É já neste domingo, dia 13, que abre a Expo2025 na ilha Yumeshima, na baía de Osaka, no Japão. Durante 184 dias, Portugal será um dos 160 países a participar na exposição mundial que decorre até 13 de outubro de 2025.
Joana Gomes Cardoso, Comissária-geral da participação de Portugal na Expo2025, revela o que se espera desta participação: «O futuro está no mar», afirma peremptoriamente, somos um país de futuro precisamente pelo património e a vantagem de estar junto ao mar. Não quer que Portugal seja visto como um país modesto. Pelo contrário.
O Pavilhão de Portugal foi projetado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, o mesmo que fez a ampliação do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, em Lisboa. A mais de 16 mil quilómetros de distância, a estrutura apela à nação valente e marítima que se lança no oceano à conquista de futuro.
Nesta entrevista, já no fuso horário Lisboa-Japão, sente-se a azafama, os imprevistos das vésperas de uma grande abertura e o entusiasmo de Joana Gomes Cardoso, nítido e genuíno. O inesperado e a intuição marcam os seus passos até chegar a esta função, para a qual foi nomeada pelo Governo, de forma a liderar a presença de Portugal, através da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal).
O futuro vai estar por Osaka nestes próximos meses, e não se trata apenas das oito horas de avanço. É o poder da arte e da cultura que alimentam um novo olhar e forma de projetar Portugal mais além.
Até chegar a este lugar, como foi o seu caminho?
O meu percurso foi feito de muitos acasos e improbabilidades, mas a verdade é que para mim faz sentido e aprendi sempre com qualquer uma destas experiências. Comecei por querer ser jornalista e estudei Ciência Política e Relações Internacionais. Pelo trabalho dos meus pais, vivi em vários países e tive a sorte de começar com um estágio na CNN, no escritório das Nações Unidas, em Nova Iorque. Depois, voltei a Portugal e estive na equipa fundadora da SIC Notícias. Este é um dos aspetos que realço, o de estar na origem de projetos – para mim é um privilégio estar na origem de algo. E aí foi o caso. Trabalhei como correspondente na Europa, e depois, passei pela direção de comunicação do escritório europeu da Amnistia Internacional (em Bruxelas). Nessa altura tirei um mestrado em Culturas e Desenvolvimento na Antropologia – não pensei muito e candidatei-me. Foi até irónico e divertido, porque era um curso que, entre outras coisas, destruía, a partir de uma perspectiva antropológica, o trabalho do setor humanitário e da cooperação, que era exatamente o que eu fazia.
Regressei a Portugal e fui para diretora-geral do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) do Ministério da Cultura, com a então Ministra Gabriela Canavilhas. Este passo marca a minha entrada nas políticas culturais, o que depois vem a ser a minha vida até agora. O governo cai e vou para o fundo de desemprego, outra experiência valiosa, difícil para o meu ego, não muito agradável, mas que me trouxe muita sobriedade e humildade.
Mais tarde recebo o convite para a presidência da EGEAC, na Câmara Municipal de Lisboa. Ao fim de sete anos, que também coincidiu com uma mudança de ciclo político, embora não foi essa a razão, tive a sensação que já era tempo suficiente e o meu olhar já não era fresco. Resolvi arriscar, não totalmente sem ter algumas ideias. O António Feijó, a quem eu sugeri a ideia da assessoria que depois evoluiu para a coordenação geral dos projetos especiais, estava a ir para a Fundação Gulbenkian e eu acabei por assumir esse cargo. Apesar de o meu percurso não ser nada linear e feito de vários acasos, acho que tudo aquilo que fiz, de uma forma ou de outra, encaixa.
E agora, enquanto comissária-geral em Osaka?
Agora tenho estado sobretudo na parte do pensamento, na construção da estratégia e depois na materialização. Estou literalmente no terreno, no contentor do pavilhão, onde já andei com cordas e tive de guiar uma camioneta. É uma adrenalina boa, pôr mãos à obra, onde estamos juntos, seja comissário, seja diretor do pavilhão, ou o mais júnior, todos a fazer um pouco de tudo e isso está a dar-me muito gozo. Já há muito tempo que não estava assim com a mão na massa, e isso fez-me sentir que tenho mais saudades disso do que pensava.
