“Aquilo que poderia ser, no máximo, perder uma hora por dia para ir e vir para o local de trabalho, não é a realidade: provavelmente estamos a falar do dobro ou triplo desse tempo”. Carlos Gaivoto, diretor do departamento de planeamento da Carris, alerta para uma realidade pós-pandémica em que, apesar de as deslocações para o local de trabalho terem sido reduzidas, a necessidade de haver cidades mais acessíveis é mais premente que nunca.
O desafio das cidades sustentáveis e possíveis soluções, serviu de base para a conversa entre Carlos Gaivoto, Alexandra Paio, investigadora e professora de Arquitetura e Urbanismo no ISCTE-IUL, Zélia Clemente, Técnica Superior de Desenvolvimento Organizacional da EGEAC e Carlos David, diretor de desenvolvimento da Nhood Portugal.
O painel “A conciliação como base para a organização de cidades sustentáveis” foi parte do programa da 17ª edição da Semana da Responsabilidade Social da APEE e contou com a moderação de Mário Parra da Silva, presidente da instituição.
Uma questão de transportes? Também, mas não só
O diagnóstico está descrito há muito tempo, mas as soluções são muito divergentes, e não há uma fórmula correta. As cidades têm muita diversidade em si, e é difícil chegar a todas as frentes. “Precisamos de resolver e ter como solução, por exemplo, diminuir as distâncias percorridas, e, portanto, significa que haverá até uma redução da mobilidade – como aliás foi referido na COP27”, afirma Gaivoto.
Para encurtar as distâncias, foi revelado por parte do governo, no Plano Ferroviário Nacional, uma aposta na melhoria de ligações dentro da Área metropolitana de Lisboa, fazendo com que, até 2050, Lisboa fique a 30 minutos de comboio de Loures e Setúbal.
A cidade dos 15 minutos – uma utopia?
“Com o confinamento fomos obrigados a ficar em casa, a ficar no nosso bairro, e fomos obrigados a pensar no espaço público que está à nossa volta – é o único que nos está acessível. Por isso voltámos a falar da cidade de 15 minutos, um tópico muito importante que já tinha sido testado no bairro de Alvalade.”, acrescenta Alexandra Paio.
O conceito de cidade de 15 minutos baseia-se na capacidade de uma pessoa conseguir percorrer a pé, ou de bicicleta, uma distância de 800 metros a 1 quilómetro e encontrar à sua volta espaços verdes, escolas, comércio e espaços coletivos que são importantes para a conciliação da cidade.
Jovens terão de repensar os processos de habitação
“Foi-nos vendido o sonho da propriedade. Toda a gente da minha geração tinha de ter uma carro e uma casa que seja sua, para ter a independência. Eu acho que este paradigma está a mudar, e são as gerações que o estão a fazer: a Gen. Z não quer ser proprietária, quer ter mobilidade.”, vaticina Carlos David, da Nhood, uma organização que se responsabiliza pelo desenvolvimento da plataforma imobiliária.
A temática da habitação para jovens é incontornável, dado o contexto imobiliário presente, que resulta na saída de casa dos pais em média aos 30 anos, de acordo com dados da Eurostat.
“O nosso país construiu planos diretores municipais para ter 80 milhões de habitantes, e nós temos 10, a tender para os nove milhões.”
Hoje há muitos imóveis vazios, uma grande descentralização da densidade construída inversa às necessidades das pessoas, o que tem levado às alternativas de co-habitação.
“Os Millennials não querem habitar o tempo todo na cidade, têm uma visão bem mais longa e fragmentada – não pensam que vão casar, ter filhos, e fixar-se numa casa em Lisboa. Para eles, estar associados a uma casa não faz sentido”, comenta a investigadora no ISCTE.
Zélia Clemente mencionou ainda a valorização do espaço da habitação que se deu com a pandemia, em que a varanda, as janelas e os espaços comuns foram essenciais. “Virámo-nos muito para o não descartar, não produzir lixo, e passámos a olhar para as casas e ver o que se pode melhorar, a fazer obras e reabilitações.”