Hoje assinala-se o Dia Mundial da Arte, uma data destinada a reforçar os laços entre as criações artísticas e a sociedade. Conforme descrito pela ONU, este dia pretende incentivar uma maior consciência da diversidade das expressões artísticas e realçar o contributo dos artistas para o desenvolvimento sustentável.
A partir deste desafio, a Líder quer reunir e divulgar as obras preferidas dos curadores e responsáveis pelos principais Museus portugueses. António Filipe Pimentel, Diretor do Museu Calouste Gulbenkian, é o primeiro a responder ao desafio.
Qual o nome da obra que escolheu?
Figura de Ancião
Quem é o autor?
Rembrandt Harmenzoon van Rijn, Holanda 1645
Como a descreve?
Entre as várias representações do mesmo tema é esta, decerto, a mais monumental: não apenas pelas dimensões físicas (hoje de resto reduzidas), mas pela melancolia dessa intensa nobreza e suave severidade que Gulbenkian reconheceria. É ela, com efeito, que nos toca e comove, persistentemente, três séculos volvidos, na sua espessura a um tempo física e mental. Tem tudo, pois, para constituir o centro da vasta e notável pinacoteca reunida pelo Colecionador.
Mesmo sabendo hoje que se trata de um tronie (representação arquetípica, em que o pintor se comprazia), por natureza replicável, esse Ancião, que olhamos e não nos fita, alheado da contemplação interior do Tempo, tem a veracidade intrínseca de um retrato (que também obviamente é). As suas rugas, onde o pintor concentraria toda a luz, foram cavadas pela vida que viveu, a que o artista, desse modo, garantiria a Eternidade. E é esse verismo, genialmente captado, que converte Rembrandt num pintor singularmente moderno para cada geração – granjeando-lhe, assim, a própria Eternidade.
Porque escolheu esta peça e não outra?
Porque é, talvez, a que mais me impressiona em toda a coleção extraordinária reunida por Gulbenkian: pela sua modernidade e pela sua verdade intrínseca, enquanto figura arquetípica, mas também retrato profundamente humano que igualmente é. Produção genial de um génio absoluto, apenas sei dizer que quando a livraria Scala me convidou a participar na conhecida série “Directors Choice”, com uma austera seleção de 37 obras, esta foi a minha primeira e, durante muito tempo, solitária escolha. Por isso apenas não hesitei agora.
O que é para si a Arte?
Antes de mais, a arte é como uma linguagem paralela, codificada, onde se espelham as realidades de cada tempo, que os historiadores da Arte buscam, justamente, descodificar: nesse sentido, “Arte” é “Verdade”. Porém, no mundo em que trabalho, “Arte” é também sinónimo de “Beleza”.
Ora, a arte/beleza serve-nos para “respirar”; para (como lembrou João Paulo II na sua notável “Carta aos Artistas”) “dar entusiasmo ao trabalho”, por isso mesmo que o esforço de cada dia necessita dessa essencial respiração que a contemplação da beleza proporciona. Como dizia Calouste Gulbenkian, a arte serve para consolar-nos. E talvez fosse isso também o que Dostoevskij pretendia transmitir ao proclamar que “a beleza salvará o mundo”. Quero crer que sim.
Bio
António Filipe Pimentel é o Diretor do Museu Calouste Gulbenkian desde início de 2021, licenciado em História – variante de História da Arte (1985), mestre em História Cultural e Política da Época Moderna (1991) e doutor em História, especialidade de História da Arte, pela Universidade de Coimbra (2003).
É professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde exerceu as funções de Diretor do Instituto de História da Arte (2005-2009), que acumularia com as de Pró-Reitor do Património e Turismo (2007-2009). Em 2009-10 dirigiu o Museu Grão Vasco, em Viseu (2009-10) e, entre 2010 e 2019 assumiu as funções de Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa), a que correspondem igualmente as de Subdiretor-Geral do Património Cultural. Foi ainda coordenador científico da Candidatura da Universidade de Coimbra a Património da Humanidade UNESCO.
Galardoado com o Prémio Gulbenkian de História da Arte 1992/94 pela obra Arquitetura e Poder, o Real Edifício de Mafra, é académico correspondente nacional da Academia Nacional de Belas Artes, académico correspondente da Academia da Marinha, membro da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa e do Conselho de Administração da World Monuments Fund – Portugal.