As vendas de produtos de consumo rápido desaceleraram significativamente na fase em que estivemos fechados em casa em quarentena. Mas a fase anterior tinha sido de grande euforia nas compras o que deu um forte impulso ao crescimento das vendas de FMCG (Fast Moving Consuming Goods), ou seja, produtos de grande consumo que se vendem rápido e geralmente a baixo preço.
Esse foi o momento em que as pessoas compravam muito para armazenar em casa numa atitude de se prepararem para o pior no caso de não poderem sair para adquirir e os produtos estarem esgotados dada a alta procura.
Na fase “novo normal”, ou seja, após a pandemia, o consumo mantém valores mais elevados do que em período homólogo, segundo revela o “COVIDisruption: O novo caminho do consumidor”, um relatório da empresa de estudos de mercado Nielson que avaliou o modo como a pandemia COVID-19 impactou o consumo de FMCG em Portugal.
As vendas durante o período de maior impacto da COVID-19 mostraram-se muito menos assentes na pressão promocional – esta tinha vindo a crescer e totalizava quase 50% de todo o valor gerado em FMCG no final do ano passado, lê-se no estudo da Nielsen, uma empresa S&P 500, presente em mais de 100 países, cobrindo mais de 90% da população mundial.
Cestas reformuladas e canais diferenciados
Se durante a fase de quarentena a tendência foi de compra de mais itens e em maior quantidade, na realidade atual os consumidores parecem querer continuar a estar menos presentes em loja, compensando este menor número de atos de compra com cestas mais cheias (acima dos 30 itens) e um aumento do seu valor comparativamente ao período pré-COVID.
A escolha de loja é mais focada e os consumidores procuram agora fazer as suas compras em duas ou três lojas. Ao longo das várias fases – pré-COVID, armazenamento, quarentena, “novo normal” – cada canal teve o seu propósito: Supers Grandes e Hipers destacaram-se na procura de armazenamento e Livre-Serviços responderam à procura de proximidade durante a quarentena. A proximidade é, hoje, um fator mais premente do que antes da COVID-19, mas estamos novamente mais presentes nos Hipers e Supers Grandes.
Num recuo face ao que aconteceu na época de armazenamento e quarentena, as marcas de distribuição perdem espaço no “novo normal”, uma tendência impactada pela recuperação mais acelerada da pressão promocional entre as marcas de fabricantes face às marcas de distribuição.
A necessidade de lidar com a exigência de confinamento originou novas necessidades entre os consumidores. Como explica Vera Gonçalves, Senior Client consultant da Nielsen, “se numa primeira fase a obrigação de permanecer em casa fez com que procurássemos produtos que nos permitissem assegurar a preocupação com o armazenamento, passámos depois a tentar desfrutar do tempo passado em casa. Esta mudança encontra-se refletida numa tentativa de criar momentos de lazer e partilha principalmente visível na cozinha, assegurando a socialização em família através do transporte de momentos e experiências geralmente realizados no exterior para dentro do lar”.
Comparando o Top 20 dos produtos de FMGC que mais cresceram em 2019 com o mesmo Top este ano, se no passado o destaque ia para os snacks e pela procura da conveniência, neste momento assistimos ao ganho de importância dos produtos complementares na confeção de refeições, da reinvenção e novo alcance de categorias maduras – exemplo da farinha e do açúcar, bem como de comida e bebidas para consumir em casa.
Estilos de vida reajustados a um novo contexto
Neste contexto de mudança e adaptação, os consumidores procuram reequilibrar os seus estilos de vida, uma reorientação que obrigará marcas e retalhistas a procurarem novas oportunidades. O consumo em casa foi conduzido por distintas necessidades. Exemplo desse equilíbrio está na relevância do fator “preço” para os produtos básicos e dos benefícios e da experiência associados aos produtos premium, principalmente para categorias de socialização (habitualmente muito consumidas fora de casa), que foram altamente impactadas no consumo fora do lar e agora precisam de se reinventar, criando novos momentos de consumo dentro dos lares.
Exemplo também de dinâmicas reforçadas neste período de impacto da COVID-19 é a realidade constatada no cuidado pessoal, que perdeu espaço em casa. Existem, contudo, oportunidades para produtos que permitam realizar procedimentos estéticos que antes teriam lugar em cabeleireiros e barbearias e para responder a uma procura acrescida pelo “do it yourself”, seja por uma questão de redução de gastos ou pelo receio de frequentar espaços comerciais.
Como aponta Lahna Barbosa, senior Panel Consultant da Nielsen, “é expectável que o comportamento do consumidor mude no futuro e a sua resposta à crise poderá ser maior ou menor de acordo com os impactos que sofrem nos seus rendimentos. Mas, de forma geral, vamos encontrar um consumidor mais preocupado em reajustar os seus gastos, baseando as suas escolhas em novos mecanismos de preço, um consumidor que prioriza e é orientado por valores diferentes do passado. Tudo isto vai impactar as suas escolhas de lojas, de marcas e, claro, a sua cesta de compras”.
Esta procura por soluções de consumo alternativas é visível no papel do Cash & Carry, que se tornou uma opção durante a pandemia, especialmente para famílias de maior dimensão e com a capacidade financeira para comportar um valor de compra mais elevado. As ocasiões de compras neste canal aumentaram mais de 500% e a penetração do mesmo duplicou face ao ano anterior, segundo a Nielsen.
Novos valores e abertura a soluções alternativas
Os valores também se modificaram com base nesta experiência recente das famílias. A capacidade de adaptação e a resposta a novas prioridades vão fazer parte do futuro, a par de preocupações com a tecnologia e a saúde e o bem-estar.
João Otávio, Client Development manager da Nielsen, explica que “vão conquistar importância os momentos de consumo em casa, a procura por retalhistas com a capacidade de entrega ao domicílio – com destaque para produtos biológicos e frescos, que crescem a oferta no online em Portugal – e a possibilidade de comunicar diretamente com os consumidores através de canais digitais.”
A questão do online ganha relevância, com os consumidores a tornarem-se mais digitais e este canal a conquistar expressão num leque mais alargado de consumidores. Constata-se a entrada do público sénior nas compras online, com maior representatividade em comparação com o ano passado, o que leva a crer que a idade do consumidor já pode representar uma menor barreira para o crescimento do canal em Portugal.