, para compreendermos a importância deste tipo de medidas.
Finalmente, uma organização sábia, intrinsecamente, tenderá também a valorizar as pessoas de diferentes idades. Neste tipo de organizações, a sabedoria poderá ser cultivada através da promoção de relações intergeracionais criativas, onde os mais jovens e os mais velhos trabalhem lado a lado, na descoberta das melhores soluções.
Com todos estes argumentos espero ter demonstrado que a orientação para a longevidade não é apenas uma moda ou um capricho do momento (seria contraditório…). Ela corresponde a uma mudança de paradigma absolutamente necessária e muito desejada por aqueles que acreditam na ideia de um futuro melhor para as nossas sociedades.
Este artigo foi publicado na edição de verão da revista Líder.