O tema da Expo2025 é “Desenhar as sociedades do futuro para as nossas vidas”. De que forma pensou nesta participação e como se reflete este conceito?
Quando este convite surgiu o que realmente ‘mexeu’ foi ser no Japão. Eu vivi cá, dos 14 aos 16 anos, e nunca mais tinha voltado. Hoje vejo aspetos, do meu percurso e personalidade, que foram influenciados por essa estadia, naqueles anos importantes da adolescência. Portugal conhece mal o Japão e tem uma série de percepções erradas e achei que podia realmente contribuir como comissária. Não tenho a pretensão de achar que entendo o Japão melhor que as outras pessoas, mas achei que tinha aqui uma mais-valia.
Após o convite, só fui, efetivamente, nomeada nove meses depois. Quando chego ao projeto, o tema já está decidido, há um concurso público, já em curso, para a arquitetura do pavilhão, entre outras coisas. Gosto de estar desde início nas coisas, neste caso não foi bem assim e apanhei ‘o barco a meio’ o que, às vezes, pode ser ingrato. Ou seja, não estive envolvida desde o princípio, no pensamento original, o que é uma coisa que tenho pena. Por outro lado, também não havia nada naquilo que foi definido que eu sentisse que era errado, ou que não conseguisse defender e absorver.
O tema desta Expo é, efetivamente, uma coisa muito japonesa. Gosto muito do final da pergunta que lançam, que é assim uma expressão bizarra, mas muito japonesa e eu gostei sobretudo dessa parte: «para as nossas vidas». E depois responder a esta pergunta é literalmente falar sobre o futuro. Hoje, somos um país líder nas nossas políticas marítimas e Portugal tem neste momento um manancial de novas indústrias da economia azul, muito mais sustentável, que podem ser aqui mostradas e capitalizadas. Tais como o papel e roupa feitos a partir de algas, a indústria da gastronomia, e também dos azulejos. Há toda uma revolução e estou consciente que, de facto, o futuro está no mar. Na apresentação pública com o Primeiro-Ministro, disse que não vamos mostrar o país simpático do século 16, vamos falar da nação que está na frente de uma revolução azul. Nós somos um dos países pioneiros nessa frente, com todo esse mar, e é esse Portugal que vai aqui aparecer com força. Não estamos aqui para ser modestos.
O tema do Pavilhão de Portugal é ‘Oceano: Diálogo Azul’. Como é que isso se traduz?
Por um lado, é uma homenagem ao nosso passado histórico e marítimo com o Japão, feito pelo mar, e uma associação à nossa Expo 98, que lançou o tema dos oceanos. Depois, há uma outra questão, em Portugal, quando se pensa no Japão, há uma perspetiva de falar sobre o passado e da nossa relação especial, por, entre outras coisas, termos sido os primeiros a chegar.
Mas houve uma coisa que me intrigou desde o início, foi quando pedi para ver os indicadores da nossa relação com o Japão e achei tudo muito baixo. Temos poucos turistas, quando comparado com outros países, e temos pouquíssimos estudantes, exceto em áreas como a arquitetura, em que os japoneses gostam muito de nós, e vice-versa. Na minha perspectiva, acho que isso tem a ver com o facto de nós nos projetarmos no passado e não nos promovermos como o país que somos atualmente. Há sempre a ideia, ‘do Japão vamos levar biombos’. Não! Já houve esse tempo, e sem deixar de homenagear a nossa história e de referir que temos aqui muitos elementos sobre isso, o desafio desta Expo é o contrário. É projetarmo-nos no Japão, como o país que somos hoje, para os japoneses quando pensarem em Portugal, não ser aquele país simpático do século 16 e pensarem como o país simpático de hoje, que podem visitar, viver e estudar e afins.
Para quem não vá a Osaka, como pode ficar a conhecer o que se vai passar na Expo?
