As organizações deparam-se com crescentes desafios internos e externos, complexos e multidimensionais. Confrontam-se com diversas alterações comportamentais, sociais, económicas e com barreiras internas, tais como a insatisfação, burnout e turnover dos profissionais.
O contexto atual fez nascer o projeto Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) para avaliar as condições de saúde e estilos de vida dos profissionais e de que forma as organizações são ecossistemas promotores da saúde e bem-estar.
O projeto tem a mão de uma equipa de coordenação oriunda da Universidade Lusíada de Lisboa, da FM/FMH/ISAMB/Universidade de Lisboa e do Plano Nacional para a Saúde Mental/Direção-Geral da Saúde. E tem como objetivo principal estudar, construir e validar um instrumento crosscultural e use friendly de avaliação dos healthy workplace, em articulação com o Modelo de ambientes de trabalho saudáveis da OMS (WHO, 2010).
Nas próximas semanas iremos apresentar uma rubrica na qual algumas organizações, das mais de 40 que integram o projeto, partilham reflexões e práticas de ambientes de trabalho saudáveis em diferentes setores e atividades.
Healthy Workplaces
A avaliação da qualidade e dos processos é uma componente vital para a manutenção e melhoria da qualidade dos serviços e desempenho prestado pelas organizações e respetivos profissionais. Os resultados de uma organização, nomeadamente o desempenho dos profissionais são altamente influenciados pela sua Saúde e Qualidade de Vida (QV). Uma cultura organizacional que tenha uma abordagem focada na promoção de qualidade de vida dos profissionais e de espaços de trabalho saudáveis (Healthy Workplace) está associada a uma melhor satisfação com o trabalho, menos riscos psicossociais no trabalho e consequentemente melhores resultados, nomeadamente um melhor desempenho dos profissionais e satisfação por parte dos clientes.
As organizações que têm como pilar estratégico a promoção do bem-estar e saúde dos profissionais tendem a prevenir riscos, promover a saúde e resolver problemas ou ocorrências negativas. Uma abordagem de promoção de qualidade de vida e bem-estar, tem maior capacidade para atrair e reter os profissionais e melhora o comprometimento dos seus profissionais. Deste modo, estes aumentam o seu desempenho, a sua criatividade e capacidade de inovação. Por outro lado, permite reduzir fatores de risco e desestabilizadores no trabalho, tais como conflitos, queixas, turnover, absentismo, problemas de desempenho, acidentes e incapacidade. Ambos, organização e profissionais, partilham a responsabilidade de manter e melhorar o bem-estar e qualidade de vida.
A Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010) apresenta um modelo de ambientes de trabalho saudáveis, indicando as vias de influência, processo e princípios essenciais. Começa por definir um ambiente de trabalho saudável como aquele em que os profissionais e os gestores/chefias em conjunto desenvolvem um processo de melhoria contínua da proteção e promoção da segurança, saúde e bem-estar de todos os profissionais e para a sustentabilidade do ambiente de trabalho tendo em conta o ambiente físico de trabalho, o ambiente psicossocial do trabalho, os recursos para a saúde pessoal e o envolvimento da organização na comunidade, estando sempre presente o compromisso da liderança, a participação ativa do profissional e o respeito pelos valores e a ética. Adicionalmente o processo de melhoria contínua implica um ciclo de atividades, nomeadamente mobilizar, reunir, diagnosticar, priorizar, planear, executar, avaliar, melhorar e assim sucessivamente.
Bem-estar e QV no trabalho podem resultar de atividades desenvolvidas pela entidade patronal que melhorem as condições de trabalho e que melhorem a vida dos profissionais no desenvolvimento das suas tarefas, tais como restruturar o trabalho, implementar um sistema de recompensas, melhorar o ambiente laboral, promover a participação/autonomia, melhorar os salários, permitir o desenvolvimento de carreira, promover competências de resolução de conflitos, comunicação, promover relações positivas e justas entre os profissionais e entre profissionais e chefias e promoção de saúde e bem-estar.
Todos os especialistas concordam que uma abordagem holística e multidisciplinar é fundamental para o sucesso da implementação das boas práticas. Alguns exemplos de boas práticas identificadas são: envolvimento de stakeholders e representantes dos setores relevantes, intervenção baseada na evidência científica, disseminação das boas práticas, intervenção como um processo com melhoramentos e avaliação contínuos.
