Parece razoável supor que a melhor maneira de compreender a génese do sucesso é estudar as caraterísticas de quem o alcança. Essa é uma razão pela qual tantos analistas se preocupam em identificar os traços de titãs como Jeff Bezos, Elon Musk, ou Richard Branson – apenas para citar os que recentemente viajaram ao espaço. Se esses epítomes do sucesso são dotados de algumas caraterísticas, então serão elas que causam o sucesso. Certo? Não necessariamente! Essa análise apenas nos dá conta dos atributos dessas pessoas – mas não nos garante que esses atributos causam o sucesso. Uma forma mais correta de identificar as causas do sucesso seria comparar pessoas bem-sucedidas com outras que não o são. Se forem encontradas diferenças, é possível que o sucesso resulte das idiossincrasias de quem o obtém. Mas, enquanto a comparação não for feita, a nossa tese não passa de especulação, ainda que apelativa.
Se o argumento lhe parece idiota, pense no seguinte: há muitos líderes malsucedidos que são tão ou mais determinados e perseverantes do que outros bem-sucedidos. Portanto, resumir a explicação do sucesso à presença dessa garra é, no mínimo, precipitado. É, muitas vezes, wishful thinking – pensamento fantasioso. As causas do sucesso e do fracasso são múltiplas. As oportunidades ou a falta delas, o momento, assim como a sorte e o azar também jogam um papel crucial. Sabemos que as estrelas que brilharam nos jogos olímpicos de Tóquio são dotadas de grande estamina, enorme capacidade de trabalho, e abundante espírito de sacrifício. Mas essas qualidades também são apanágio de muitos outros atletas que não subiram ao pódio.
Não estou a subestimar a importância da “garra”. Pelo contrário: esse atributo é crucial e pode, até, ser mais importante do que o talento. Patrícia Mamona, antes de partir para Tóquio, foi convidada a explicar porque uma vez dissera “Sei que não tenho um talento especial” (revista E, jornal Expresso, 23 de julho). Eis a resposta: “Mas trabalho. As coisas demoraram a surgir, mas surgiram porque trabalhei, o que significa que qualquer pessoa tem capacidade. E não é só no atletismo, é em todas as áreas”. Portanto, a perseverança e o espírito de sacrifício são essenciais – mas insuficientes. Se queremos explicar o sucesso, temos que buscar outros fatores. A má notícia é que … não há fórmulas únicas. Se as houvesse, já teriam sido escritas. E quem as seguisse seria bem-sucedido. Mas há aqui um paradoxo insolúvel. Nas arenas competitivas, sejam as desportivas ou as empresariais, o pódio tem uma quantidade limitada de lugares. Portanto, apenas alguns dos que bebem a (putativa) fórmula do sucesso obtêm sucesso!
Regressando ao tema: se queremos identificar rigorosamente as causas do sucesso, não basta analisarmos os atributos de quem o alcança. Precisamos de comparar quem o atinge com quem não o obtém. Alguns estudos padecem dessa fragilidade. Focam-se em casos de sucesso – e eis que, alegadamente, a fórmula do êxito está encontrada. Mas tudo pode não passar de pensamento mágico. Portanto, esta aparente bizantinisse académica tem enormes implicações práticas. Se eu fizer uma intervenção em duas dezenas de equipas de uma empresa e os resultados dessas equipas melhorarem, isso não significa necessariamente que tenha sido a minha intervenção a causar esse efeito. Pode ter havido alterações na empresa, ou no contexto – e essas podem ser as causas do progresso nas equipas em que intervim. Pode até acontecer que, para se mostrarem briosos perante mim, os líderes dessas equipas mudam as suas atuações, sendo esta mudança que explica o progresso. Portanto, para que a minha tese tenha fundamento, conviria comparar as equipas em que intervim com equipas nas quais não houve intervenção – o grupo de controlo.
Este rigor ocupa tempo e tem custos financeiros e psicológicos, pelo que pode ser muito mais cómodo e lucrativo embrulhar o pensamento mágico em dados – e assim vender a tese de que está encontrada a fórmula de sucesso. Frequentemente, acreditamos naquilo em que queremos acreditar. E não nos é difícil encontrar dados que confirmam as nossas crenças. Mas, como diria um cientista de gema, o segredo da verdade está em procurar dados que não confirmam as nossas teses e achados. Se não estamos dispostos a prestar atenção à evidência que pode destruir a nossa tese ou “verdade”, então não é a verdade que procuramos – o que queremos é acreditar em algo que nos convém, persuadir os outros da nossa alegada razão, ou divertir as pessoas com histórias interessantes. O mundo da gestão, e o da liderança em particular, está repleto de belas histórias – com muitos fãs.
Por Arménio Rego, LEAD.Lab, Católica Porto Business School