Virgílio Cruz Machado é Diretor da Faculdade de Tecnologia FCT Nova, cujo “Perfil Curricular” celebra 10 anos de existência e é considerado pioneiro a nível do Sistema Nacional de Ensino Superior. Em entrevista à Líder, o responsável fala dos resultados da implementação desse Perfil inovador, para além do desenvolvimento de novos projetos como o Innovation District no concelho de Almada e os projetos a desenvolver no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. Anualmente cerca de 1200 estudantes entram na FCT Nova, e é com orgulho que Virgílio Cruz Machado faz referência aos perfis de liderança, formados pela Instituição, que hoje dirigem grandes tecnológicas e empresas, casos de sucesso que em comum têm o alicerce da formação.
O “Perfil Curricular da FCT” é considerado pioneiro a nível do Sistema Nacional de Ensino Superior em Portugal. O que veio trazer de novo e de diferente?
O Perfil Curricular, que celebra este ano dez anos de existência, esteve na vanguarda de todo o Sistema Nacional de Ensino Superior, com a Nova School of Science and Technology | FCT Nova a introduzir uma abordagem inédita na execução pedagógica dos seus cursos de licenciatura e mestrado a partir do ano letivo 2012/13. A partir desse ano, introduzimos um período entre semestres para poder dotar os alunos de novas competências, as chamadas sofft skills. O Perfil Curricular é um reforço da formação com competências que consideramos fundamentais para a empregabilidade dos estudantes, desde a preparação do Curriculum Vitae, à compreensão da ciência e tecnologia como hoje a entendemos, dentro de uma lógica de sustentabilidade e transformação digital. O objetivo é ampliar o horizonte da formação dos estudantes, à semelhança do que fazem as grandes universidades internacionais. Orgulhamo-nos do facto de a FCT Nova ter sido a primeira faculdade portuguesa a integrar esta abordagem, que hoje começamos a ver implementada entre outras faculdades nacionais.
Ao longo destes 10 anos, quais foram as maiores transformações para os quais tanto os alunos como os líderes tiveram de se preparar?
Ao longo dos últimos dez anos, os resultados da implementação do Perfil Curricular, designadamente da avaliação contínua, mostram uma melhoria significativa do sucesso escolar. Dotar os estudantes de soft skills, mas também despertá-los para temas que fomentam uma maior aproximação à realidade empresarial, são alguns dos pontos que fazem parte da unidade curricular. Este ano, por exemplo, foram incluídas as temáticas “Sociedade, Sustentabilidade e Transformação Digital”, de forma a criar um pensamento critico e sustentável para os próximos cientistas e engenheiros portugueses.
São várias as transformações que têm ocorrido ao longo dos últimos dez anos e o Perfil Curricular tem vindo a ser adaptado para responder a essas mesmas transformações, transversais a vários setores de atividade. Posso destacar, por exemplo, a urgência da transformação digital que muitos negócios experienciaram nos últimos dois anos, devido à pandemia de Covid-19 – negócios que passaram a contar única e exclusivamente com o espaço digital como método de subsistência. O tema da sustentabilidade é também cada vez mais premente, pela urgência global que existe em conseguirmos tomar as ações necessárias para preservarmos o meio ambiente que nos rodeia sem comprometermos os recursos de gerações futuras.
Quais são as soft skills que considera mais cruciais para os tempos que enfrentamos?
O Perfil Curricular visa atribuir novas competências aos estudantes que acreditamos serem fundamentais para o seu sucesso no ambiente laboral. Além das competências referidas na resposta anterior – Sociedade, Sustentabilidade e Transformação Digital – que têm sido cada vez mais aprofundadas no perfil FCT NOVA, os estudantes devem, acima de tudo, dotar-se da capacidade de pensamento crítico, da criação de valor a partir de uma ideia, de serem empreendedores. Creio que é a partir daqui que nascem as ideias mais disruptivas que se podem tornar em negócios com o potencial de impactar o mundo.
Terá a pandemia afetado esse desenvolvimento?
Acredito que não. Os jovens têm uma enorme capacidade para se adaptarem a novas situações, a novas realidades e a pandemia foi mais uma prova disso mesmo. No nosso meio, continuámos a contar com este período entre semestres, em que, mesmo à distância – quando a pandemia assim o exigiu – desafiámos os nossos estudantes a melhorarem estas competências sociais que são, de facto, fundamentais para o sucesso no meio laboral.
De que forma está a FCT NOVA envolvida no Plano de Recuperação e Resiliência?
O PRR constitui uma importante fonte de financiamento para relançar programas de upskiling e reskiling da força de trabalho que requer atualização tecnológica, derivada dos grandes avanços que a tecnologia tem proporcionado em todos os setores da economia e da indústria. No âmbito da medida 6 do PRR, a Nova submeteu um projeto (já aprovado e em implementação), viabilizando a formação de cerca de 1000 pessoas em áreas como a Inteligência Artificial, IOT, Machine Learning, etc., cobrindo matérias de reconhecida necessidade no âmbito da transformação digital que o país necessita. Ainda no PRR foi submetido um projeto, no âmbito da medida 13, que permitirá adotar tecnologias inovadoras de Eficiência Energética com vista a uma maior sustentabilidade do edificado da FCT Nova e assim contribuir para a descarbonização do seu campus.
