A Pandemia tornou a semana de trabalho de quatro dias mais atraente o que é comprovado por uma recente pesquisa onde 65% das empresas no Reino Unido dizem estar a implementar o novo modelo. Rita Fontinha, Psicóloga e Professora de Strategic Human Resource Management na Henley Business School, em Londres, orientou o estudo realizado em novembro de 2021 junto de 2000 trabalhadores e 500 líderes de empresas. O relatório “The four-day week – The pandemic and the evolution of flexible working”, serviu de base para a entrevista com a Líder onde ficamos a perceber que mais do que a escolha de trabalhar quatro dias por semana, trata-se de assumir uma nova linguagem de flexibilidade laboral.
Já em 2019 tinha sido feito um estudo junto das organizações sobre a implementação de uma semana de trabalho de quatro dias (“Four Better or Four Worse?”). Quais as principais diferenças que identifica?
Ao fazer o estudo em 2019, e no final de 2021, verificamos uma diferença na forma como as pessoas percecionam qualquer forma de flexibilidade laboral, incluindo a semana de trabalho dos quatro dias. Embora tenha custos iniciais, principalmente em setores de contato com o público, os ganhos acabam por superar. Em 2019 as poupanças eram de 92 biliões de libras, um valor que aumentou para 104 biliões em 2021, o que corresponde a 2.2% do volume total de negócio das empresas em Inglaterra. As pessoas, líderes e trabalhadores, estão mais abertos à semana de quatro dias, pois apesar da terrível experiência social, a Pandemia serviu para trabalhar a partir de casa o que levou a uma mudança em muitos setores.
Na vossa pesquisa há uma percentagem considerável de inquiridos (27%) que prefere um corte no salário a ter de se deslocar ao escritório. Com a crise de escassez de talentos, até que ponto a semana de quatro dias pode ser mais uma forma de reter e atrair pessoas, em vez de uma nova organização da sociedade, como um ecossistema económico global?
Concordo que é um modelo económico que faz sentido, pois os ganhos suplantam os custos, no entanto, é muito importante começar pelas empresas e pelos estudos piloto para perceber como vai funcionar, e em diferentes setores. Daí que esta mudança não pode ser imediata, de um dia para outro. É um modelo que traz mais custos e será mais difícil para as empresas mais pequenas, por isso sugerimos que haja uma implementação faseada. Hoje há uma oferta de diferentes tipos de flexibilidade e acho importante a semana de quatro dias ser uma dessas formas, tal como há outras. No estudo verificamos que a maioria das pessoas concorda com a semana de quatro dias se puderem escolher o dia off ou se este dia off for a 2ªfeira ou 6ªfeira. Caso seja a empresa a definir o dia, então as pessoas preferem escolher quando trabalham, em que momento do dia, ou aos fins de semana. Ou seja, mais evidente do que uma semana mais curta, está a ideia de redução de horas de trabalho e de controlo do próprio tempo. Estes sim, são os aspetos fundamentais, daí a importância do teste piloto ser sobre todos os diferentes tipos de flexibilidade.
Há a questão interessante sobre o que fazer com um fim de semana de três dias.
Sim, sendo que neste questionário já participaram pessoas a trabalhar no modelo da semana de quatro dias. A maioria falou em passar mais tempo com a família e amigos, e enfatizou o controlo sobre o próprio tempo. Para além de irem mais às compras e aos restaurantes, o que vai ao encontro do que afirma o Pedro Gomes (autor de “Sexta-feira é o novo Sábado”), de que a economia associada ao lazer vai crescer tal como aconteceu com a semana de cinco dias há 100 anos. O que verificamos entre 2019 e 2021 foi o aumento em 32%, cerca de um terço, das pessoas que referiram usar o dia “extra” para se dedicarem a um “side hustle”, um projeto pessoal, entre ser motorista de Uber, dedicar-se à gig economy, escrever um livro ou fazer voluntariado.
O que diz sobre a discriminação, por parte dos outros colegas, em se colocar o rótulo do preguiçoso naquele que escolher o fim de semana de três dias?
