Fernando Esteves fundou o primeiro jornal português de fact checking – o Polígrafo – em 2018, que tem como missão trabalhar o tema da Democracia e literacia mediática. Assegura que no Polígrafo não fazem apenas verificação de factos, desconstroem rumores e ajudam a combater a desinformação. Garante ainda que, cerca de 70% das notícias que lemos online ou nas redes sociais não são verificadas nem confirmadas, o que torna tudo cada vez mais perigoso.
À Líder, Fernando Esteves admite que as pessoas não convivem bem com a verdade. Uma conversa em torno das narrativas sobre a verdade, as fake news, o papel do jornalismo e o declínio de valores.
Quais são os grandes problemas coletivos da nossa Era relativamente à verdade?
O facto de a palavra Verdade ter dado lugar à expressão “narrativa”. Já não há uma verdade absoluta; há narrativas sobre a verdade.
“Contamo-nos histórias de modo a conseguirmos viver” é uma frase de Joan Didion que vai ao coração da nossa necessidade de narrativas que atribuam sentido e ordem às nossas vidas labirínticas. As pessoas querem a verdade?
As pessoas não convivem bem com a verdade – preferem as narrativas que reforçam as suas convicções, mesmo que baseadas em informações que não encontram espelho nos factos.
Serão as fake news a causa dos problemas da Democracia atual?
As chamadas fake news não são uma causa; são uma consequência da natureza humana. Preferimos uma boa história a uma verdade por vezes inconveniente.
Ou o problema estará na sua proliferação enquanto sintoma de declínio de valores e sentido de verdade?
O “declínio de valores” não é produto da sociedade da informação. Lembremo-nos da inquisição ou de outras atrocidades que a História se encarregou de fixar. O que acontece é que hoje, por causa da massificação da informação, temos uma perceção mais aguda de um fenómeno que é secular.
Quem beneficia com a desinformação?
Todos os inimigos da liberdade.
Qual o impacto na sociedade?
No limite, o fim das democracias.
O cidadão também tem um papel a desempenhar na legitimidade da informação?
Sem dúvida. Precisamos de cidadãos mais informados e mais criteriosos na forma como partilham o lixo informativo com que são impactados sobretudo através das redes sociais.
Qual o papel dos jornalistas?
Informar. Não acredito nos jornalistas que se consideram grandes educadores do povo.
Em que medida os jornalistas não estão a cumprir o seu papel?
O jornalismo ainda não encontrou respostas perfeitas para resolver a imperfeição dos homens. Duvido de que algum dia venha a encontrar.
Que importância tem o jornalismo de “verificação de factos”?
Muita. É um esforço honesto do jornalismo para corrigir a imperfeição de que falei anteriormente. Mas não chega – ou, pelo menos, não tem chegado.
Como deveria ser o jornalismo do e no futuro?
Um jornalismo criativo e sem preconceitos bacocos relativamente a fenómenos como a inteligência artificial, que pode ser um instrumento nuclear na luta contra a desinformação.
Vivemos em bolhas diferentes ditadas pelo algoritmo. Nesta Era o que é urgente rever em termos de valores e conceitos?
Não acredito em revoluções culturais. Os valores e conceitos de hoje são os mesmo de há muitos séculos. O bem e o mal sempre existiram. A honra e a desonra também. Precisamos sobretudo de investir cada vez mais na qualidade da educação para criarmos uma geração culta e informada. A cultura e a informação são a maior terapia para combater a escuridão que ameaça as Democracias.
BI:
É jornalista há 23 anos, trabalhou nos jornais Euronotícias e O Independente, a que se seguiu a revista Sábado, onde foi editor de Política entre 2005 e 2017, e a revista Visão, onde manteve uma coluna de opinião até 2018. Licenciado e pós-graduado em Ciências da Comunicação, deu aulas de Jornalismo em várias universidades. Jornalista premiado pelas suas investigações jornalísticas sobre os negócios duvidosos no setor da Saúde, apresentou o programa televisivo Clube de Jornalistas. É autor de três livros: O Todo-Poderoso, uma biografia não oficial do ex-político socialista Jorge Coelho; Cercado – Os Dias Fatais de José Sócrates, um dos livros de não-ficção mais vendidos de 2015; e A Sangue Frio, sobre a “Operação Marquês”, onde são investigadas algumas das figuras mais importantes da sociedade portuguesa dos últimos 25 anos; e Viral – A Epidemia das Fake News, este último em coautoria com o Diretor-adjunto do Polígrafo, Gustavo Sampaio.
Idade: 51
Cargo: Diretor do Polígrafo
Educação académica: Licenciatura em Ciências da Comunicação
O que faz quando tem tempo livre: Finjo que sou o Muhammad Ali no ginásio e o Paquito Navarro no campo de padel.
Livros da sua vida: A Causa das Coisas, de Miguel Esteves Cardoso, lido de uma assentada na livraria do cinema King quando tinha 15 anos; O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, um tratado sobre os limites da ambição e a fragilidade do “sonho Americano”; O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, um espelho cru sobre a natureza humana.
Podcasts: Lá fora: Sway, do New York Times; cá dentro: Isso Não se Diz, do Bruno Nogueira.
Viagens de sonho: Todas as que ainda tenho para fazer com o meu filho Rodrigo.
Líder que o inspira: Winston Churchill, autor da frase que mais partilho com o meu filho de 14 anos: “O sucesso consiste em ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo.”