A conhecida frase “transformar ameaças em oportunidades”, que representa uma perspetiva empreendedora de definir uma estratégia empresarial, encerra um outro significado de não menor importância: a atitude de alguém que, perante situações que ameaçam um determinado “status quo”, prefere encará-las como possibilidades de virem a ser geradoras de crescimento e desenvolvimento e não como elementos fraturantes de uma ordem que se tenta manter e defender a todo o custo.
Este duplo sentido, assume hoje uma atualidade sem precedentes perante a grande crise que atravessamos da COVID/19.
A atual pandemia, com a brutal destruição de forças produtivas e a disrupção dos hábitos de trabalho trouxe consigo um inevitável questionamento sobre as nossas próprias conceções do que é o trabalho, levando-nos a uma revisão profunda sobre os nossos propósitos e projetos de futuro.
Num tal contexto, onde, para além da incerteza em relação ao futuro, somos igualmente confrontados com uma ameaça real à nossa sobrevivência, a maneira de o encararmos e de o vivermos constitui um fator determinante para as apostas que vamos fazer relativamente à construção dos cenários desse futuro incerto.
Perante vários dilemas, as pessoas questionam-se sobre opções críticas que têm de fazer, particularmente em relação ao seu futuro profissional. E um desses dilemas diz diretamente respeito à possibilidade e/ou oportunidade de mudança de emprego durante a pandemia.
Uns consideram essa ideia simplesmente como uma loucura ou, no mínimo um aventureirismo irresponsável. O argumento é que não fará sentido deixar um emprego fixo que, mesmo que instável, apresenta maior estabilidade do que ir ao encontro de um outro emprego que não se sabe o que pode ser, num ambiente em que o futuro de muitas empresas se encontra seriamente ameaçado.
Outros, porém, encaram as crises como oportunidades de grandes mudanças, e admitem que a atual possível limitação de oportunidades de emprego é uma realidade que tenderá a inverter-se a curto prazo, iniciando-se a seguir uma nova fase de grande florescimento e expansão da economia.
Mais do que uma resposta algorítmica de sim ou não em relação à questão de mudar ou não mudar de emprego na situação atual, importa sobretudo colocar a questão nas atitudes dos eventuais candidatos e na proposta de valor com que se apresentam no mercado de trabalho.
E são várias as questões críticas que devem constar dessa “employee value proposition”, como:
– O nível de autoconfiança e de resiliência que o candidato apresenta;
– A capacidade de estruturação do pensamento, devendo demonstrar ideias claras sobre os contributos que pode dar a vários projetos;
– A existência de um propósito claro e bem definido, que estabeleça o empenhamento do candidato na construção de um “bem maior”;
– A sua Inteligência Emocional, medida pela capacidade de expandir energia positiva e otimismo;
– E finalmente, a profunda convicção de que, quaisquer que venham a ser os desafios que vier a enfrentar está em si a capacidade e a determinação de os superar.
Qualquer que seja a opção, numa altura destas, em que o humano que há em nós é posto definitivamente à prova, o que é importante é não ceder aos apelos do medo, da insegurança e da ansiedade, que são os mais próximos conselheiros da mediocridade.
E assumir uma atitude verdadeiramente empreendedora, inspirada numa famosa frase do Presidente Kennedy : “não perguntes o que é que a tua empresa pode fazer por ti, mas sim o que tu podes fazer pela tua empresa”.
Por Mário Ceitil, Coordenador do Executive Master em Gestão de Pessoas e Liderança do ISCTE/Executive Education e Presidente da APG (Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas)