Novos números mostram que existem cerca de 1,5 milhões de imigrantes em Portugal, uma enchente que tem trazido não só mão de obra e grandes contribuições para o país, mas também desafios na integração e recrutamento por parte das empresas e população.
Gilda Pereira, CEO da Ei! Assessoria Migratória, é uma voz ativa na área da mobilidade internacional e do talento global. Fundou a primeira agência em Portugal inteiramente dedicada à assessoria migratória para colmatar as lacunas de um fluxo migratório que não para de aumentar.
Em conversa com a Líder, trouxe para cima da mesa o estado da imigração, preocupações, esperança e ainda os pontos chave para uma liderança multicultural.
De que necessidades surgiu a sua empresa? Quais são as nacionalidades que mais procuram os seus serviços?
Eu emigrei para Angola em 2008 e, quando vinha de férias, sentia que passava a maior parte do tempo a tratar de papéis. Na altura, tive um problema com a carta de condução e não encontrei nenhuma empresa que desse suporte a pessoas que estivessem fora e que precisassem, por exemplo, de obter documentação.
Então comecei a ter a ideia de construir uma empresa que pudesse ajudar essas pessoas. O nome ‘Ei!’ Surge dessas duas vertentes, emigração e imigração, e pretendemos oferecer uma lista de serviços para ambos os casos.
Durante os dois primeiros anos, 2014 e 2015, os nossos serviços foram quase todos para emigrantes. Em 2016, começou a haver uma primeira vaga de imigração de brasileiros e começamos a fazer vistos e dar apoio. Em 2018 começamos a ser procurados pelas empresas, devido à falta de mão de obra, sobretudo na parte das tecnologias de informação. Depois seguiu-se uma vaga de britânicos, após o Brexit, e posteriormente de americanos, tendência que se mantém.
Somos focados em vistos de residência e todos os serviços gravitam à volta disso, como a procura de casa, de escolas, obtenção do número de segurança social e inscrição no centro de saúde.
Como tem mudado o panorama migratório em Portugal desde 2014?
Tem sido muito complicado e é preciso ter uma capacidade muito grande de resiliência e adaptação porque as leis estão sempre a mudar. Muitas vezes, os clientes não compreendem que o problema não é nosso, mas sim do país e das alterações legislativas, e, por vezes, ficam chateados. Quando chegam a Portugal, percebem que não é um problema da empresa, mas sim de desinformação, não existe coerência entre as próprias autoridades. Um consulado diz uma coisa, outro consulado diz outra.
Normalmente, já sabemos como é que funciona cada consulado, sendo que tentamos sempre instruir essas instituições para se reverem pelo que está na lei e não pelas interpretações. Para as pessoas que ainda não vivem cá, é muito complicado e estamos sempre a informar os clientes destas mudanças.
Ultimamente, uma das mudanças foi a questão de terminar a manifestação de interesse, que permitia que qualquer pessoa viesse para portugal com visto de turismo ou até com isenção de visto, como era o caso do Brasil. Muitos imigrantes viram em Portugal uma porta de entrada relativamente fácil para a Europa, mas, por estarem num limbo legal, muitas entidades empregadores aproveitaram-se. Agora, para virem para Portugal, as pessoas devem ter uma promessa de contrato de trabalho ou o próprio contrato.
Terminar com a manifestação de interesse faz com que exista uma imigração mais controlada, mas também mais humanista.
Entretanto, entrou em vigor no dia 15 de abril a via verde para a imigração. Este novo mecanismo poderá equilibrar as coisas entre a oferta e a procura de trabalho e a celeridade no processo migratório.
Eu tenho algumas dúvidas, dada a experiência ao longo deste tempo, que consigam cumprir com os 20 dias estipulados, a menos que reforcem as equipas. Muitas pessoas ficam desesperadas porque já se despediram ou venderam as casas e do outro lado os empregadores também estão à espera que eles comecem.
Como está o estado do AIMA (e ex-SEF) e instituições de imigração? Tem havido um verdadeiro apoio e envolvimento destes organismos na inclusão?
Neste momento, não existe muito apoio. Havia o Centro Nacional de Apoio a Integração de Migrantes (CNAIM), que ajudava na integração em Portugal, mas, quando extinguiram, o SEF e criaram a AIMA, extinguiram também o CNAIM. Ou seja, os imigrantes deixaram de ter ali uma parte de apoio cultural.
Não sei se vão voltar a criar qualquer coisa nesse sentido, mas eu acho que é urgente. Para a integração dos imigrantes que ainda vêm e para os que já cá estão.
