Uma série de experiências pode levar qualquer um a acreditar que é má sorte ser cliente em Portugal. Se alargarmos a condição de cliente para que esta inclua a de utente então basta pedir a renovação do passaporte. Uma tarefa digna de umas obras de Santa Engrácia, destinada a durar meses, passando pelo calvário das marcações e das tentativas de contacto telefónico com organizações que se assemelham ao inalcançável Castelo de Kafka. Mas não é só com o passaporte: renovou eletronicamente o cartão de cidadão? Enquanto se trata de carregar em botões o processo é impecável. Levantar o cartão é que complica as coisas: marque e espere um mês. Um mês para levantar um cartão que já está pronto!
No mundo das empresas privadas a situação pode não ser melhor – especialmente se mete utilities. Imagens de O Castelo voltam a emergir. A empresa é como que uma entidade flutuante, acima do mundo, qual Castelo Andante do grande Myazaki. Ninguém alcança o castelo. Tente a linha de apoio – dizem eles – ao cliente. Boa sorte. Mande mail e espere pela resposta, mas espere sentado. Há meses que espero respostas das mesmas empresas que me ligam espontaneamente para vender coisas que não pedi para comprar.
O mais interessante é que pelo menos uma destas empresas proclama o cuidado com o cliente o seu valor principal. Os clientes são bons, concluímos, se estiverem longe e quietinhos. O calvário do cliente já existia. O Covid serviu para o justificar.
Por Miguel Pina e Cunha, diretor da revista Líder