A Pandemia COVID-19 teve um impacto sem precedentes ao nível mundial na saúde das populações e nos sistemas de saúde, assim como impacto ao nível social, económico, educacional e laboral. O lockdown provocou diversas alterações e consequentes desafios laborais e familiares que devem ser analisados de forma aprofundada.
As pessoas que trabalham a partir de casa ficaram expostas a riscos psicossociais específicos, como o isolamento, fronteiras confusas entre o trabalho e a família, aumento do risco de violência doméstica, entre outros. O medo de perder o emprego, cortes e reduções salariais, despedimentos e redução dos benefícios provoca insegurança laboral em muitos trabalhadores, a insegurança, a perda económica e o desemprego podem ter um grave impacto na saúde mental (International Labour Organization, 2020). Estes e outros riscos psicossociais podem surgir ou aumentar como resultado da COVID-19 e se não forem devidamente avaliados e geridos, os riscos psicossociais podem aumentar o stress, diminuir a produtividade e conduzir a problemas de saúde física e mental.
As respostas psicológicas incluem baixo humor, baixa motivação, ansiedade, burnout, depressão e suicídio e pode também ocorrer uma série de reações físicas, tais como problemas digestivos, alterações do apetite e do peso, reações dermatológicas, fadiga, doenças cardiovasculares, perturbações músculo-esqueléticas, dores de cabeça ou outras dores e dores inexplicáveis. As mudanças de comportamento ao nível do comportamento sedentário, hábitos de sono, aumento da utilização de tabaco, álcool e drogas, dependência de tecnologias, etc. Além disso, um mau ambiente de trabalho psicossocial pode ter um impacto considerável sobre a produtividade no local de trabalho, através do aumento do absentismo, diminuir compromisso laboral e redução do desempenho profissional (tanto no que diz respeito à qualidade como quantidade de trabalho). A acumulação de stress e fadiga pode reduzir a precisão de trabalhar e aumentar a possibilidade de erro humano, aumentando o risco de lesões e acidentes no trabalho.
As organizações podem promover a saúde, bem-estar e prevenir e mitigar os riscos psicossociais e os problemas de saúde mental durante a pandemia da COVID-19 através de ações nas seguintes áreas:
- Ambiente e equipamento;
- Carga de trabalho, espaço de trabalho e calendário de trabalho;
- Violência e assédio;
- Equilíbrio trabalho-vida;
- Segurança do emprego;
- Liderança de gestão;
- Comunicação, informação e formação;
- Promoção da saúde e prevenção de comportamentos negativos de coping;
- Apoio social; e
- Apoio psicológico (International Labour Organization, 2020).
Projeto Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS)
O projeto envolve duas fases. Uma primeira fase em que são desenvolvidas entrevistas com especialistas e administradores/diretores de organizações para definir questões fundamentais a incluir no instrumento (tendo como base o modelo WHO (2010) e o modelo ecológico). Numa segunda fase através de análise aprofundada dos resultados da fase 1 será definido o instrumento final que será testado e validado no universo das organizações de diversos países Europeus.
Pretende-se produzir um manual de boas práticas e recomendações no âmbito da promoção, desenvolvimento e avaliação de Healthy Workplaces.
Equipa de coordenação
Tânia Gaspar – Universidade Lusíada de Lisboa & ISAMB/Universidade de Lisboa
Miguel Xavier – Plano Nacional para a Saúde Mental/Direção-Geral da Saúde
Manuela Faia Correia – Universidade Lusíada de Lisboa
Maria do Céu Machado – FM/Universidade de Lisboa
Margarida Gaspar de Matos -ISAMB/FMH/Universidade de Lisboa
Entidades de acompanhamento
Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)
Fórum Saúde para o Século XXI
Ordem dos Psicólogos Portugueses
Ordem dos Médicos – Colégio da Especialidade de Medicina do Trabalho
Ordem dos Nutricionistas
SICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências
CENC – Centro de Medicina do Sono
Colaboração: WHO European Office for Prevention and Control of Noncommunicable Diseases (NCD Office)
Por Tânia Gaspar – Universidade Lusíada de Lisboa & ISAMB/Universidade de Lisboa