É uma CEO comunicacionalmente brilhante, simpática, culta, mediaticamente apelativa e convidada para funções não-executivas em organizações sociais. Mas, centralizadora, não delega. Resultado: é alheia a algumas realidades internas da organização e procrastina decisões. Os membros da organização sentem-se, de quando em vez, “abandonados” e suspensos de decisões que tardam em chegar. Sirvo-me deste caso, real, para discutir um tema frequentemente incompreendido e repleto de ambiguidades: a coliderança.
A liderança de topo das organizações exerce dois grandes papeis: a gestão da organização propriamente dita, e a gestão dos stakeolders externos. Sendo estes papeis particularmente complexos nas grandes organizações, há riscos sérios de o/a CEO ser incapaz de realizar eficazmente ambos. Ademais, algumas pessoas são mais propensas e proficientes na liderança externa, enquanto outras denotam maior vocação para a dimensão interna.
O primeiro tipo de liderança alcança reputação para si mesma e para a organização. Conquista boa-vontade, recursos e legitimidade junto da comunidade e das autoridades. Mas o deslumbramento mediático pode toldar-lhe a sabedoria decisória. Assoberbada com as incumbências representacionais, mediáticas e reputacionais, essa liderança descura a componente interna. A organização começa a sentir o peso das delongas na tomada de decisão. O problema é agravado quanto esta liderança é centralizadora e consumida pelo narcisismo intenso. Em contraste, outras lideranças são exímias na forma como cuidam a organização “interna”, mas subestimam as interações com a comunidade, as autoridades e outros stakeholders externos. O resultado pode ser uma organização internamente “bem-cuidada”, mas cuja reputação e afirmação externas são sofríveis.
A solução para a complexidade deste desafio pode passar pela partilha de responsabilidades. A coliderança requer-se por dois motivos fundamentais. Primeiro: o exercício de ambos os papeis é exigente e incompatível com agendas intensas. Segundo: o perfil de personalidade e competências requerido para um desses papeis poder ser diferente do necessário para o exercício do outro papel.
Um parêntesis: a fronteira interno/externo é redutora. Quase tudo o que é interno tem implicações externas e vice-versa. Acresce que a divisão de papeis, na coliderança, não ocorre apenas na linha interno-externo – pode incidir sobre diferentes áreas funcionais, cada uma com expressão tanto interna como externa. Várias organizações (e.g., Netflix) seguem o formato da coliderança. Mas nem sempre nos damos conta dessa realidade porque é mais provável que conheçamos a liderança externa, com projeção mediática – e tenhamos menos acesso a informação sobre a liderança interna, mais discreta. Assim, o que aparenta ser uma liderança centrada numa só pessoa é, de facto, uma coliderança.
Naturalmente, a eficácia do duo depende do cumprimento de várias condições. Primeira: é fundamental que os membros da dupla se devotem confiança mútua, comuniquem claramente, se pautem por valores comuns e perfilhem uma visão comum. Segunda: as áreas de intervenção e os papeis de cada um devem ser claros. Caso contrário, ocorrem conflitos e os membros da organização ficam confusos sobre as fontes de autoridade. Terceira: importa que as competências sejam complementares, e que cada membro do duo se incumba das áreas para as quais está mais vocacionado. A complementaridade permite lidar com as fragilidades de cada membro. Daí emergem sinergias – de tal modo que capacidade da dupla é superior à soma das capacidades de cada elemento. Quarta condição: a partilha de autoridade deve coabitar com a partilha de responsabilidades por sucessos e fracassos.
Em suma: a colaboração exemplar no topo da organização permite lidar com as complexidades e as exigências intensas de organizações que operam em ambientes voláteis, incertos, complexos e ambíguos. Essa colaboração opera, também, como modelo cooperativo para toda a organização.
A coliderança também pode ser frutuosa (até deixar de sê-lo!) na vida política. Mas o terreno é muito quebradiço. Dado que a discussão de casos lusos é quase sempre contaminada por preferências políticas e ideológicas, socorro-me de um exemplo histórico, no Reino Unido. David Lloyd George, 1º Ministro entre 1916 e1922, chegou a ser aclamado como o “homem que ganhou a guerra”. Foi descrito como liberal, enérgico, hiperoptimista, imaginativo, exuberante, criativo. O seu Ministro das Finanças, Andrew Bonar Law, estava nos antípodas: conservador, pessimista, humilde, cauto e consciencioso. A sua frase favorita terá sido: “Temos montes de problemas pela frente”. Todas as manhãs, depois do pequeno-almoço, Lloyd George submetia as suas ideias imaginativas ao escrutínio de Law, cuja mente crítica e prática restringia a exuberância e a criatividade do primeiro-ministro. Após as eleições de 1918, a influência de Law desvaneceu-se. Lloyd George começou a desenvolver a soberba, ou húbris. O seu estilo de liderança tornou-se errático, confuso e desastroso. Eis outra lição: a boa coliderança pode emergir da combinação de opostos e requer … humildade e prudência!