Espanha é uma tapeçaria viva, bordada a cores de terra, sangue e luz. O flamenco irrompe das entranhas da Andaluzia como um grito ancestral, enquanto as ondas do Mediterrâneo esculpem, há milénios, os contornos sensuais da Catalunha. É um país de muitas vozes e mapas sobrepostos — bascos, galegos, castelhanos — onde a identidade é uma disputa constante entre centro e margens.
Em 2025, Espanha ocupa a 13.ª posição no Global Soft Power Index, refletindo a sua influência cultural global, presença diplomática e reputação em áreas como gastronomia, desporto e turismo.
Já o Índice de Democracia 2024, da Economist Intelligence Unit, classifica Espanha como uma ‘democracia plena’, posicionando-a no 22.º lugar, com uma pontuação de 8,13. Apesar dos avanços, o relatório destaca as tensões persistentes entre o governo central e as comunidades autónomas, sobretudo a Catalunha.
Assim, Espanha é um país onde o passado é uma ferida aberta, e a união parece sempre à beira de se partir, enquanto cada região grita pela sua autonomia, sem nunca se calar.
Este é o quinto artigo da rubrica da Líder, ‘O estado de uma nação em sete minutos’. Todas as quintas-feiras, traremos um retrato de um país, explorando sucintamente quatro dimensões: cultural, política, económica e social.
Cultura
Na literatura, é o berço de Miguel de Cervantes, o pai do romance moderno, cujo Dom Quixote — publicado entre 1605 e 1615 — ainda galopa pelos campos da imaginação ocidental, armado de delírio e esperança.
Já Federico García Lorca, com o seu lirismo trágico e telúrico, transformou o teatro e a poesia do século XX em espelhos de sangue e jasmim. Obras como Bodas de Sangre ou Romancero Gitano são testemunhos de uma Andaluzia mitológica, onde o amor e a morte se cruzam sob um céu abrasado. Lorca foi voz e vítima da Guerra Civil, assassinado por forças nacionalistas em 1936 — o poeta enterrado sem sepultura, mas eternamente presente.
Espanha é um vendaval criativo. Da Andaluzia brotam os acordes do flamenco, nascidos da dor e da resistência dos povos ciganos. Em Madrid, o Museu do Prado guarda a fúria de Velázquez e o horror de Goya. Em Barcelona, a Sagrada Família de Gaudí continua a subir aos céus, como uma oração inacabada.
O desporto, sobretudo o futebol, é quase uma religião: Real Madrid e FC Barcelona são marcas globais e símbolos identitários. Mas também Nadal, Gasol ou a nova geração de tenistas e ciclistas projetam o nome de Espanha como sinónimo de excelência atlética.
No entanto, o país enfrenta hoje um dilema cultural moderno. A convivência entre Castela, Catalunha, País Basco, Galiza e outras regiões continua frágil, há rappers presos por injúrias à coroa e a identidade nacional é tantas vezes contestada como celebrada.
Política
Espanha é uma democracia parlamentar desde a promulgação da Constituição de 1978, que marcou a transição do regime franquista para um sistema democrático. Nos últimos anos, o cenário político espanhol tem sido caracterizado por uma crescente fragmentação partidária e por desafios à estabilidade governativa.
Em outubro de 2023, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), liderado por Pedro Sánchez, firmou um acordo de coligação com a plataforma de esquerda Sumar para formar um novo governo progressista. Este acordo programático visa uma legislatura de quatro anos e inclui medidas como a redução da jornada de trabalho sem diminuição salarial e uma reforma fiscal justa.
Contudo, a coligação não possui maioria absoluta no parlamento, dependendo do apoio de partidos nacionalistas e independentistas da Catalunha, Galiza e País Basco para a investidura do governo. O partido de extrema-direita VOX consolidou-se como a terceira força política em Espanha. A sua ascensão tem introduzido um discurso nacionalista e anti-imigração no parlamento, reacendendo debates sobre identidade nacional e políticas migratórias.
