Fundada em 1989 por dois colegas de Faculdade, Ricardo Parreira e Miguel Capelão, a PHC Software foi considerada em 2022 a “Melhor PME” para se trabalhar. Em 30 anos passou de uma sala de 10 metros quadrados, no Cais do Sodré, a uma multinacional com 230 colaboradores e 35 mil clientes, com sede no Tagus Park. Em entrevista à Líder, ficamos a conhecer o perfil do CEO, Ricardo Parreira, e autor do livro “Gestão descontraída, mas profissional”. A felicidade como motor da produtividade, os desafios de uma boa gestão e a assinatura de uma liderança “kind and care” como chave para uma cultura empresarial atrativa, foram alguns dos temas em conversa.
É um gestor otimista, diz que o otimismo traz persistência. Ainda hoje, num mundo tão pouco positivo, como se cultiva esse otimismo?
Sou totalmente otimista, nem dá para viver a vida de outra maneira. Eu acredito que a realidade é aquilo em que nos focamos. Se focarmos no negativo a nossa realidade será negativa. Há neste momento uma realidade negativa no mundo, entre guerra, inflação e a pobreza no nosso país. Mas continua a haver coisas maravilhosas, pessoas que fazem coisas incríveis. Só o por do sol é um milagre que acontece todos os dias. Há que aceitar a realidade e avançar.
O Ricardo diz que o foco é o motor oculto para a felicidade. No caso da PHC, refere a prioridade em melhorar as atitudes dos colaboradores para a felicidade. Como se faz isso?
A obsessão pela experiência do colaborador sempre esteve presente na minha forma de gerir. Primeiro divido a felicidade da infelicidade. Talvez pela minha formação, e educação, aprendi que se aceitar que a minha felicidade depende de mim e não dos outros, eu posso ter um plano de ação e conseguir tomar decisões a favor dessa felicidade. Ao contrário, se a felicidade depender da agenda dos outros, não há nada que eu possa fazer. Em Portugal fazemos muito depender nos outros a nossa felicidade. Não podemos pôr uma coisa tão importante da nossa vida, como a felicidade, nas mãos dos outros, ela tem de estar nas nossas mãos. Na PHC trabalhamos muito isto, falamos de felicidade e trazemos o awareness para estes conceitos. Ao expor as pessoas a essa ideia, estou a dar-lhes a decisão de manter isso dependente do chefe, da empresa, ou não. O importante é pôr a pessoa a pensar que decisões vai tomar, a que objetivos quer chegar e que isso depende de si. Na PHC damos treino sobre isso, objetivamente.
A gestão do tempo é um outro tema que aborda, dizendo mesmo que gastamos mal o nosso tempo.
Li um livro com o título “168 Hours: You Have More Time Than You Think”, que são o número de horas numa semana. É imenso tempo! Algumas delas devemos estar a dormir e depois, no tempo acordado, o que fazemos? Temos de ter foco. Temos de ter atenção, se eu não tiver o foco sobre as coisas, não estamos a gerir a nossa vida, é alguém que gere, outras pessoas. A gestão de tempo tem a ver com decisões e naquilo em que estamos focados, e também em guardar tempo para estudar e para pensar. A matriz de Eisenhower, fala das coisas importantes e urgentes. A natureza humana leva-nos a focar muito mais no que é urgente, em vez do importante. Mas há uma ferramenta maravilhosa para transformar uma coisa importante numa coisa urgente, sem ter de mudar o mindset da natureza humana, que são os deadlines. Outro caminho é a introspeção e meditação sobre o que é a minha vida, o que é muito mais difícil. A maior parte das pessoas quando olha para dentro quase entra em pânico. Quando temos o propósito presente, a decisão é mais fácil. Não tendo é muito mais difícil.
Sobre propósito, equilíbrio e a nossa relação com o trabalho, a saúde mental é a tal coisa importante que parece nunca ser urgente.
O meu propósito é claramente gozar a vida e não propriamente trabalhar. A forma como identifiquei gozar a vida é trabalhar e também estar com os meus filhos, família, amigos, e estar bem comigo. Mas há momentos na vida em que podemos ter problemas de saúde mental e isso não é mau, nem é uma vergonha pedir ajuda. As empresas têm de proteger as pessoas e não as expor, dando apoio psicológico. Mas há organizações e pessoas que levam tudo ao limite. E essa é a minha preocupação com as empresas em Portugal. Se as empresas forem bem geridas produzem mais com muito menos tempo. Está provado que uma pessoa feliz produz mais 10% e uma pessoa infeliz produz menos 37%. O que significa que entre um feliz e um infeliz estamos a falar de mais 50% de produtividade. Ou seja, se uma empresa investir no bem-estar, na organização do tempo e não permitir uma cultura de presentismo, o que vai acontecer é que, com determinadas métricas de gestão, as pessoas vão sentir-se bem e a verdade é que essa felicidade é lucrativa. Adoro trabalhar num sítio com pessoas bem dispostas, onde rir é sinal de que estamos bem, traz engagement, produtividade e retém o talento. As pessoas trocam de empresas e percebem que há organizações onde bem-estar e felicidade é compatível com produtividade e resultados. Temos é que trazer a boa gestão.
E o modelo de gestão dos Objective and Key Results pode ajudar?
