A crise da habitação não é um tema novo, continuando a estar no centro do debate público. Existem poucas respostas, mas várias sugestões, sendo a abordagem às políticas públicas um dos vértices mais importantes da problemática.
Este foi o tema da conversa entre Vera Gouveia Barros, Economista e Investigadora nas áreas de Economia do Turismo e de Economia da Habitação, e Simone Tulumello, Investigador Auxiliar em Geografia Humana no Instituto de Ciências Sociais (ICS-ULisboa).
O momento foi gravado em direto para o podcast 45 Graus (Expresso) durante o evento ‘Policy Fest’, no Campus de Carcavelos da Nova SBE, focado em ‘Política de Habitação’, e moderado por José Pimentel.

Um mercado habitacional que insiste em não abrandar
Tulumello começa por afirmar que «os custos com a habitação subiram cinco vezes mais do que os rendimentos das famílias», sendo as zonas da Grande Lisboa e Setúbal as localidades com um maior aumento de preços. Paralelamente, imigrantes com origem em países como os EUA e França têm um maior poder económico e beneficiam dos preços atuais.
Já para Vera Gouveia Barros, os dados são essenciais nesta questão: «a habitação tem características fundamentalmente diferentes de outros bens» e não existe um estudo adequado à longevidade destes consumos em Portugal. As informações disponíveis são insuficientes e, recorrentemente, abordam os últimos trimestres, quando a maior parte das pessoas comprou casa há anos.
«Quando se quer olhar para a questão da acessibilidade económica – porque quando se fala dos preços, é disso que se está a tratar e o direito à habitação não se esgota aí – tenho de procurar métricas um bocadinho melhores do que simplesmente esta questão do preço», diz. As alterações sociológicas e necessidades que se vão alterando também necessitam de ser estudadas, de forma a abordar o problema da habitação como um todo, na opinião da economista.
Pelas suas características, o mercado da habitação nunca será concorrencial por não ser um produto homogéneo
Simone Tulumello concorda com esta premissa em abstrato, mas, quem está a definir os preços praticados não é o «zé povinho» e sim estrangeiros e «atores empoderados», com maior poder de compra. Desta forma, a real capacidade de negociação, na sua visão, é uma inverdade.
Por sua vez, Gouveia Barros considera o mercado como algo natural, seja ele público ou privado, reforçando a necessidade de reconhecer as suas características e falhas, de forma a encontrar soluções. «Negociação não implica que as duas partes tenham igual poder negocial. Mas é uma negociação», clarifica.
O investigador defende também que, à semelhança da saúde, onde «um SNS cobre 80% das situações, digamos, e sustenta o país, apesar das falhas», a habitação deve ter uma capacidade social de assegurar. «A habitação, como a saúde, educação e segurança social, é um dos quatro pilares fundamentais do estado social . O mercado, como está concretamente construído pelas leis do Estado, não é pensado para habitação, mas sim enquanto instrumento económico», acrescenta.
A falta de oferta habitacional pode ser uma ilusão
Para Vera Gouveia Barros, aumentar a oferta de habitação não é sinónimo de construir. «Existe um stock de habitação, em muitos casos públicos, e o Estado deveria mobilizar o seu património para o bem social». Para a economista, obrigações sobre património privado não devem ser o caminho, mas sim apenas incentivar a arrendar.
Não há falta de oferta de casas, há falta de habitação
Se por um lado houve um boom de consumo de habitação nos anos 90, findo com a crise de 2008, por outro o fluxo de construção é dos mais baixos da OCDE, mas é também um dos que tem maior stock. Tulumello refere que, apesar de não haver construção, o rácio de casas disponíveis e de número de famílias manteve-se estável, corroborando a ideia de que não há falta de oferta. Adicionalmente, Portugal é um dos países com maior número de segundas casas, devolutas e vazias, muitas delas do Estado.
Que medidas podem ser úteis para combater a crise?
Tulumello e Gouveia Barros concordam que o ato de subsidiar um mercado desregulado faz com que os preços aumentem. Medidas como a isenção de IMI para jovens não serão uma medida tão benéfica como se espera, com a economista a referir que algo mais útil seria manter-se o pagamento deste imposto, havendo posterior devolução no momento de entrega do IRS.
Já o controlo de rendas pode ser feito de várias formas, mas, para funcionar, requer confiança nos agentes do Estado e desconstrução de medos e mitos relativos ao arrendamento. A conjuntura atual faz com que os proprietários estejam relutantes em disponibilizar as suas casas, contribuindo para um grande número de casas vazias.
«O funcionamento desses mecanismos, também não se pode divorciar daquilo que é a estrutura do mercado do lado da oferta. Porque uma coisa diferente é existir uma oferta que é dominada por meia dúzia de empresas cujo objeto de negócio é precisamente ter imobiliário para pôr a arrendar. Outra coisa diferente é haver um mercado que é feito de pequenos proprietários», explica a economista.
Adicionalmente, existem inúmeras características mais preocupantes do que o preço, na opinião de Vera Gouveia Barros: acessibilidade das habitações consoante cada caso pessoal e familiar, especialmente numa sociedade envelhecida.
Os dois especialistas terminam a conversa com a certeza de que a habitação pública é uma das áreas que deve ser fortalecida em Portugal, onde tem sido escassa. «A única solução para ter boa habitação pública social é ter muita», conclui Simone Tulumello.
Imagens: WANDERSOUL STORIES