O cenário geopolítico atual continua complexo, com três grandes potências em disputa: os Estados Unidos da América, a Rússia e a China. O que podemos esperar num futuro próximo? Conseguiremos chegar à paz, ou passaremos por uma Terceira Guerra Mundial primeiro? Em entrevista ao The Economist, Henry Kissinger, político, diplomata, e especialista em geopolítica, deu o seu insight.
A Ucrânia deve entrar para a NATO?
Um dos tópicos centrais abordados foi a possível adesão da Ucrânia à NATO. Kissinger observa que, dada a oposição da China à NATO e sua aliança com a Rússia, muitos países ocidentais podem relutar em apoiar essa medida.
Ressalta ainda que a China tem um interesse primordial em ver a Rússia emergir intacta da guerra na Ucrânia, devido à parceria estratégica entre Xi Jinping e Vladimir Putin.
Além disso, uma possível queda de Moscovo criaria um vácuo de poder na Ásia Central que poderia resultar a uma guerra civil semelhante à da Síria.
Kissinger acredita que a China pode estar a posicionar-se para mediar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, enfatizando que China e Rússia não são aliados naturais, apesar de partilharem a falta de confiança em relação aos Estados Unidos.
Destaca ainda que nunca encontrou “um líder russo que tenha falado bem da China”, assim como nunca encontrou um líder chinês que tenha falado bem da Rússia. Portanto, Kissinger argumenta que as relações entre os dois países são marcadas por uma desconfiança instintiva.
Quanto ao futuro da Rússia, Kissinger sugere que a China está a agir com base nos seus próprios interesses nacionais ao envolver-se diplomaticamente na questão da Ucrânia.
Embora a China não queira ver a destruição da Rússia, reconhece que a Ucrânia deve permanecer como um país independente e tem alertado contra o uso de armas nucleares.
Kissinger até sugere que a China pode aceitar o desejo da Ucrânia de ingressar na NATO como uma forma de evitar conflitos com os Estados Unidos.
“A China está a criar a sua própria ordem mundial, na medida do possível”, declara
E a Inteligência Artificial? Que papel tem no meio de tudo isto?
Kissinger adverte que “estamos apenas no início de uma marcha em que as máquinas podem causar pandemias globais ou outros tipos de destruição humana”, não apenas no campo nuclear, mas em qualquer campo.
Compara o potencial disruptivo da IA com a invenção da imprensa, que disseminou ideias que desempenharam um papel importante nas guerras devastadoras dos séculos XVI e XVII.
Kissinger reconhece que mesmo os especialistas em IA não sabem quais serão os seus poderes. No entanto, acredita que a Inteligência Artificial vai-se tornar um fator-chave na área da segurança dentro de cinco anos.
O diplomata defende a necessidade de um diálogo entre China e Estados Unidos sobre o impacto da tecnologia em cada país e a importância de dar fazer progressos para haver um maior controlo de armas, enfatizando que as negociações podem ajudar a construir confiança mútua e a confiança necessária para exercer a contenção.
Estados Unidos da América: os heróis do mundo?
No entanto, Kissinger aponta um problema para os Estados Unidos: a insistência em retratar todas as suas intervenções no estrangeiro como expressões do seu destino manifesto de remodelar o mundo à sua própria imagem, como uma sociedade livre, democrática e capitalista.
Muitas vezes, os princípios morais sobrepõem-se aos interesses nacionais, mesmo quando não resultam em mudanças desejáveis. Kissinger reconhece a importância dos direitos humanos, mas discorda que se deve colocá-los no cerne da política externa.
Ele destaca a diferença entre impor princípios morais e dizer que eles afetarão as relações, mas que a decisão final cabe a outros países. Ele usa o exemplo do Sudão, onde tentativas de impor esses princípios não produziram os resultados esperados.
O político argumenta que as pessoas que desejam usar o poder para mudar o mundo são frequentemente idealistas, embora os realistas sejam normalmente vistos como mais dispostos a usar a força.
E a paz, é possível?
Kissinger enfatiza a importância de equilibrar o poder entre as grandes potências para evitar conflitos militares, especialmente considerando a rivalidade entre China e Estados Unidos.
Acredita que é possível criar uma ordem mundial baseada em regras em que Europa, a China e a Índia possam participar, representando uma parte significativa da humanidade. Kissinger argumenta que é possível alcançar um fim satisfatório, ou pelo menos evitar uma catástrofe e progredir.
No entanto, destaca que essa tarefa recai sobre os líderes das superpotências atuais, que têm uma responsabilidade crucial. Precisam de ser realistas para enfrentar os perigos que estão por vir, ter visão para perceber que a solução reside em encontrar um equilíbrio entre as forças de seus países e ter contenção para não usar seus poderes ofensivos ao máximo.
“É um desafio sem precedentes e uma grande oportunidade”, garante.