Durante quatro dias, Cascais será o coração palpitante da filosofia contemporânea. Entre 19 e 22 de junho, realiza-se a primeira edição do Festival Internacional de Filosofia em Portugal — um evento que carrega o nome de Espanto e que pretende devolver o pensamento à rua, ao bairro, ao corpo. O tema: o medo — essa sombra íntima e coletiva que molda democracias, inquieta sociedades e habita o quotidiano de todos nós.
O festival propõe-se a reunir filósofos, artistas, escritores, cientistas e curiosos numa celebração rara do pensamento como gesto público. Ao longo da semana, Cascais será atravessada por conversas, aulas magnas, ágoras, jantar filosófico e até momentos de música e poesia — um território temporário onde o Espanto é bem-vindo.
I. Filosofia nos bairros: uma democracia do pensamento
O festival começa nas margens — literalmente. A manhã de quinta-feira, 19 de junho, inaugura o programa com uma sessão aberta no bairro 25 de Abril em Cascais. Não se trata de levar sabedoria a quem supostamente não a tem, mas de provocar encontros onde a filosofia se torna prática e presença.
Duplas de pensadores conduzirão as sessões nestes territórios, ao ar livre e com entrada livre (mas sujeita a inscrição), seguidas por atuações de artistas locais. A ideia é simples e poderosa: em vez de reunir todos no centro, levar o centro a cada periferia, descentralizando o pensamento e convidando o espanto a bater às portas da vida real.
No primeiro bairro, às 11h15, Gilles Lipovetsky reflete sobre o medo e o vazio nas sociedades hiperconsumistas. Logo depois, às 12h00, Michel Eltchaninoff, profundo conhecedor da filosofia russa, aborda o uso político do medo nas democracias frágeis.
À tarde, às 15h40, será a vez de António de Castro Caeiro, que parte da tradição clássica para interrogar o medo como condição humana. Às 16h25, Samantha Rose Hill, uma das maiores especialistas em Hannah Arendt, falará do medo da solidão como sintoma da fragilidade democrática.
Na sexta-feira, dia 20, o ciclo dos bairros termina com Bernat Castany Prado — autor de Una filosofía del miedo. Irá abordar o medo do desconhecido, do algoritmo, do futuro.
II. In Vino Veritas: o jantar dos que pensam
No mesmo dia 20, ao cair da noite, o restaurante Conversas da Gandarinha acolhe um momento raro e intimista: o jantar ‘In Vino Veritas’. Aqui, oradores, parceiros e detentores de bilhete premium partilham mesa, vinho e ideias. A grande figura da noite será José Gil, homenageado desta edição, que fará uma intervenção exclusiva.
Num dos momentos do jantar, o microfone circulará livremente pelas mãos dos convidados. O risco é esse: que alguém diga a verdade. Ou que, entre copos e pratos, se descubra que o pensamento também pode ser uma forma de celebração.
III. Dia 21: entre o auditório e as Ágoras
Sábado, 21 de junho, será o dia mais denso e abrangente do festival. O Auditório da Casa das Histórias Paula Rego recebe, desde as 10h00, uma sequência de sessões filosóficas e debates, apresentados pela jornalista Catarina Marques Rodrigues.
No palco, um alinhamento notável: Lipovetsky, António de Castro Caeiro, Daniel Innerarity, Marta Faustino, Castany Prado, Hill e Eltchaninoff — vozes que cruzam as filosofias do corpo, da política, da linguagem, da incerteza.
A estes juntam-se outros protagonistas do pensamento contemporâneo: Beatriz Batarda, Joana Bértholo, Arlindo Oliveira, Artur Ribeiro, Luísa V. Lopes e Edson Athayde — pensadores de outros quadrantes, que tornarão os diálogos mais inesperados. A filosofia encontrará aqui a arte, a ciência, a escrita, a publicidade, a neurociência.
Enquanto isso, os jardins da Casa das Histórias Paula Rego transformar-se-ão em Ágoras — espaços de encontro gratuito com o pensamento, acessíveis a todos.
Ágora 1: encontros diretos com os filósofos
Durante todo o dia, os visitantes poderão interagir diretamente com os convidados principais do festival. Sem palco nem pedestal, apenas cadeiras, árvores, conversas.
Ágora 2: para os mais pequenos, pensar também é brincar
Neste espaço dedicado a crianças e jovens, as oficinas começam às 10h00 com O Labirinto dos Sentidos, da autora Laura Luz Silva, e seguem às 11h30 com o Clube de Perguntas, conduzido por Joana Rita Sousa. Após o almoço, o humorista David Erlich dinamiza A Bebedeira de Kant, e às 16h00, Maria João Travassos guia uma oficina de construção de livros.
Ágora 3: os novos discursos
Aqui subirão ao palco os vencedores do concurso de discursos filosóficos, vozes que reinterpretam o medo à sua maneira — com raiva, ironia, arte ou rigor.
Ágora 4: o pensamento de José Gil
Este espaço será inteiramente dedicado ao filósofo homenageado. O artista Paulo Pascoal fará leituras comentadas da obra de Gil ao longo do dia (10h30, 12h00, 15h00 e 16h30). Entre as sessões, haverá sessões de autógrafos e uma leitura encenada de ‘O Medo’, de Al Berto, por Raquel Marinho, às 15h30.
À noite, o Espanto canta
O dia 21 termina em beleza com uma atuação da cantora Milhanas, pelas 21h30, no Pátio da Cidadela de Cascais. A artista portuguesa, conhecida pelo seu timbre delicado e letras introspectivas, será a voz da noite.
Entre as 21h45 e as 22h45, no mesmo local, será possível escutar dois nomes fundamentais do pensamento europeu atual: Maria Balaska, com uma reflexão sobre consciência, e Donatella Di Cesare, que nos confronta com os fantasmas do totalitarismo.
IV. O adeus ao medo: domingo, 22 de junho
O último dia do festival começa às 11h00 com música: as irmãs Yeri & Yeni, com influências cabo-verdianas, senegalesas, portuguesas e afro-americanas, trazem corpo e ritmo ao pensamento.
A seguir, duas Aulas Magnas de peso. Primeiro, Manuel Curado, que falará sobre memória e identidade. Depois, às 12h45, o filósofo alemão Peter Sloterdijk, pensador da indiferença e do risco, encerrará o festival com uma aula magistral.
Haverá ainda uma leitura da obra de José Gil, pelo professor Luís Moreira, antes da cerimónia de homenagem final, que marcará o fecho simbólico desta primeira edição do Espanto.
V. Filosofia com corpo e rua
Mais do que um festival, o Espanto propõe um novo gesto: devolver à filosofia a sua vocação pública. Falar de medo é falar da nossa época — da ansiedade, da vigilância, da precariedade, das guerras, mas também da resistência e da lucidez.
Algumas atividades requerem inscrição gratuita. Estudantes têm 15% de desconto em bilhetes pagos. Toda a informação e últimos bilhetes disponíveis aqui.