Essa foi uma preocupação que tive desde início: está é uma Expo difícil, do outro lado do Mundo. Como estou muito habituada a ter de justificar a utilização de dinheiro público, esse foi imediatamente o meu pensamento. Uma das ideias, com uma enorme receptividade, que me deixa muito feliz, surge no processo de falar com várias entidades, que têm um manancial de espólio, histórias e ligações ao Japão, mas que não fazia necessariamente sentido fazer para cá. Ou até nem podíamos, porque estamos a falar de peças valiosas que nem há condições para as ter aqui. Mas é uma pena estas histórias não se conhecerem, e nem mesmo em Portugal são conhecidas. Fascina-me desmistificar esta ideia de que somos tão diferentes porque efetivamente temos inúmeras ligações passadas e atuais, que nem os japoneses sabem, nem nós. Nesse sentido, desenvolvi um programa, algo que não se faz normalmente, e chamei o nome mais básico: ‘Osaka em Portugal’. Assim, temos a Expo Osaka e Osaka em Portugal. É um programa completamente livre, sem orçamento, de lançar o desafio a toda a espécie de entidades e organizações, algumas que estão cá, outras que não vão estar, de atividades, exposições, sobre o Japão, que acontecem em Portugal ao tempo da Expo.
O que permite criar um diálogo, uma interação cruzada, de dar a oportunidade a quem não puder cá vir, que eu tenho consciência que será a maioria dos portugueses. Com isto, ao longo deste ano, vai haver em Portugal uma ligação ao Japão. Alguns exemplos, como o Plano Nacional das Artes vai fazer uma ação em 60 escolas sobre o Japão, o MUDE – Museu do Design, tem as peças da participação de Portugal na Expo Osaka de 1970, e vai fazer uma exposição de designers portugueses, como o Daciano da Costa, que representaram Portugal nessa altura. Há uma série de património e de histórias, que eu própria não conhecia e que temos de aproveitar e de mostrar, seja lá, seja cá.
Quais são os pontos chave desta participação e objetivos que deseja ver cumpridos?
Este ano temos um programa bastante completo, como muitas camadas distintas e possibilidades, o que me deixa muito feliz. A AICEP, pela sua génese, tem um foco mais empresarial, mas esta Expo é também para as universidades, as regiões, e, naturalmente, para os artistas. No caso das Universidades Nova e Católica, não só vão estar cá, como já estão a trabalhar há mais de um ano, para quando cá estiverem assinarem parcerias com universidades japonesas. Esse é um grande objetivo, que isto não seja ‘foguetes e croquetes’ durante seis meses e depois acabou. Pode haver um fogo de artifício, que também gosto, mas tem de se deixar qualquer coisa. Se nós passarmos a ter mais estudantes japoneses por causa do que foi feito aqui, então, é para isso que isto serve, certo? A minha ambição não é só o número de públicos, e se vamos cumprir o nível dos visitantes. É uma questão legítima também, nós temos um indicador que é ambicioso, de uma estimativa de um milhão e duzentos mil visitantes a visitar o pavilhão. Há depois muitos outros indicadores, quantitativos e qualitativos, que esses sim é que vão determinar o sucesso da exposição.
O que podem os visitantes ver no pavilhão de Portugal?
Este é um pavilhão com uma estética muito contemporânea, linhas muito estilizadas que captam muito bem a ideia do oceano, com as cordas que na verdade são cabos marítimos e redes de pesca. O arquiteto já falava na ideia dos elementos, do vento, da transparência, do movimento, mas agora que estou cá, e vejo ao vivo, senti exatamente isso. Sou suspeita, e em algumas coisas sou muito crítica, mas temos um Rolls Royce! Comparando com os outros pavilhões, o nosso é realmente dos mais bonitos, dos mais originais. É um bocadinho intrigante, as pessoas não percebem logo, mas depois quando sabem que o tema é o oceano começam a entender. São 9.500 cordas, cerca de 60 toneladas! Os japoneses deram-nos uma localização fantástica, estamos ao pé das escadas rolantes que dão acesso ao ringue, uma grande coisa desta Expo, que permite às pessoas darem uma volta muito bonita ao recinto. Estamos ao pé do pavilhão do Japão e na linha da frente para os espetáculos de luz e de Aquamatrix. Já tivemos duas mil pessoas, no domingo passado, e correu muito bem.
