Ser feliz no trabalho é o mote para o que hoje acontece no Porto, o Happiness Camp. O encontro promovido pelo Lionesa Business Hub, espera juntar cerca de 6.000 participantes de 12 nacionalidades que se vão debater pelo princípio de que colaboradores felizes são mais produtivos.
Em conversa com a Líder, Manuel Salvador Araújo, professor, psicólogo e um dos oradores do encontro, explica a relação entre produtividade e trabalho, qual o caminho para um trabalho feliz e o papel das lideranças no florescimento de pessoas felizes.
Pessoas infelizes produzem menos. Ainda existe incompreensão sobre esta relação e falta de reconhecimento do bem-estar no trabalho, sem ser uma moda. Qual é a sua opinião?
Sim, parece haver uma forte correlação positiva entre estas duas variáveis. A investigação científica associa ao aumento de felicidade dos trabalhadores, um também aumento de produtividade organizacional. Outros estudos, vão mais longe e afirmam mesmo que, a felicidade pode ser um preditor de maior produtividade. É natural que num paradigma mais clássico de funcionamento organizacional, para conseguir maior produtividade, não seja a felicidade a primeira escolha de investimento. Durante muito tempo, a preocupação com o que o trabalhador sentia ou deixava de sentir, não era sequer uma questão em cima da mesa dos decisores.
As “modas” também ajudam a sensibilizar os mais distraídos da importância de aspetos da vida humana que, não sendo os mais conhecidos, não deixam de fazer muito sentido para melhorar o negócio. Por isso, diria que esta nova corrente, muito baseada na Psicologia Positiva, tem conseguido atrair cada vez mais decisores, não só pelo “surfar da moda”, mas porque de fato traz retorno ao negócio, e essa é uma linguagem fácil de entender na gestão.
Qual o papel dos líderes para garantir lugares de trabalho e trabalhadores felizes?
A liderança assume neste, como em outros temas organizacionais, um papel fundamental. Pela sua função influenciadora, o líder pode criar ambientes organizacionais saudáveis, com condições para que os seus colaboradores possam “florescer”. Todo o ciclo de vida organizacional de um colaborador, desde a sua atração e seleção, receção, integração, desenvolvimento, mobilidade e, até na desvinculação, pode ser conduzida por processos de gestão de recursos humanos, através de abordagens humanistas, que tenham em consideração o bem-estar psicológico das pessoas, sempre alinhadas com os objetivos organizacionais.
Os líderes dão o exemplo, e como modelos de comportamento e cidadania organizacional, podem inspirar as suas equipas a adotar estratégias consentâneas com uma maior tendência para a felicidade, para além de terem o poder de criar as condições para o tal “florescimento” que falávamos anteriormente. Trabalhadores que se conheçam bem, que conheçam também o seu propósito, que tenham oportunidade de crescer profissionalmente, que possam ser mais autónomos, que dominem o seu ambiente, e que tenham boas relações com os colegas, são aquilo que um líder deveria procurar desenvolver através do seu papel. Se a liderança conseguir criar uma cultura e um clima positivo que promova estas caraterísticas, terá seguramente pessoas mais felizes, e, por conseguinte, maior probabilidade de inovação e produtividade.
Uma pessoa feliz pode tornar-se infeliz em resposta a um trabalho que a desmotiva?
As pessoas não vivem só para o trabalho, tendo muitas outras dimensões de vida que as podem fazer felizes. Como no mundo dito civilizado, o trabalho ocupa de fato uma importância considerável no tempo de vida das pessoas, é natural que o seu contributo para a felicidade seja, ele também de grande importância. O conceito de motivação está associado a “energia para a ação”, e claro, se a pessoa não se sente motivada para a sua ocupação isso vai ter consequências a nível pessoal, na equipa e na organização. Pessoas desmotivados não produzem tanto nem com tanta qualidade, o que se perdurar no tempo, poderá ser um problema sério.
Todos nós temos direito de, num ou noutro momento da nossa vida, não estarmos nas melhores condições de energia. Somos uma realidade biopsicossocial com bastantes possibilidades de vulnerabilidade, mas também de recuperar dessa situação de vulnerabilidade. É responsabilidade pessoal cuidar da própria saúde (e não há saúde sem saúde mental), mas é também responsabilidade do empregador cuidar da saúde dos seus trabalhadores.
