O impacto, simultaneamente recessivo e inflacionista, da guerra na Ucrânia veio ensombrar as perspetivas de recuperação, no rescaldo da crise pandémica, tornando dramático o que antes já era grave.
A escalada nos preços do gás natural (e, por arrasto, da eletricidade), dos combustíveis, de matérias-primas industriais e agrícolas, a falta de fornecimentos, tomaram proporções tais que a sobrevivência das empresas se tornou, novamente, a principal preocupação.
Se, antes da guerra, se podia admitir que as pressões inflacionistas, que vinham já a fazer-se sentir, tinham uma natureza temporária e podiam manter-se sob controlo, a exacerbação destas pressões com a subida exponencial dos custos de produção tornou o combate à inflação a primeira prioridade para os bancos centrais, ainda que com custos sobre a economia real. E aí estão já os aumentos das taxas de juro.
Em Portugal, a taxa de inflação foi quebrando sucessivos máximos de há quase 30 anos. Parece ter, agora, atingido o seu máximo, em torno dos 9%
No entanto, se alguns preços (do petróleo, por exemplo) cederam um pouco, o gás natural continua a evoluir ao sabor das ameaças de Moscovo e a pressionar a inflação.
Além disso, o aumento dos preços já não se restringe às componentes mais voláteis – bens energéticos e produtos alimentares não transformados – alastrando e contagiando as componentes mais estáveis. Toma, assim, características mais estruturais e mais difíceis de dominar.
Os efeitos recessivos da escalada de preços tornam-se bem visíveis, pela erosão que causam no poder de compra dos consumidores, com uma inevitável retração do consumo privado.
Por outro lado, a inflação afeta também, de forma bem direta, as margens das empresas, uma vez que os aumentos dos custos não estão a ser repercutidos plenamente nos preços. As empresas estão, por esta via, a travar a inflação. Interrogo-me por quanto mais tempo poderão continuar a fazê-lo.
Os resultados do mais recente inquérito “Sinais Vitais” promovido pela CIP são reveladores: 53% das empresas repercutiram menos de metade do acréscimo de custos nos preços de venda. 22% não efetuaram qualquer aumento de preços. Até ao fim do ano, a expectativa (78% das respostas) é a de que os custos continuem a aumentar; no entanto, apenas 47% das empresas prevê aumentar os respetivos preços.
A economia estagnou no segundo trimestre, em relação ao primeiro. O consumo caiu, o investimento caiu. A economia só não entrou em contração devido ao aumento das exportações e, em particular, à forte recuperação do turismo. Mesmo assim, interrompemos o breve ciclo de quatro trimestres consecutivos com um desempenho superior à média europeia.
É verdade que as projeções para o cômputo do ano apontam para uma elevada taxa de crescimento: 6,3% segundo o Banco de Portugal. Mas os números enganam: se este valor de 6,3% se confirmar (e tenho dúvidas que se confirme), isso significa que a economia continuará a crescer 0% ao longo do resto do ano. Se não entrarmos em recessão estaremos muito próximo disso.
Os indicadores de confiança das empresas estão a diminuir. A produção industrial voltou a cair, não escapando aos fortes constrangimentos por que estão a passar as empresas deste setor.
Este pessimismo que vivemos não pode significar desalento. Não pode significar, muito menos, conformismo.
Não há uma bala de prata, mas a política económica importa, podendo e devendo ser manejada de forma a contrariar evoluções indesejadas. Não bastam meias medidas ou paliativos.
Foi já apresentado um novo pacote de medidas de apoio às empresas. Embora tardias, reconheço que vão no sentido correto, no sentido daquilo que tem sido insistentemente reclamado pelas empresas e pelos seus representantes. Ficariam sempre aquém do necessário. Ficam também, no meu entender, aquém do possível.
Uma das principais medidas – o alargamento dos apoios diretos às empresas intensivas no consumo de gás – está mais próxima dos programas em vigor noutros países europeus. Contudo, ainda fica aquém daquilo que a Comissão Europeia permite e que outros países, como a França e a Alemanha, aplicaram.
Pela positiva, destaco também os apoios previstos para acelerar a transição e a eficiência energética, bem como com um apoio ao emprego ativo, através do recurso à formação em contexto laboral.
A nova linha de crédito com garantia mútua é uma medida para que as empresas possam aguentar, um pouco mais, mas é um remédio com uma contraindicação muito severa: ainda mais endividamento.
Quanto à fiscalidade, as medidas que encontramos são escassas e de fraco alcance.
Justificar-se-iam avanços no ritmo lento a que estão a ser efetuados os pagamentos associados aos projetos do PT 2020, na execução do PRR, na entrada em vigor do PT 2030, bem como nas medidas para incentivo à capitalização das empresas a executar pelo Banco Português de Fomento.
Estamos habituados a que o Governo responda a situações de crise com sucessivos “pacotes”, começando com soluções de alcance muito limitado e acrescentando, pouco a pouco, medidas com maior impacto. Assim parece estar a suceder novamente, tal como assistimos ao longo da pandemia.
Se da política monetária já não podemos esperar qualquer alívio (bem pelo contrário), é tempo de redirecionar a política orçamental num sentido mais favorável à atividade económica, tanto pela via da fiscalidade como pela do investimento. Sobretudo quando vemos que, quanto mais a inflação se vai distanciando das previsões, mais folga as finanças públicas ganham, com as receitas fiscais a aumentarem muito acima do previsto.
Espero que o próximo Orçamento do Estado seja ocasião para uma clara evolução, não só para fazer face à presente conjuntura, mas também no sentido de corrigir os aspetos em que o sistema fiscal português se mostra mais desfavorável, tornando-o mais competitivo e mais favorável à atração de investimento, nacional e estrangeiro.
Este artigo foi publicado na edição de outono da revista Líder.
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