“Nas estrelas está escrito que lutarei sempre pela minha terra, pelo meu País, não por lugares, mas para fazer a diferença.” Quem o diz é Miguel Pinto Luz, vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais e que foi candidato nas últimas eleições à liderança do Partido Social Democrata (PSD).
Um defensor de uma Europa mais atenta às questões sociais e não somente aos interesses económicos e financeiros, considera que precisamos de aproveitar corretamente cada euro que nos chegar para enfrentar esta crise. Com um Orçamento do Estado para 2021 onde se percebe uma propensão para agradar a forças políticas e onde se esquecem as empresas, o autarca considera ser um orçamento curto para aquilo que é preciso fazer pelo País.
A atual pandemia trouxe desafios para os quais ninguém estava preparado, podendo ser uma oportunidade para o surgimento de novos líderes. Iremos assistir a uma alteração das características que as pessoas pretendem ver nos seus líderes?
Penso que perante esta situação, que de facto para a qual ninguém estava preparado, tem, apesar de tudo, o condão de demonstrar a capacidade de adaptação e resiliência dos líderes. Penso que não se alteram as características que os líderes devem ter. Pelo contrário, fica em evidência que a liderança, sobretudo na busca de soluções, é fundamental num mundo tão imprevisível como é hoje. Liderar é muito mais do que mandar. Liderar é estar atento, sempre um passo à frente, sempre próximo e sempre focado. Mais do que líderes a pensarem no seu lugar, as pessoas devem exigir líderes a trabalhar todos os dias para os outros.
Quais são as principais medidas de combate à pandemia que lhe parece que, neste momento, deveriam ser tomadas a nível central e local?
As medidas passam por um conjunto alargado de ações. Desde logo um princípio fundamental: transparência. O cansaço evidente de todos tem sido acentuado por uma constante contradição dos decisores. Isso não pode ser. É preciso coragem, mas sobretudo coerência. Mas não podemos ficar à espera. As medidas mais restritivas, sobretudo de grandes aglomerados deve continuar. Mas o exemplo da Eslováquia, de testar a população inteira devia ser ponderado cá. Saber o real ponto de situação pode ajudar na busca de melhores soluções. Também não podemos ficar de braços cruzados com os números atuais de camas e de recursos humanos que o SNS dispõe. É urgente, muito urgente, perceber que o investimento deve ser na saúde. É claro para todos que precisaremos de continuar a pensar o País no seu todo, mas nesta fase não me faz sentido grandes investimentos, grandes lançamentos, quando vivemos a situação que vivemos. No meio deste caos, lamento que não se tenha feito uma grande resposta europeia para vencer esta situação. Estamos, todos, na União Europeia, a viver um tempo de profunda incerteza. Ora, um tempo destes deveria obrigar a que todos os países se sentassem e encontrassem respostas comuns. Não podemos viver na ideia de que cada um por si chega. A questão das fronteiras, por exemplo, não pode ser um tema isolado. A própria capacidade de resposta, de ventiladores a camas, de meios necessários, poderia ter uma resposta comum. A União Europeia não pode existir apenas para a construção de uma moeda única e de um espaço económico comum, apesar de ser fundamental.
Foi um grande defensor da criação de uma app de controlo/ aviso da infeção, contudo a app Stay-Away COVID parece estar longe de ser eficaz, já para não falar da polémica que gerou a sua eventual obrigatoriedade. Não será errónea a ideia de que tudo se resolve com recurso ao digital? Ainda mantém a opinião sobre a importância de uma aplicação deste género?
Fui, e sou, um grande defensor de uma aplicação que permita, com total respeito pela confidencialidade e registo de dados, um apoio efetivo para tomar decisões e precaver contágios. O digital serve para ajudar. O digital é pensado por pessoas, será o que as pessoas quiserem que seja. Não acredito em obrigatoriedades, acredito em pedagogia e bom senso. Ter uma ferramenta que nos mapeia os possíveis infetados não é um estigma para quem está doente, nem pode ser um controlo. Pelo contrário, deve ser uma ferramenta para permitir que mais gente não seja contaminada. É esse o desígnio. Agora, o tempo que se perdeu na elaboração desta aplicação é tempo precioso. Bem sei que ninguém estava preparado para esta pandemia, mas hoje, oito meses depois, já temos a obrigação de encontrar respostas. Não podemos ficar sempre à espera.