Primeiro há que perceber que esta é uma implementação social num contexto laboral. Depois existe a ideia do trabalho como uma métrica de sucesso, e isso é importante pois faz parte da nossa identidade, somos vistos pelo que fazemos. Mas a Pandemia veio alterar esta perceção e a ideia de escolher a flexibilidade ficou menos estigmatizada. Na minha opinião a ideia de flexibilidade, ou trabalhar em part time, estava associada às mulheres, e agora, sendo uma medida para todos, é mais democrática e tem uma maior aceitação.
Culturalmente, assumir uma semana mais curta de trabalho, ainda traz um sentido pejorativo, especialmente em países mais “conservadores, como Portugal. Contudo, somos dos países da Europa que mais horas trabalha, com menos produtividade. Mas ao sair à hora certa do escritório, é-se mal visto.
Portugal é dos países onde existe uma maior cultura de presentismo laboral (estar presente no local de trabalho mais horas do que é necessário), o que não se traduz necessariamente em produtividade. É nos países nórdicos onde há mais produtividade e onde se trabalha menos horas. No caso do projeto piloto na Islândia, um dos países do Norte que mais trabalham, passaram de 40 horas semanais para 35 a 36. A redução foi de horas de trabalho e não de um dia da semana, ou seja, trabalham cinco dias com menos horas. Esta medida teve um impacto muito grande na ideia do controlo sobre o tempo e a redução de horas excessivas de trabalho. Como podem as empresas poupar se estão menos tempo a trabalhar? Este estudo confirma a ideia de que as pessoas perdem menos tempo em reuniões desnecessárias, são mais produtivas, e graças ao tempo de recuperação há menor absentismo, um aspeto muito mencionado pelas empresas.
Como se começa e quais são os reais obstáculos à implementação deste novo modelo de trabalho?
Os setores com maior correlação entre o tempo de trabalho e a produtividade, em que as pessoas têm de estar presentes, são onde é mais difícil implementar. A semana de quatro dias tem sido, aliás, mencionada como um modelo que colmata o desemprego, pelo facto de ter de se contratar mais pessoas para preencher as folgas. Comércio, hotelaria, saúde e indústria são os setores mais difíceis. Outros, como IT, Financeiro, Consultoria de gestão já estão a usar o novo modelo. De um modo geral, os ganhos suplantam os custos, mas há necessidade de investimento. Os setores que terão um custo inicial maior precisam de apoio. Não se pode falar de uma implementação abrupta da semana dos quatro dias e para que funcione há que demonstrar quantitativamente estes ganhos e fazer uma mudança progressiva. Deve-se começar por determinados departamentos, o que também pode gerar conflitos pela falta de equidade. Mas deve-se testar por determinados setores e ir aferindo os ganhos e o que pode ser alterado.
É definitivamente melhor trabalhar menos um dia da semana?
Acho que não existe resposta sim ou não! Pode haver outras formas de flexibilidade que funcionem melhor para certas profissões e os resultados que obtivemos neste estudo foram nesse sentido. Com a nossa investigação mostrou-se que as pessoas podem escolher trabalhar a full time mas a diferentes horas, o que reforça a ideia de controlo sobre próprio tempo e não ser controlado pelo empregador. Não é só autonomia, é autocracia! Com o modelo da Islândia, de trabalhar menos horas, e o caso da Great Resignation nos EUA, de uma forma de repensar a vida, faz sentido que se evolua para menos horas de trabalho.
Qual perfil de liderança adequado para estes novos tempos?
Fala-se muito da ideia do líder transformacional, da distribuição da liderança e de uma hierarquia mais esbatida. Para estes temas funcionarem faz sentido um tipo de estruturas mais achatadas, pois na prática são os líderes, as chefias diretas que implementam estas medidas. Quem vai dizer se podemos trabalhar quatro dias por semana é o chefe, que à partida também o faz. Caso contrário, eu não estarei confortável ao fazê-lo. Para um sistema funcionar, seja da semana de 4 dias, ou outro tipo de flexibilidade, é a equipa e a cultura que fazem as coisas acontecer.
Por Rita Saldanha