Os OKRs são uma metodologia, uma forma de fazer as coisas que traz uma maior velocidade de reação às empresas, motivação e envolvimento, pois as pessoas percebem para que serve o seu trabalho. Combina resultados e as pessoas a sentirem-se bem, e, na minha opinião, isso deveria ser o objetivo de qualquer gestor. A metodologia nasceu na Intel nos anos 70, mas antes disso, nos anos 50, Peter Drucker criou o conceito da gestão por objetivos, em que o plano anual definia a estratégia da empresa. Mas a meio do ano já ninguém se lembrava dos objetivos. Foi o Andy Grove, da Intel, que adaptou esse conceito para os OKR – Objective and Key Results.
Como funcionam?
É muito simples e utilizados pelas grandes empresas globais, como a Google. E não é um segredo! Há milhões de conteúdos disponíveis no Youtube e a PHC também tem cursos disponíveis. Tem quatro vetores, e em cada momento, definimos objetivos, a medida de sucesso (key result) e depois as iniciativas para atingir. Primeiro a empresa define os de topo e depois os colaboradores definem os das suas equipas, de cima para baixo e baixo para cima. Está provado que quando eu defino um objetivo para mim, vou estar mais envolvido nele do que se for alguém que me dá o objetivo, como se fosse uma tarefa. Todas as semanas, ou todos os meses, há uma reunião curta para ver onde se está, são os check-ins regulares, com debrief no fim. Há estudos que mostram que por haver reuniões semanais ou mensais aumenta-se 20% a probabilidade de se atingir os objetivos. Ou seja, pelo facto de estar organizado de forma diferente, o mesmo objetivo com as mesmas pessoas e o mesmo trabalho é 20% mais eficaz. Podemos aumentar o PIB de Portugal em 20%!
Como implementar objetivos estratégicos e manter o business as usual a funcionar? E quais as implicações?
Na experiência da PHC o business as usual, que corresponde a 85% da atividade da empresa, deve ser gerido por KPIs, enquanto os objetivos estratégicos de cada área devem ser medidos por Objective and Key Results (OKRs). A metodologia é simples mas há resistência à mudança. Existe software que já faz isto tudo, como o da PHC e outras empresas, mas implica algumas mudanças culturais, como a transparência. Ou seja, todas as pessoas têm de estar a par dos objetivos da empresa, o que em Portugal pode ser pouco comum. Mas essa transparência traz um efeito brutal! Na PHC temos o check-in da Comissão Executiva com os diretores, que é um momento publico, qualquer PHC pode assistir a tudo o que estamos a fazer. Nós estamos a gerir empresas do século 21 com técnicas do século 19, de trabalho repetitivo e sequencial, e por isso o presentismo. O propósito da PHC é “Better Mangement for happier people”, pois eu acredito que empresas bem feridas fazem pessoas mais felizes. Faz muita confusão ver Portugal a crescer 2% e a pobreza que há no país e eu quero melhorar a gestão.
A atração e retenção de talento é um tema que fala há algum tempo. É esse hoje o maior desafio para as empresas?
Todas as empresas dependem do seu talento, e a atração e retenção é o grande desafio nos próximos anos. Até agora o grande foco era no negócio e nos clientes, mas já não é. As pessoas sabem que podem mudar, sabem que há mercado, é fácil procurar e assediar para mudarem. As empresas têm de se focar primeiro na atração e depois retenção. A questão é que não chegamos a todos e a mesma coisa não serve para todos. Para uns é importante ter apoio psicológico, ou segurança psicológica, outros é flexibilidade no trabalho. O grande desafio é as organizações mudarem o que sempre fizeram da mesma maneira. Se não, o mau talento fica e o bom sai. Temos de trabalhar para manter o bom talento e recuperar o mau.
E como se faz isso?
Com práticas de atração, como termos introduzido uma semana de quatro dias por mês, o que permite aos colaboradores terem doze sextas-feiras por ano para tempo pessoal ou passar a contratar as pessoas a contrato sem termo, mas na essência tem a ver com a cultura da empresa. Cerca de 80% das pessoas largam a empresa por causa do líder, todas estas medidas são fantásticas para atrair, mas depois é preciso uma atenção redobrada à retenção, que implica atenção à liderança e o que significa uma atenção redobrada à cultura com que a liderança se vai gerir. A cultura deve ser gerida, não se pode permitir que seja o acaso. Gerir a cultura implica gerir os nossos valores, o que aceitamos como comportamentos e o que não aceitamos e depois falar sobre isto, publicar e avaliar. Se gerirmos uma cultura para bons valores, a nossa liderança deve ser “kind and care”, de preocuparmo-nos com as pessoas. Isso é fundamental.
Mas depois há as pessoas tóxicas.
Na vida pessoal, uma pessoa tóxica é alguém que nos tira a energia, numa empresa é uma maçã podre. A cultura da empresa deve proteger a organização disso mesmo. Mais depressa se despede alguém que cria mau ambiente do que um mau técnico. Um mau técnico eu posso treinar, já o mau ambiente é péssimo. A solução é uma cultura profissionalizada, com os comportamentos escritos, do que não é aceite, tudo falado tanto no onboarding e relembrado regularmente. Com isso criamos a expetativa do que é um comportamento aceite numa organização. Os líderes sabem, as pessoas sabem, todos estão atentos uns pelos outros, e isso é viver em sociedade, em sã convivência. Quando as empresas não têm cultura, a pessoa tem de errar para se dizer que está errado e depois ela aprender. Demora imenso tempo e nunca acontece.
Por Rita Saldanha