Após a pandemia, quais são as alterações nas nossas vidas que lhe parece que se irão manter? Poderemos acabar por retirar algo positivo para o futuro?
Nada será igual. Isso todos sentimos. Desde a higiene, até à forma como nos cumprimentamos e relacionamos. Há processos contra a globalização, perante esta pandemia, que acredito serem manifestamente errados. O caminho não deve ser o isolamento, o fecho de fronteiras ou construção de muros. O caminho é o oposto. Mais interligação. Procurar que todos partilhem informação. Mas também precisamos de voltar a uma vida o minimamente normal possível. Voltar a sair, voltar a conviver, voltar a viajar. Com regras, com respeito pelo próximo, mas o ser humano não foi feito para ficar confinado. Isso não nos vão mudar. É a nossa essência.
Defendeu que o PSD devia chumbar o Orçamento do Estado para 2021, como aliás acabou por acontecer. Um observador equidistante fica sempre com a sensação de que estas decisões são mais políticas do que técnicas. O que falta neste Orçamento para merecer o voto favorável do PSD?
Claro que são políticas. A vida é feita de escolhas. A política é uma escolha. O rumo político de um país é marcado pelo documento mais importante que um Governo pode apresentar: o seu Orçamento. Ora, este Orçamento tem a marca desta governação. E que marca é? Um trapézio, para agradar a parceiros partidários que não são confiáveis. Este é o ponto. Um orçamento, o primeiro de João Leão, que esquece as empresas, aliás, faz tábua rasa do que deve ser a prioridade num contexto de enorme sacrifício dos empresários. Sem empresas não há Estado que aguente. E este Orçamento é curto para os desafios que teremos pela frente. Os sinais dados não são os sinais adequados.
O Presidente da República deixou bem claro que é fundamental a aprovação do Orçamento do Estado, contudo, o PSD votou contra. Parece-lhe que seria melhor entrarmos em 2021 sem Orçamento do Estado e com crise política?
Permita-me citar António Costa: “No dia em que a sua subsistência depender do PSD, este Governo acabou.” Fim de citação. Ora, quem extremou, quem cortou com o País moderado, com a visão de um País sensato e com respeito por todos, setor público, setor privado e social, foi este Governo. A única razão para que exista uma crise política é a pouca fiabilidade de Partidos extremistas que não são de confiança. E isso, só o atual Primeiro-Ministro pode responder.
O Primeiro-Ministro salientou recentemente que o montante que Portugal irá receber da chamada “bazuca” europeia é semelhante ao Orçamento de um ano do SNS, pretendendo demonstrar que estamos a investir muito no SNS. Não será, isso sim, demonstrativo de que o montante que vamos receber da Europa está longe de ser a solução milagrosa no combate à crise? É notório que o valor que iremos receber é curto. Mas, mesmo sendo um valor curto, é fundamental ser bem aproveitado. Desde logo deve ser executado, mas sobretudo deve ser bem planeado. Não há espaço a mais investimentos que não sejam produtivos. Não podemos gastar apenas porque iremos receber. Precisamos de aproveitar cada euro. Não é a solução milagrosa, até porque virá muito mais tarde do que precisamos, mas é uma oportunidade. Que não se desperdice dinheiro em consultorias, workshops e equipamentos desnecessários.
Por falar em Europa, acredita que a União sairá reforçada desta pandemia ou ficarão ainda mais evidentes as conhecidas dificuldades da construção europeia?
Penso que é notório que o projeto de União Europeia faz todo o sentido. Posto isto, a ideia de criar a tal bazuca financeira é um incentivo num futuro muito conturbado. No entanto, esta pandemia veio colocar em evidência que não existe hoje uma capacidade de juntar esforços além do desenho burocrático que a União Europeia cristalizou. Esta pandemia deveria ter uma resposta em conjunto. Nos diferentes vetores. Da vacina ao estado de cada serviço nacional de saúde. Com rigor, entre ajuda e ganhos de escala. Com capacidade de olhar para este enorme território e acudir a quem mais precisa de apoio. Este mercado único não pode ser meramente comercial ou económico, tem de ter também uma forte componente social. Com respeito pela soberania de que cada país, mas com um olhar para os europeus.
E a Europa sofre, hoje, como um todo, com este vírus. Os líderes que temos na Europa são os líderes de que precisamos?
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Por Catarina G. Barosa
Leia a entrevista na íntegra na edição de dezembro da revista Líder.