Fale-nos sobre o projeto Innovation District em Almada. O que está previsto?
O campus da faculdade integra o coração do ‘Innovation District’ e dá corpo a um projeto urbano e paisagístico de 600 mil metros quadrados, sendo um novo espaço de investigação com forte presença empresarial, aberto à cidade, estendendo-se à reabilitação da zona ribeirinha de Porto Brandão. O projeto já está a avançar com um investimento em curso que supera os 800 milhões de euros, criando 17 mil novos postos de trabalho, 1500 camas para estudantes e criando condições para fixar mais 4500 novos habitantes. O ‘Innovation District’ baseia-se no conceito live-work-play: um espaço multidisciplinar urbano de emprego e ensino, totalmente aberto à sociedade. O objetivo é criar um ecossistema sustentável na região integrando as melhores práticas de gestão urbana, criar uma comunidade vibrante, diversificada e inclusiva.
A Faculdade tem vindo a desempenhar um papel importante na formação dos futuros engenheiros e cientistas de portugueses. Partindo desta nova execução pedagógica, que mudanças acredita virem a ser sentidas, tanto a curto, como a longo prazo?
A FCT Nova adotou uma estratégia centrada na integração das atividades de investigação no ensino, de forma que desde os primeiros anos os estudantes tenham acesso e sejam integrados em projetos de investigação desempenhando tarefas que possam progressivamente apoiar o seu processo de aprendizagem. A consolidação dos seus 14 centros de investigação e a excelência da sua atividade tem sido fundamental, também, na missão pedagógica viabilizando a utilização de equipamentos e de outros recursos nesse sentido. Esta transformação que operámos no processo de ensino através do que designámos como Perfil FCT NOVA, passados 10 anos, revela que os engenheiros que chegam ao mercado dominam melhor a interligação entra as competências técnicas e as competências de “conhecimento do mundo” tornando-os mais competentes e sensíveis aos desenvolvimento de soluções para as empresas, sejam elas relacionadas com o desenvolvimentos de novos produtos, de novas tecnologias ou mesmo de novos serviços, pois passaram a ter uma visão muito mais alargada do negócio e do contexto em que a sua profissão pode contribuir. Esperamos que esta iniciativa que agora começa a ser também adotada por outas Escolas de Engenharia Portuguesas, permitam que o país aumente drasticamente a sua capacidade de gestão tecnológica e a sua competitividade internacional viabilizando o aparecimento de novas empresas nacionais que vejam as suas marcas a serem reconhecidas internacionalmente, o que até agora não tem acontecido.
Quais são as grandes temáticas que acredita que o Sistema Nacional de Ensino deveria abordar, e que reformulação deveria haver na forma como se ensina em Portugal?
A tecnologia atinge todos os sectores da economia e indústria, desde as obras públicas à construção e montagem de produtos. Ainda se sente muita falta de pessoas que além de saber utilizar essas ferramentas, também sejam capazes de conceber os programas informáticos de forma mais autónoma para cada realidade empresarial. Especificamente, a linguagem de programação deveria ser introduzida “ao mais cedo” no sistema de ensino desde a tenra idade. É algo que já é feito em vários sistemas de ensino a nível internacional, com bastante sucesso e que acredito que o nosso Sistema Nacional de Ensino iria beneficiar. A programação ajuda as crianças a desenvolver uma relação mais inteligente com a tecnologia, dado que podem aprender a programar de uma forma leve e divertida, a brincar, quase sem que se apercebam que estão efetivamente a adquirir novas capacidades. Além disso, introduzir no sistema de ensino a aquisição de competências de linguagem de programação ajuda também a melhorar a relação das crianças e jovens com a matemática. Em simultâneo introduzir também os princípios do empreendedorismo, no que respeita aos aspetos relacionados com o treino em ambiente de trabalho em equipa de forma a construir algo, que os alunos vejam que são capazes de fazer e, consequentemente de “aprender fazendo”.
Como podem os nossos líderes unir-se e inspirar também a mudança? Que mensagem quer deixar?
Portugal conta com líderes incríveis que estão a levar a marca Portugal a todos os cantos do mundo. Exemplos como Paulo Rosado, que foi nosso aluno e criou a OutSystems, uma empresa que continua a inovar com a sua plataforma low-code, utilizada por empresas em todo o mundo; ou como Cristina Oliveira, também ex-aluna, hoje astrónoma a trabalhar no Space Telescope Science Institute onde lidera uma equipa que está a criar um novo telescópio espacial da NASA; são grandes líderes portugueses que estão a contribuir para inspirar a mudança, a nível global. Estas histórias de sucesso têm algo em comum: em todas a base, o alicerce, é o ensino, a formação. Devemos continuar a investir intensamente no ensino superior, esta é inclusive umas das principais heranças do 25 de Abril. Recordo que a Universidade Nova foi fundada pouco tempo antes da revolução e até ao momento formámos mais de 30 mil engenheiros com o ADN da NOVA: criatividade, inovação e descoberta. A mensagem aos nossos líderes deve ser clara: investir no ensino e na investigação é investir na transformação da sociedade, é criar o futuro hoje, com as nossas próprias mãos.
Por Patrícia Monsanto