Em 2012, tomei uma decisão que ampliou o horizonte da minha carreira: fui para a República Democrática do Congo (RDC). Fui para contribuir com toda a minha energia, dando continuidade, e também nova força, ao trabalho incrível e corajoso iniciado pelos meus pais há décadas, numa missão de conservação e gestão sustentável das florestas tropicais.
Foi também nesse ano que fundei a ONG Bana Congo, que atua diretamente com o projeto de nutrição levado a cabo pela empresa onde trabalho, a Société de Développement des Forêts (SODEFOR), que já salvou mais de 7000 crianças. Também contribuímos para a escolaridade de aproximadamente 300 crianças.
Com um mestrado em Engenharia Aeroespacial pelo Instituto Superior Técnico, formação exigente que me ensinou a resolver problemas complexos com rigor e criatividade, encontrei neste novo mundo não apenas uma aplicação direta da engenharia de sistemas, da modelação de dados e do uso de tecnologias avançadas, mas também uma necessidade profunda de humanismo, compreensão e resiliência. Tudo o que fazemos para proteger as florestas é hoje controlado por satélites, sensores remotos e ferramentas de alta precisão, que permitem monitorizar em tempo real a saúde dos ecossistemas e implementar ações sustentáveis no terreno.
No entanto, percebi rapidamente que sem tolerância, aceitação mútua e respeito pelas comunidades locais, nenhuma tecnologia é suficiente. A verdadeira sustentabilidade nasce da união entre inovação e humanidade e é essa fusão que permite que os projetos evoluam e tenham impacto real.
Na luta contra as alterações climáticas e a exclusão social, as escolhas que fazemos têm de ser inclusivas, interdisciplinares e intercontinentais. Projetos como o nosso mostram que é possível integrar ciência, arte e humanidade numa mesma missão.
Mudar o mundo com visão, empatia e propósito
A ligação entre engenharia aeroespacial e gestão florestal pode, à primeira vista, parecer improvável. Mas ambas exigem visão sistémica, precisão e capacidade de antecipar cenários futuros. A engenharia ensinou-me a pensar em escalas planetárias, a procurar soluções sustentáveis e a acreditar que o conhecimento técnico pode e deve ser colocado ao serviço da vida.
Desde pequena, fui educada a viver com empatia e igualdade, valores que moldaram profundamente a minha forma de estar no mundo. Acredito que o sentimento de liderança nasce connosco, mas é a empatia que lhe dá direção. Foi essa capacidade de me colocar no lugar do outro que me deu coragem para tomar esta decisão de vida. Claro que a coragem não foi só minha – o meu marido também foi um pilar essencial nesta aventura, e embarcámos juntos, com convicção!
Infelizmente, muitas das grandes decisões que moldaram a História foram tomadas sem empatia, não considerando adequadamente os contextos sociais e ambientais. O mesmo se verifica nas políticas globais sobre as alterações climáticas. Ainda prevalece a perceção de que proteger o planeta passa exclusivamente por preservar as florestas tropicais, nomeadamente, na República Democrática do Congo, como se fossem ecossistemas isolados da dinâmica humana e a última barreira contra os impactos ambientais acumulados. No entanto, essas regiões são habitadas por milhões de pessoas, cujas culturas, necessidades de desenvolvimento e direitos devem ser integrados nas estratégias de conservação.
Mais uma vez, decisões são tomadas à distância, sem escuta profunda, como se África fosse um território suspenso, chamado a preservar o que o resto do mundo ainda não conseguiu cuidar plenamente. É urgente que essas escolhas sejam feitas com espírito de continuidade e de diálogo sincero – e não com a lógica de descompasso que tem marcado a relação entre o Ocidente e o continente africano.
Quando a música é um compasso para mudar o mundo
A música, que estudo desde os cinco anos e que me acompanha como uma segunda linguagem, é parte integrante deste projeto desde o início. As neurociências comprovam o impacto positivo da música no desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças. Mas, mais do que isso, a música é uma linguagem universal que une culturas, gera confiança e promove a paz.
Com este propósito, foi criada uma escola de música que dava acesso gratuito a aulas de solfejo, coro, piano e guitarra. Em 2020 fui obrigada a sair de Nioki, na província de Mai Ndombe, onde a ONG Bana Congo começou, e vim viver para Kinshasa. Em Kinshasa ensino solfejo e piano e ainda dou aulas de coro a um grupo de 80 crianças.
As crianças que apoiamos são os decisores do futuro. Investir nelas é investir num mundo mais justo, mais consciente e mais unido. E esse futuro só será verdadeiramente próspero se incluir todos os países, não apenas os mais desenvolvidos. A colaboração entre o Ocidente e África deve ser baseada na escuta, na partilha de saberes e na cocriação de soluções. Não se trata de ajuda, mas de aliança.
Decidir abraçar esta missão foi, no fundo, uma forma de regressar ao essencial. De acreditar que o conhecimento só tem valor quando é colocado ao serviço da vida. E que, tal como na música, a beleza está na harmonia entre diferentes vozes – cada uma com o seu timbre, mas todas a tocar a mesma melodia: a de um futuro possível.
Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.


