Com o investimento nas Fintech a atingir mínimos históricos, terão as empresas Unicórnio chegado à extinção? Estes negócios caracterizam-se por atingir os mil milhões de dólares em receitas anuais, algo que se pode revelar cada vez mais raro e inatingível. Uma nova figura está a surgir – as Centauros, organizações que atingem os 100 milhões de dólares em receitas.
Maya Noël, esteve na Web Summit, em Lisboa, onde participou no debate «Fora com o Unicórnio, que venha o Centauro?». A Líder esteve presente e aproveitou o momento para conversar com a Diretora da France Digitale, uma organização que reúne empresas start-ups, investidores e defende a inovação empresarial no panorama europeu.
Uma coisa é certa: as empresas Unicórnio e Centauro estão para ficar (e inspirar) e apesar de Maya Noël reconhecer as dificuldades, defende que «momentos de caos são a melhor forma de destruir o equilíbrio que tínhamos, para construir um novo».
Para onde caminham as empresas Unicórnio e Centauro? Haverá espaço para ambas?
Há espaço para ambas, com certeza. Como foi dito durante o debate, uma empresa pode ser simultaneamente Unicórnio e Centauro. Para mim é apenas um critério diferente para definir as empresas. Ser um Unicórnio significa que se pode angariar mais dinheiro e mostrar o valor. As start-ups são diferentes, mas, Unicórnio ou Centauro, ambas são organizações com alguns objetivos em comum e as pessoas tendem a esquecer-se disso. Almejar estes objetivos pode ajudar a encontrar uma direção, é um passo do caminho, mas o essencial é vender os produtos ou serviços e crescer, sem perder o foco.
Que conselhos tem para empresas que queiram tornar-se Unicórnios ou Centauros?
A France Digitale foca-se no networking, juntando empreendedores, investidores e até trabalhadores para as empresas. Nós pomos as start-ups em contacto com grandes empresas, escolas e financiadores, em França e na Europa, e eu acredito neste modelo de networking. É a melhor forma de encontrar investimento, clientes e pessoas que estão a trabalhar na mesma área. O empreendedorismo e processo de criar uma empresa, são coisas que não se aprendem e partilhar experiências e competências pode poupar tempo e evitar alguns erros. Encontrar investidores e angariar fundos pode ser complicado na Europa e é preciso falar mais sobre isso, sob a vertente de um lobby. Temos de trabalhar em conjunto para atingir o patamar nacional e europeu para criar uma plataforma dedicada aos empreendedores tecnológicos europeus.
Pode dizer-se que este é um processo que depende de trabalho de equipa, mas não é algo fácil. Um exemplo de sucesso na Europa é o programa Erasmus, para estudantes, em que é tão fácil viajar para diferentes países. É o momento em que nos sentimos mais europeus e nunca conseguimos transpor isso para o meio corporativo. Não é dizer que sou uma empresa portuguesa ou francesa, mas sim europeia. É exatamente isto que dizemos aos decisores políticos e legisladores, que precisamos de encontrar uma forma de prolongar este sentimento de Erasmus, normalizar e construir pontes entre os países. Para um trabalhador português que queira ir trabalhar para Espanha ou outro país é muito complicado, por exemplo. Porque não ter algo mais organizado? Criar um status corporativo europeu?
Cada país tem um index diferente relativo às start-ups do seu território, pelo que não temos uma visão global europeia. Na France Digitale, estamos a criar um barómetro para as empresas de diferentes países se poderem comparar.
Como tem evoluído o ecossistema das start-ups na Europa?
Nos últimos dez anos evoluiu imenso, mas estamos atrás dos Estados Unidos da América e da China, porque são mercados grandes. O Silicon Valley começou nos anos 70 nos EUA e na Europa a indústria tecnológica começou apenas nos anos 2000, temos 30 anos de diferença. Por outro lado, podemos aprender com os erros dos outros e avançar mais depressa.
Há um longo caminho a percorrer, há muita falta de capital e interesse. Há muito dinheiro público que não pode ser utilizado tão rápida e eficazmente como nos EUA e precisamos de um mercado capital mais simples e organizado na Europa.
Também precisamos de investir como nos EUA e na China. Se for um potencial cliente americano, provavelmente vai investir em algo americano, o mesmo para investidores chineses. Na Europa não fazemos isto e se não criarmos esta preferência, de comprar produtos europeus primeiro. Se queremos ter êxito na economia temos de criar grandes empresas europeias.
Como está Portugal comparativamente ao resto da Europa?
Portugal tem evoluído muito ao longo dos últimos anos. Organizar eventos como a Web Summit põe a cidade no mapa dos investidores internacionais, é uma ótima maneira de se abrir para a Europa.
Penso que é um ótimo sítio para viver e tem atraído muitos internacionais e empreendedores, que têm criado aqui os seus negócios. [O mercado das start-ups] não é tão grande como em França ou na Alemanha, mas existem muitas vantagens competitivas em Portugal e poderia ser positivo criar um ambiente europeu, com especificidades diferentes em cada cidade, mas que trabalhem em conjunto. Seria o cenário perfeito.
Referiu que uma das maiores dificuldades para as empresas hoje reside num Paradoxo Tech. O que é e como se pode ultrapassar?
Estamos num ambiente económico em que os investidores de capital de risco dizem que não é o momento certo para investir. É muito difícil para as start-ups que querem construir mercados e negócios, saberem que não haverá rentabilidade possível nos próximos cinco ou dez anos. Isto é muito paradoxal pois queremos mudar o mundo, encontrar dinheiro para isso e arriscar. É cada vez menos complicado encontrar investidores na Europa, mas ainda é complicado ter grandes empresas quando os investidores também exigem lucro. É preciso encontrar o equilíbrio certo e adaptar-se à situação económica da Europa, mesmo que não avance tão rápido como desejávamos.
Nunca perder a fé de que é possível e que estamos no caminho certo é a solução para este Paradoxo. Já é menos complexo angariar os fundos e trabalhar em cooperação, mesmo que ainda seja difícil. Para se tornar fácil, será preciso uma luta constante e nunca devemos desistir.
Uma das suas intervenções na Web Summit fala de encontrar as oportunidade entre a crise (talk «Seeing Opportunities in Crisis»). Como pode o digital e a tecnologia abrir portas e combater o caos em que vivemos?
Precisamos de coisas novas, mais leves, flexíveis e ágeis. Momentos de caos são a melhor forma de destruir o equilíbrio que tínhamos para construir um novo. A regeneração não é iteração, pois temos de destruir o que construímos, mas é uma boa maneira de nos melhorarmos. Quando temos negócios tradicionais, que podem sofrer nestas alturas, a tecnologia e o digital podem ajudar a uma reconstrução mais rápida e leve.
Num mundo tão tecnológico e digital, o que deve permanecer analógico?
Para mim, a transformação digital já aconteceu. [Apesar de haver inovações como] a Inteligência Artificial a chegar, todas as indústrias são digitais. Temos de encontrar a combinação certa entre o digital e o analógico. De certa forma, tudo deve permanecer analógico, com o toque certo de tecnologia. Devemos pensar mais na forma como usamos a tecnologia, do que na tecnologia por si só.
Quais são as competências principais que um líder deve ter para criar empresas Unicórnio e Centauro?
Um bom líder é alguém que mantém o foco no meio do caos e faz com que as pessoas o sigam. Deve ser equilibrado, compreender a responsabilidade do seu cargo e perceber os objetivos da sua equipa. Essencialmente, foco, responsabilidade e um toque de loucura. Se um líder quer criar uma faísca e fazer com que as pessoas acreditem nas suas causas tem de as tornar divertidas e malucas.