Nesse sentido, tem-se falado de problemas relacionados com a imigração, levantando ondas de preconceito e xenofobia. No seu ver, existe um problema em Portugal? Se sim, que lacunas devem ser combatidas?
Em primeiro lugar, existe muita falta de informação. Continua-se com aqueles chavões de que agora é muito perigoso e que a violência aumentou, quando já se provou por ‘A + B’ que não existe qualquer correlação entre o aumento de imigração e a criminalidade. Se consultarem as nacionalidades dos presos em Portugal, não são oriundos dos países que estas pessoas mais temem.
Os medos das pessoas não estão ligados aos dados.
Ninguém se importa e está tudo bem até ao momento em que a imigração muda de cor e religião. A partir daí, as pessoas começam a ficar assustadas pelo desconhecido. Por não compreenderem como é a sua cultura.
Nós é que começamos a imigração com os descobrimentos, sempre fomos um país de imigrantes, como é que agora podemos parar atirar estas pedras? Não é justo.
O trabalho é um importante vetor para o bom funcionamento da imigração. Que conselhos deixa a empreendedores ou líderes que querem envolver trabalho imigrante?
A multiculturalidade é muito importante, assim como a multigeracionalidade. Isto funciona de uma forma incrível porque existem pontos de vista diferentes e quanto maior é o campo de visão da empresa, quanto mais diversidade existe, mais soluções e ideias irão brotar. Todas as empresas têm a ganhar com isso.
É importante integrar os trabalhadores imigrantes, fazendo, por exemplo, convívios dentro das empresas, inserir os colegas de trabalho em atividades ou convidá-los para passar datas importantes. Nós fazemos isso na nossa empresa e tem resultado muito bem porque as pessoas depois conhecem as nossas tradições e também trazem as dos seus países para a casa dos portugueses.
Como classifica a sua liderança e que características considera essenciais para incorporar a multiculturalidade e diferença?
Ser líder não é fácil e também não é para toda a gente e sinto que, ao longo destes nove anos, evoluí muito. No início, era uma pessoa muito exigente, que tolerava poucos erros.
Houve uma altura em que fiquei doente durante 18 meses, de repente, e a minha equipa tomou conta da empresa. Organizaram-se, as trabalhadoras mais seniors tomaram a liderança da empresa e formaram grupos, onde passaram elas próprias a ser líderes. Quando regressei gradualmente à empresa, percebi que tinha tido lucro e que eu não estava a ser uma boa líder. Com toda a autonomia que elas tiveram, sem as minhas interferências, conseguiram um resultado muito melhor. Às vezes, menos é mais.
Agora, acredito muito mais nas pessoas, na responsabilidade delas e não me meto no seu trabalho. Cada uma sabe o que deve fazer e, se tiverem dúvidas, podem sempre tirá-las. Para sermos um bom líder, temos de dar, mas também oferecer autonomia para crescer.
Agora, de duas em duas semanas temos uma reunião geral, onde levamos os problemas que aconteceram nesses 15 dias e debatemos, entre todas, quais deverão ser as soluções e quem tem mais ideias. A isto chama-se ser um líder com escuta ativa, que é algo que existe muito pouco na liderança.
Olhando para a equipa da Ei!, pode ver-se o verdadeiro significado de girl power. Que características e importância dá a uma liderança no feminino?
Lidar com pessoas que estão em mobilidade geográfica é muito desgastante. Nós temos de estar sempre a lidar com emoções e falar com as pessoas. Esta é uma das razões pelas quais a minha equipa é formada quase só por mulheres, só temos um homem. No geral, elas é que têm mais paciência para dar apoio, os rapazes são muito práticos.
Há muitas mulheres que fogem da liderança no feminino porque acham que não vão ser capazes. E eu gostava de passar a mensagem que, se acreditarem, tudo é possível e tudo dá para conciliar.
Quando comecei este projeto, o meu filho tinha quatro anos e minha filha tinha dois. Iniciar um projeto destes requer muito trabalho e chegar tarde a casa, mas eu sempre achei que valia a pena. O que eu sinto é que eles têm um orgulho enorme e essa era a minha esperança.
Para as mães que querem ser líderes, é preciso organização, foco, concentração, tempo de qualidade e dar o exemplo aos nossos filhos, principalmente se tivermos filhas. Eu tenho uma filha e acho que ter uma mãe líder é importante para a formação da personalidade dela.
Muitas mulheres desistem da liderança por medo ou por culpa e não temos de ter culpa, porque também existem pais, em contextos normais. Eles também têm de fazer um esforço para que as mães possam ser líderes.