A crise de acesso à habitação em Portugal, a ter alguma solução, nunca será fácil ou expedita. É um tema quente em diversas vertentes – política, social e jurídica – que não deixa ninguém indiferente. O melhor (ou o pior) é que também acaba por se relacionar com outros temas igualmente escaldantes tais como a imigração, a construção, a corrupção, a carga fiscal, etc…
Mas foquemo-nos na questão sob pena de dispersar o seu conteúdo. Muito já foi dito sobre as supostas soluções à crise habitacional em Portugal. O propósito deste artigo é perceber como se chegou a este ponto (pois só percebendo o passado encontraremos as soluções para o futuro), analisar superficialmente algumas das soluções propostas e perceber racionalmente quais são as soluções adequadas. Com sorte seremos originais e breves no conteúdo.
Analisando o tema de uma perspetiva macro, e tocando também (de uma forma inevitável) nos outros temas acima indicados, percebemos que: a) esta crise era inevitável e; b) dificilmente se irá “resolver”.
Inevitável por, entre outras, três razões que ocorrem de uma forma imediata: inflação galopante, falta(e os custos) da nova construção e o aumento exponencial de imigração.
Da inflação, sendo um problema transversal internacional, não nos iremos ocupar, podendo deixar para outro artigo os mecanismos adequados para absorver os seus impactos.
Os problemas do sector da Construção são uma realidade que transitaram, pelo menos, da década passada (senão antes, derivados da crise de 2008) e não foram atempadamente resolvidos. Da crónica falta de mão-de-obra que poderemos situar com o encerramento, na década passada, de diversas empresas de Construção e a consequente “fuga” da mão de obra, ao aumento exponencial do custo dos materiais de construção, seja pela inflação, seja pelo COVID ou pela guerra na Ucrânia – ou por todos eles cumulados -, a realidade da construção em Portugal é insuficiente para a procura. Resultado: as empresas de construção escolhem com quem trabalham e praticam preços de uma forma, muitas vezes, discricionária e absurda e, ano após ano, a “nova construção” tem vindo a diminuir.
A imigração até poderia ser um aspeto que seria, cumulativamente, um problema, mas também uma solução: os imigrantes poderiam retirar do mercado imóveis, mas muitos poderiam vir trabalhar no sector da construção. O que se passa, na realidade, é que os imigrantes vêm, na sua maioria, para colmatar carências em outros sectores que não o da construção (como o da restauração ou hospitalidade).
Aliando estes fatores a uma total inércia política, tivemos os ingredientes perfeitos para uma crise habitacional grave como a que hoje se vive em Portugal.
Dificilmente se irá resolver pois, e como se já consegue discernir, o problema é de oferta. E esta oferta não aumenta de um dia para o outro.
As primeiras soluções que se podem considerar mais intuitivas e conotadas como “de esquerda” são as ajudas, apoios, tetos nas rendas e utilização de imóveis devolutos.
As ajudas e os apoios são importantes, mas têm-se revelado insuficientes. O mercado adapta-se rapidamente e se são prestadas ajudas (como as ajudas ao pagamento do IMT e IS, créditos do estado, etc) os preços naturalmente sofrem o respetivo ajuste. Tetos nas rendas (ou nos respetivos aumentos) revela-se um autêntico “tiro no pé”: na prática retiram casas do mercado e apenas fazem aumentar o mercado paralelo ou a proliferação de outros mecanismos paralelos para o ajuste do preço pretendido. É tentar resolver o problema pela procura e não pela oferta e tal, tradicionalmente, não resulta.
Uma solução que poderia fazer algum sentido seria o da utilização de imóveis devolutos. Em qualquer rua de uma cidade em território nacional conseguimos, muitas vezes, identificar, prédios inteiros devolutos ou desocupados que poderiam ser disponibilizados ao mercado. O mecanismo da sua utilização (muito provavelmente através de uma expropriação) teria de ser, no entanto, cuidadosamente estruturado de forma a se compatibilizar com o atual Estado de Direito e poderia ser um processo algo moroso e dispendioso – considerando que também teria de existir algum tipo de obra de reabilitação nos Imóveis. Já se verificou que medidas como o agravamento do IMI para este tipo de imóveis não surtiu o efeito desejado, cumprindo apenas uma finalidade punitiva.
As soluções jurídicas recentemente apresentadas, apesar de importantes e de aplaudir, não “atacam” verdadeiramente o problema da falta de meios para construir. Falamos do infame “Simplex” que teria como objetivo o “aligeirar” dos processos de licenciamento e as próprias formalidades necessárias e inerentes às transações de imóveis. Foi e é um regime que ainda trouxe mais dúvidas do que certezas, pelo menos nesta fase, apesar de, como se referiu, importante. Sobre a nova “lei dos solos” que foi alvo de amplo mediatismo, voltamos à mesma questão: o problema não está na disponibilização de solos. Existem diversos terrenos nos perímetros urbanos perfeitamente utilizáveis sem recorrer a solos que não teriam essa apetência.
Uma solução imediata e que também foi amplamente discutida passa pelos incentivos à própria construção. Uma redução da carga fiscal, nomeadamente do IVA na construção, iria permitir uma redução direta no preço e poderia tornar viável uma série de projetos de reabilitação. Por outro lado, incentivos no IRC e IRS para as respetivas empresas e trabalhadores da área poderiam ajudar a atenuar alguns dos custos (que por sua vez se refletiriam no preço) e incentivar à abertura de novas empresas que permitissem equilibrar a oferta com a procura.
Incentivos ao denominado “Built to Rent” também poderiam ser importantes e interessantes, uma vez que, do ponto de vista dos promotores, não é tradicionalmente viável economicamente construir para arrendar.
Assim e reconhecendo que o tema em si é complexo e sem uma solução isolada, parece-nos que o sector da construção terá de ser devidamente visado e apoiado, o que até agora não o foi, e sendo este um óbvio fator preponderante. Apenas assim se conseguirá inverter esta tendência e se conseguirá, realmente, aumentar a oferta e disponibilizar mais imóveis no mercado.