“Um país com um passado, presente e futuro construído com o oceano” é o título da exposição permanente. Pode-nos revelar o espaço?
Queremos trazer aqui um pouco de Portugal como nação marítima do futuro. Não vamos bater no passado, vamos apresentar-nos como aquilo que somos no futuro. Quando entra, o visitante tem acesso a duas salas com as exposições permanentes que têm um pouco da História, como Portugal e o Japão se conheceram e depois passa para o que Portugal hoje faz na área marítima. Um dado que até muitos desconhecem, é de o território português ser 97% feito de mar, portanto se o mar contasse, nós seriamos um grande país – que somos!
Há uma sala mais imersiva e artística, com uma mensagem sobre os oceanos estarem em perigo. Se queremos pensar nas sociedades do futuro, temos de olhar para a conservação dos oceanos e ao mesmo tempo explorá-los de uma forma responsável. Após as duas salas, há um restaurante e a loja e ainda uma sala que tinha sido desenhada para conferências, mas que transformamos para ser usada pelas entidades para exposições e workshops.
E no próximo dia 5 de maio é um dos pontos altos da programação do pavilhão.
Sim, no dia 5 de maio temos, na verdade, três coisas importantes para assinalar: o Dia de Portugal na Expo, o Dia da Língua portuguesa e o Dia da Criança no Japão. Vai haver um grande concerto, em homenagem à Expo de 1970, que trouxe a Amália Rodrigues e o Carlos Paredes a Osaka, com a participação da Ana Moura, Camané e Ricardo Ribeiro. Vem também o Dino Santiago fazer a ponte com os outros países de língua portuguesa que têm presença no Japão. Mas ainda antes, no dia 30 de abril, vem o António Pinho Vargas, um estilo completamente distinto, o que também me deixa muito contente, pois vamos ter uma multidão de artistas diferentes.
Olhando para o Mundo como está, podem a arte e a cultura salvar a humanidade?
Essa pergunta é interessante porque quando eu chego a esta aventura, a minha maior batalha foi entender-se que, em primeiro lugar, um país promove-se, posiciona-se, atrai ou não investimento, através da cultura. Ou seja, tentar desconstruir uma visão mais economicista e assumir na prática este poder transformador e inspirador da cultura, ou melhor, por ser inspirador é que se torna transformador. A cultura é a alavanca de tudo e ainda há a percepção de ser uma coisa menor. Desde logo este pavilhão – isto é arquitetura, é arte. Seja design, música, literatura, enfim, todas estas áreas, têm de facto uma forma de chegar às pessoas que é completamente diferente do que o negócio puro e duro, que é importante, e é o que nós queremos fazer aqui, mas eu vejo isto ao contrário. O primeiro passo tem de ser a parte cultural, seja a histórica ou a atual, contemporânea, ou popular – seja uma peça da Fernanda Fragateiro ou o cante alentejano, como vamos aqui ter.
Aquelas ideias da alta cultura, baixa cultura, da popular e erudita, nada disso faz sentido para mim. Quando alguém toca alguém, através de uma expressão, seja plástica, musical, ideias de pensamento, é isso que interessa, os rótulos depois são menores. E isso também me atrai no Japão, porque é muito um povo muito assim, valoriza a prática cultural, manual, o artesanato. Por exemplo, este ringue espetacular, que entrou para o Guiness World of Records, é uma estrutura com uns cinco quilómetros, sem um único prego, pois aplica a prática ancestral japonesa de encaixe da madeira. Arrepia-me estar ali em cima. Para mim já é uma experiência transcendente. No momento em que estamos, neste Mundo completamente bizarro, acho que só a arte, o pensamento, é que nos salva. Precisamos de comida e de ter um sustento, mas também precisamos desta outra alimentação, porque senão nada faz sentido. Hoje, mais do que nunca, percebo como tudo passa por isto. É preciso estarmos mais receptivos, mais abertos, acho que nós, como pessoas, estamos pouco atentos e despertos. Agora ando com uma máquina fotográfica analógica, muito básica, que na verdade ofereci ao meu filho no Natal e trouxe-a para cá. O que isso mudou o meu olhar. De repente, estou atenta às sombras, à luz, transformou completamente a minha visão, e o meu olhar.