A ideia é simples: uma prestação atribuída a cada cidadão, independentemente da sua situação financeira, familiar ou profissional, e suficiente para permitir uma vida com dignidade. O Rendimento Básico Incondicional (RBI) não é um conceito novo, antes pelo contrário, é algo que filósofos, pensadores e políticos à esquerda e direita têm vindo a discutir nos últimos anos e que ainda exige reflexão e debate. Com estreia mundial marcada para hoje no Cinema São Jorge em Lisboa, “RBI: um caminho de Liberdade” é o nome da série documental de 12 episódios, produzida por Francisco Guerreiro, eurodeputado pelo grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia (Verdes/ALE), que aborda a implementação de um RBI na sociedade atual e conta com a participação de 50 personalidades. A Líder falou com o eurodeputado que diz saber não ser esta a solução para todos os problemas e reforça a intenção de com a divulgação desta iniciativa, conseguir o arranque de um projeto piloto em Portugal.
O que é o RBI?
O RBI não é uma ideia nova, ela já vem sendo discutida desde o século 16, por filósofos, pensadores e políticos, tanto à esquerda como à direita. O RBI considera atribuir a todos os cidadãos de um País um rendimento mensal de modo contínuo até ao final dos seus dias. É incondicional, não existe um pré-requisito para o receber; é individual, atribuído à pessoa, não ao agregado (ao contrário do rendimento social de inserção); e é universal, para todos os cidadãos. Há uma quarta ideia que é ser suficiente para a pessoa ter uma vida condigna (o equivalente a um salário mínimo nacional). Não estamos em condições de implementar já esta ideia, o que promovemos é um debate e reflexão. Gostaríamos sim de fazer um projeto piloto em Portugal para depois perceber como funciona, quais os efeitos, positivos e negativos, e o que fazer.
Em Portugal quem apoia o RBI e que ações já foram tomadas?
Em Outubro fizemos um estudo com a Marktest junto de 1500 portugueses para conhecer a sua opinião em relação à implementação do RBI em Portugal, em que 76% das respostas foram favoráveis. Uma maioria afirmou usar esse rendimento para fazer consumos mais sustentáveis, como a compra de produtos ecológicos, e a sugerir que o RBI deveria ser financiado por um fundo soberano sem aumento de impostos, o que implicaria reconfigurar o sistema fiscal. A nível político há o apoio de algumas figuras, como o Carlos Moedas, e a deputada Cristina Rodrigues.
E no resto do mundo, que países já o aplicaram concretamente?
Já existem alguns modelos de RBI, pese embora seja com valores não muito elevados, como no caso do Alasca em que as receitas petrolíferas são atribuídas aos cidadãos, através da própria taxação da indústria. Em Macau também existe um dividendo que é atribuído aos cidadãos derivado dos investimentos nos Casinos. O mais conhecido foi o projeto da renda básica, atribuída no Brasil, mas era um valor baixo e acessível a um grupo restrito de pessoas. Na Coreia do Sul, em período de Pandemia, houve transferência direta de dividendos para os cidadãos de uma determinada região, e, sendo uma sociedade altamente tecnológica, o governo usou a indústria da tecnologia para taxar um dividendo e distribuir essa riqueza pelos cidadãos. Foi uma medida com muito sucesso.
Que implicações tem o RBI?
Para o RBI existir teria de haver uma reformulação do Estado, torná-lo mais eficiente, o que não significa deixar de ser Estado Social, pelo contrário. Todos os estudos e projetos piloto sobre transferências diretas de dinheiro para pessoas ou comunidades, demonstram que um Estado social forte deverá manter-se como parte dessa solução. Ou seja, o RBI sozinho não tem a capacidade de garantir estabilidade e coesão social. Teria de se reformular o sistema fiscal, tributar quem mais pagasse ou rendimentos tivesse. Idealizamos que o RBI tenha uma componente científica e política, e com a colaboração da academia, economistas e sociólogos, criar um grupo de trabalho para saber qual será a melhor amostra para um pais, aplicar o projeto, para depois perceber os seus resultados e ver os impactos positivos da medida a médio prazo
No documentário, fala-se da tecnologia enquanto regulador para proteger a democracia. De que forma o RBI agiliza isso?