A felicidade não é um lugar onde se chega e daí não se sai. É mais um estado emocional, um processo dinâmico em que a pessoa avalia num dado momento que, em termos gerais a sua situação na vida como tendo mais coisas boas que más. Podemos ter pessoas felizes que não são felizes no trabalho. Diria mesmo que são em grande número nas organizações, mas não precisam continuar assim, isto é, podem mudar essa condição, quer por iniciativa pessoal, quer com ajuda profissional, quer com uma boa gestão por parte da organização onde trabalha.
Qual é o segredo da felicidade? Deve ser esse o nosso primeiro objetivo?
Não sei responder a esta questão. Com humildade só posso deambular alguns pensamentos em relação ao que a ciência nos tem dado como mais próximo a uma resposta. O nosso cérebro procura prazer e evita a dor, e claro, se o saldo é mais positivo para mais momentos de prazer do que dor, numa visão mais hedonista poderíamos dizer que a pessoa seria mais feliz.
Porém, o mesmo cérebro desta subespécie homo sapiens sapiens, aponta para outras dimensões da “fórmula da felicidade”, que já indicamos anteriormente, de cariz mais eudemónico (autoaceitação, propósito, autonomia, domínio do ambiente, desenvolvimento pessoal e boas relações interpessoais). Não me atrevo a dizer qual deve ser o nosso primeiro objetivo como espécie. Diria que cada um deve procurar conseguir ser sempre uma melhor versão de si próprio como pessoa e porque vive num mundo sistemicamente interconectado, em que os outros seres vivos e os seus contextos são parte do ecossistema, incluir também o equilíbrio com esses mesmos ecossistemas. Mais do que ter uma visão ego-sistémica, advogaria uma visão mais eco/ético sistémica.
Que práticas e ferramentas aconselha para cultivar e disseminar uma cultura positiva e sustentável entre as empresas e organizações?
Importa desde o início criar as condições de trabalho mínimas que tragam dignidade à vida das pessoas, tendo por base um salário digno e com boas condições de saúde ocupacional. Ter uma política clara no que respeita ao bem-estar dos trabalhadores, com programas anuais neste tópico, com um budget próprio e com uma equipa de trabalho interdepartamental.
Formar os líderes para uma abordagem de liderança coach, no sentido transformador, pois necessita promover um clima psicologicamente saudável, em que a existe colaboração e a comunicação flui em todos os sentidos, em que a prática de feedback e feedforward são constantes, em que o erro é permitido, em que os talentos pessoais têm oportunidade de se desenvolverem, em que as pessoas se sentem engajadas, em que existem objetivos claros a atingir e condições para que isso ocorra. De alguma forma estamos a falar de práticas de gestão de recursos humanos que já deram provas do seu valor e impacto no negócio. Tratar as pessoas como pessoas e não como máquinas é sempre uma boa aposta.
E o papel da tecnologia, ajuda ou, no caso das redes sociais, vem desvirtuar o sentido da real felicidade?
Tudo depende do uso que dele quisermos retirar. A tecnologia tem imensos benefícios e é sempre uma tentativa de extensão das limitações humanss. Claro que pode ter perigos e riscos consideráveis. Somos nós que o dominamos a tecnologia, ou será a tecnologia a dominar-nos?
Se a nossa felicidade está dependente de uns quantos “likes” de um qualquer estranho que tomou a decisão de apertar num ícone de um aparelho tecnológico, obviamente isso pode ser problemático, principalmente em algumas idades mais precoces (especialmente crianças e adolescentes).
As caraterísticas aditivas que a tecnologia disponibilizada nas redes sociais alimenta, são um dano colateral da expansão digital que vivemos, havendo já tentativas de regulamentar este universo mais ou menos caótico. Por outro lado, não podemos esquecer o lado positivo e benéfico que elas proporcionam a tantas pessoas, quer ao nível profissional quer em outras dimensões da vida. Para mim, uma vida mais autêntica é aquela que não envolve tantas extensões tecnológicas, razão pela qual é de continuar a valorizar a nossa realidade mais natural.
Qual é para si a melhor definição de felicidade?
Diria que estar bem comigo, ter boas relações com outros e poder contribuir para o florescimento de pessoas e sistemas.