Imagine Da Vinci a fazer lives a dissecar cadáveres. Frida Kahlo a publicar selfies com legendas passivo agressivas. Michelangelo a queixar-se do algoritmo porque o seu teto da Capela Sistina só teve 73 likes.
Se a arte é uma forma de expressão que atravessa séculos, o que aconteceria se os maiores artistas da história tivessem acesso ao Instagram, aos filtros Valencia ou Paris e aos comentários tóxicos em caixa alta?
Hoje, no Dia Mundial da Arte, abrimos esta janela impossível: um scroll por um feed onde o renascimento se cruza com as legendas, o surrealismo com as expressões faciais de emojis, e onde se vê o que sempre se viu: gente a tentar dizer algo ao mundo, mesmo que o mundo nem sempre saiba ouvir.
🖼️ @leodavinci.oficial
📍 Florença, 1490
📸 Post: Selfie com a Mona Lisa inacabada ao fundo 🧑🎨🖌️
📝 Legenda: «ela ainda não sorri, mas acho que já está a gostar de mim. 😌🎨 #workinprogress #sorrisinhomisterioso #artlife»
💬 Comentários em destaque:
– @michelangelo_arts: «Usa mais sombra na parte esquerda. Confia. 😎»
– @lil_galileo: «Pergunta-lhe se o sorriso é parabólico.»
🧠 @michelangelo_real
📍 Vaticano
🎥 Reel: time-lapse a pintar o teto da Capela Sistina
🎵 Música de fundo: Harder Better Faster Stronger – Daft Punk
📝 Legenda: «Quando dizes que vais só ‘dar um jeitinho’ no tecto. Quatro anos depois…😮💨»
🏷️ #freskofreak #nopainnostain
🌹 @fridakahlo.mx
📍 Coyoacán, México
📸 Post: Retrato ao espelho, com flores no cabelo
📝 Legenda: «pinto a mim mesma porque sou a pessoa que conheço melhor. E porque os filtros do Insta distorcem tudo. 🤳🖼️»
💬 Comentários em destaque:
– @salvadordali_real: «Egoísta? Não. Visionária.»
– @freudfanpage: «Gostava de conversar contigo. Muito.»
🔥 @vangogh_vibes
📍 Arles, França
🎥 Story: «Quando cortas uma orelha e ainda assim ninguém responde às tuas mensagens…🩹📵»
📝 Poll nos stories: «Acham que a arte deve doer?»
Options:
Sim, sempre
Só quando não há patrocínio
Preferia que pintasses gatos
📝 Último highlight: «Vendi o primeiro quadro! À minha irmã. Mas conta. 😅🖼️»
Um mundo imensamente povoado mas com pouco sentido
Eles não tinham seguidores. Tinham convicção. Não fizeram colaborações com marcas, mas pintaram contra o tempo, contra a dor, contra regimes. E o estranho é que, séculos depois, continuam no nosso feed emocional.
Assim, dias como o de hoje servem para celebrar os que criaram com as mãos sujas, pincéis gastos e noites mal dormidas. Num tempo em que imagens geradas por inteligência artificial se multiplicam ao ritmo de cliques, vale a pena perguntar: a arte continua a ser feita por pessoas ou por máquinas que simulam sentimentos?
Quando vemos uma ilustração ‘estilo Ghibli’ feita por IA – que pode ameaçar direitos de autor e atividades laborais artísticas – não sentimos o cheiro da terra molhada dos cenários de Miyazaki, nem ouvimos a infância por detrás de cada traço. Falta ali qualquer coisa: o erro humano, a hesitação, o amor.
O verdadeiro artista — como Van Gogh, Frida ou os mestres dos Estúdios Ghibli — não copia estilos. Cria mundos. A IA pode gerar imagens, mas não teve uma infância. Não amou ninguém. Não sofreu por aquilo que fez errado. Ou certo. Porque arte não é o que brilha. É o que arde. É o que nos agarra quando tudo o resto já se foi.