Está a acontecer uma “revolução silenciosa” no mercado de trabalho. Considerando a automação cada vez maior da sociedade que resulta em mais desemprego, podia-se pensar numa taxa sobre a tecnologia para ajudar esta medida e ter um feito rede. À medida que a tecnologia avança, como IA, novos sistemas de robotização e automação, será mais barato automatizar e tornar mais eficiente o processo produtivo, o que naturalmente vai colocar milhões de pessoas no desemprego. O RBI faz repensar o Estado social e garantir que os seus recursos são encaminhados para onde são mais precisos.
Liberdade e mudança são os conceitos que se relacionam com o RBI. Por que razão existe uma resistência dos partidos em avançar para o debate?
A Cristina Rodrigues apresentou uma proposta para se fazer um projeto piloto do RBI em Portugal no OE 2020, que não avançou. Parece-me haver um medo generalizado que esta medida venha quebrar com o Estado social, quando tudo indica, pelos estudos feitos, que não será o caso. O modelo que nós defendemos é um reforço do Estado social, o que está em causa é o reformular da máquina estatal, continuando os apoios em áreas como saúde e educação, e garantir que todos tenham o mesmo princípio base de liberdade, que é a liberdade económica. Nessa perspetiva, muitos grupos, mais à esquerda, têm resistências em pensar para além do paradigma do mercado de trabalho, muito baseado em lutas de classe. Esse debate fica bloqueado por princípios ideológicos, quando temos de seguir a ciência. O RBI não é a solução para todos os problemas, mas pode ser facilitador da mudança e da própria eficiência do nosso modelo social. Os desafios são cada vez maiores com o surgimento dos movimentos populistas, a falta de soluções práticas para problemas reais como habitação, acesso a rendimentos, para além da falta de tempo para pensar e para estar na política. Esta medida poderia contrabalançar esses fenómenos dando uma perceção de que as forças políticas realmente se preocupam com as pessoas.
Como será, na sua perspetiva, o futuro da democracia?
Vejo uma abstenção muito alta, e uma falta de participação cívica e democrática que vem do facto de as pessoas estarem presas num modelo produtivo que faz com que tenham de trabalhar para sobreviver. Com isso não há tempo para nós, para a família, para participar na sociedade. Um RBI poderia ser um catalisador para as pessoas terem mais tempo para si, para escolher onde querem realmente investir o valor do seu tempo e fazer com que houvesse um momento mais vivo, mais sério e mais fundamentado. Isto é algo que não se faz porque não há tempo.
Conte-nos um pouco sobre o que as pessoas poderão ver hoje à tarde no Cinema São Jorge, em Lisboa.
“RBI: um caminho de Liberdade” é uma produção e investimento dos Verdes/Aliança Livre Europeia (Verdes/ALE), com o objetivo de fomentar o debate público e trazer vários “atores” à conversa, em 12 episódios de 12/13 minutos cada. Os episódios vão estar divididos por 4 sessões: a primeira em Lisboa, seguindo-se Porto, Évora e Braga, na Universidade do Minho. O documentário conta com mais de 50 participações, com especialistas da ONU e da FAO, economistas, jovens e ativistas, e está muito bem fundamentado com dados científicos para levar a um novo paradigma. Julgo que perdemos a capacidade de sonhar na política, o que se vê pelos partidos tradicionais que basicamente replicam os mesmos modelos, sendo que estamos em pré-colapso ecológico e temos de repensar qual é o nosso papel na sociedade.
Hoje às 18h00 pode assistir aos três primeiros episódios da série documental (“O que é o RBI?”, “Tecnologia, emprego e empresas” e “Pobreza e desigualdade”), seguindo-se um debate moderado por Francisco Guerreiro que contará com a presença de Carla Guapo da Costa, Catarina Neves e Cristina Rodrigues. Posteriormente, a série vai ser partilhada gratuitamente nas redes sociais, em português e inglês, com acesso universal.
Veja o trailer aqui.