A monarquia espanhola enfrenta desafios à sua imagem pública. O rei Felipe VI tem procurado restaurar a confiança na instituição após os escândalos financeiros envolvendo o seu pai, o rei emérito Juan Carlos I. Recentemente, Juan Carlos I esteve envolvido numa disputa legal com a sua ex-companheira Corinna Larsen, relacionada a uma doação de 65 milhões de euros. O caso reacendeu críticas à transparência e à responsabilidade da monarquia.
Economia
A economia espanhola tem demonstrado sinais de recuperação. De acordo com o Eurostat, o PIB cresceu 3,2% em 2024, impulsionado pelo turismo, que atingiu níveis recorde com mais de 93 milhões de visitantes.
A taxa de inflação homóloga em Espanha em dezembro de 2024 aumentou para 2,8%, contra 2,4% em novembro, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) do país.
Em 2024, a taxa de desemprego registou uma diminuição significativa, situando-se nos 10,6% no último trimestre do ano, o nível mais baixo desde 2008. Este valor representa uma redução de 265.300 pessoas desempregadas em comparação com o ano anterior, marcando o quarto ano consecutivo de queda no desemprego. Porém, a precariedade laboral, os baixos salários e a dificuldade em aceder à habitação nas grandes cidades são temas quentes no debate político.
No entanto, Espanha investe fortemente na transição energética e digital, com apoios da União Europeia a alimentar programas de modernização industrial e infraestruturas sustentáveis. O país ambiciona tornar-se um hub europeu para o hidrogénio verde e um polo tecnológico entre Europa e África.
Sociedade
A sociedade espanhola é vibrante, mas o envelhecimento da população levanta preocupações sobre a sustentabilidade demográfica e o futuro do sistema de pensões. Em 2023, cerca de 20,65% da população espanhola tinha 65 anos ou mais, o que equivale a aproximadamente 10 milhões de pessoas.
A taxa de natalidade, em 2023, caiu para 6,61 nascimentos por cada 1.000 habitantes, uma das mais baixas da União Europeia, refletindo a difícil realidade que as novas gerações enfrentam para constituírem família.
Os fluxos migratórios continuam a transformar as periferias urbanas, com desafios na integração e na coesão social. Em 2024, a população estrangeira em Espanha representava aproximadamente 14,9% do total, com uma forte presença de imigrantes vindos de países da América Latina, África e Europa de Leste. A chegada de novos imigrantes traz tanto dinamismo económico como desafios sociais, especialmente nas grandes cidades, onde questões de segregação social e acesso a serviços públicos são frequentes.
O feminismo, por sua vez, é uma força política crescente. As manifestações massivas do 8 de março tornaram-se uma marca identitária do país. Contudo, o avanço da extrema-direita tem gerado uma reação conservadora que ameaça estes consensos recentes, com partidos como o VOX a questionarem estas novas leis e a defenderem uma agenda contra o que consideram ser excessos do movimento feminista.
Conclusão
Ao contrário de Portugal, que se fez de porto e mar, Espanha construiu-se para dentro, com Madrid imposta como coração de um corpo que lateja nas extremidades — uma capital artificial, nascida mais da necessidade de vigiar do que da vontade de pertencer. E no entanto, apesar das fraturas, ou talvez por causa delas, Espanha continua inteira: exuberante, exausta, indomável.
Das cortes de Isabel e Fernando à resistência republicana, do ouro das Américas ao sangue de Guernica, Espanha vive entre a exaltação e a dúvida. E é nesse vaivém que encontra a sua identidade. Apesar da fragmentação política, da pressão económica e dos desafios sociais, Espanha continua a ser um farol cultural, uma democracia funcional e um dos pilares do sul da Europa. Uma terra onde, mesmo divididos, os seus povos sabem dançar com a história e, com ela, seguir a sua marcha em frente.
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