Pelas piores razões, 2020 foi o ano que marcou definitivamente a presença da gestão de pessoas nos círculos das decisões estratégicas das empresas. Todos percebemos essas piores razões: migração repentina, e sem preparação, para o trabalho remoto; layoff; medidas de apoio ao emprego; despedimentos; tensões, instabilidade e o acentuar dos riscos psicossociais, … e tantos outros efeitos de um ano imprevisto e indesejado, mas que estamos paulatinamente a digerir e a aprender a viver com as limitações que nos impôs. Subitamente, a gestão de pessoas ganhou protagonismo e a oportunidade não se compadeceu com impreparados ou acanhados sem visão estratégica.
Sobretudo, o grande desafio atual da gestão de pessoas reside em conseguir dar resposta a um conjunto de paradoxos que não admitem indecisões, medos ou impreparados, mas que definitivamente a podem colocar numa dimensão estratégica, que reclama há tanto tempo. Poder-se-á dizer que o grande desafio da atualidade será resolver uma espécie de dissonância cognitiva entre o que é prioritário, sabendo que a outra dimensão não pode ser descurada, mas encontrando respostas rápidas, alinhadas e assertivas.
Alguns destes paradoxos:
- Assegurar a continuidade, mas preparar o futuro. Os modelos de trabalho mudaram definitivamente e a resposta à questão “que competências precisamos ter no futuro?” poderão passar por decisões sobre como preparar a atual estrutura para os desafios futuros, ou para a nova realidade. Que novas competências serão necessárias? Temo-las? Podem ser desenvolvidas/criadas?
- Apostar na segurança, no bem-estar e na saúde ou na ligação afetiva ao coletivo, à empresa e ao propósito da empresa. Nenhum dos dois âmbitos pode ser descurado, e o gestor de pessoas deverá ponderar a cada momento este equilíbrio, na certeza de que ambos terão de existir.
- Garantir o regular, mas apostar no diferenciador. Um conjunto de retornos regulares são fundamentais para garantir estabilidade e segurança aos trabalhadores (o salário, por exemplo), mas a diferenciação da organização far-se-á por aquilo que conseguir compor de benefícios, e pela sua adequação às verdadeiras necessidades das pessoas em cada momento.
- Gerir relacionamentos, mas em novos moldes. Nunca foram tão importantes as soft skills, e o gestor de pessoas deverá ser o guardião do seu papel na vida do coletivo. Mas, a pensá-las, não poderá alhear-se de novas variáveis que, direta ou indiretamente, vão condicionar os relacionamentos, quanto mais não seja pela reconfiguração das relações de trabalho que os cenários da pandemia acarretaram, por exemplo, o trabalho remoto.
- Garantir a continuidade, sendo catalisador da mudança. O gestor de pessoas terá definitivamente de compreender de que forma o negócio “manda”, e por isto terá de estar sempre com ele alinhado. Se o contexto “manda” o negócio mudar, este “mandará” na gestão de pessoas e esta mudança exige preparação, mas em paralelo, terá de ser assegurado o que permite que “ainda cá estejamos”.
- Gerir as competências disponíveis, mas projetar e preparar as do futuro. Gerir pessoas, cada vez mais, será um exercício de triangulação entre necessidades de capacitação e desenvolvimento, engagement e empregabilidade. Nesta equação, a gestão de pessoas não poderá ficar refém de épocas passadas e suportar objetivamente a missão da empresa e o ciclo do negócio.
- Garantir a melhor decisão para todas as partes interessadas. O gestor de pessoas deve ter, na tomada de decisão, o difícil papel do promotor das boas práticas de responsabilidade social, ética e ser o garante de tomadas de posição justas e que assegurem o melhor para todos os que serão impactados por essa mesma decisão.
- Comunicar, aproximar, mas com rigor e objetividade. Mais do que nunca, é necessário que se explique regularmente o que está a acontecer; se elucide face a impactos projetados; (re)enfoque nos objetivos; se apresentem as ferramentas disponíveis; se consciencialize para a necessidade de monitorização e controlo; se apresente o (re)design da estratégia e das operações, e tudo com um permanente apelo à participação. Garantir esta função pode ser determinante para a vida das pessoas e da empresa e ser o salvo-conduto para que a gestão de pessoas, definitivamente, se coloque no centro da decisão estratégica.
A crise atual, e ao contrário do que havíamos registado em outras ocasiões, como por exemplo a crise financeira de 2008, permitiu um foco nas pessoas e nas suas condições de vida/ trabalho, saúde e bem-estar. Esta é a oportunidade da gestão de pessoas se colocar no centro da decisão, definitivamente, sem falsas modéstias, mas também sem se tornar sobranceira ou colocar em “bicos de pés”, pois ainda muito está para vir.
Por Isabel Moço, Coordenadora de Programas Executivos e Docente da Universidade Europeia